Matéria vinculada: "Novo cronograma – Marinha do Brasil adia submarino nuclear".
Editorial Jornal O Cruzeiro do Sul – Sorocaba – 29 Outubro 2011
Em seu conto O Edifício, Murilo Rubião (1916-1991) conta a história de um prédio cuja construção ultrapassa várias gerações, sem limite de andares ou prazo para terminar. Os idealizadores do projeto já estavam mortos há muitos anos quando as fundações ficaram prontas. Ao ser contratado por um misterioso conselho responsável pelo empreendimento, o jovem engenheiro encarregado de gerenciar a obra foi advertido: "Nesta construção não há lugar para os pretensiosos. Não pense em terminá-la, João Gaspar. Você morrerá bem antes disso."
Guardadas as proporções entre a imaginação hiperbólica do contista mineiro e a realidade, a construção do submarino nuclear brasileiro, desenvolvida pela Marinha no Centro Experimental Aramar, em Iperó, lembra um pouco aquela história. Assim como o edifício, o projeto da Marinha adquiriu vida própria e, em certo sentido, pode ser considerado eterno, já que as datas previstas para o término do submarino têm sido revistas, sucessivamente. Diante de tudo o que se sabe e também do que foi anunciado, não seria absurdo afirmar que a tripulação da futura nave está no berçário, ou ainda não nasceu.
A nova previsão da Marinha é que o submarino ficará pronto entre 2022/2023, devendo passar por testes de mar e avaliações técnicas e, se tudo correr bem, entrar em operação em 2025. Como informou o repórter Carlos Araújo, deste jornal, desde a inauguração de Aramar, em 1988, a Marinha já divulgou outras datas para a conclusão do submarino: 1995, 2000, 2005, 2006 e 2007… Antes da nova revisão, dada a conhecer na última quinta-feira, trabalhava-se com a perspectiva de término entre 2020 e 2021 ("Novo cronograma – Marinha do Brasil adia submarino nuclear", 28/10, pág. A8).
Na verdade (e as revisões de cronograma o demonstram), não existe como garantir que o objetivo central de Aramar será atingido dentro de um prazo determinado. Esse fato ficou nítido na explicação oferecida ao repórter pelo comandante do Material da Marinha (área à qual Aramar está vinculado), almirante de esquadra Arthur Pires Ramos, ao afirmar: "Todo o processo de pesquisa e desenvolvimento envolve um grande risco. Tudo o que é pesquisado, a pesquisa de ponta, pode dar certo e pode não dar certo; é inerente à pesquisa."
Oficialmente, sabe-se pouco sobre o que já se conseguiu nos 23 anos de existência de Aramar e o que ainda falta pesquisar, desenvolver e pôr para funcionar para que o submarino se torne uma realidade. Isso não é propriamente anormal, pois, seja no Brasil ou em qualquer parte do mundo, projetos nucleares são protegidos pelo sigilo industrial e científico, aspectos de segurança nacional e interesses de Estado. Por outro lado, nenhuma justificativa realmente honesta para a duração estendida do projeto deve ignorar o fato de que o Centro Aramar foi submetido a um regime de cortes orçamentários e pouco prestígio, na década de 1990 e início dos anos 2000.
Para a região de Sorocaba, apreensiva com a vizinhança de um reator nuclear e impedida de conhecer o que ocorre dentro das instalações militares, sobrou o consolo de saber que Aramar poderá – como foi noticiado por este jornal – tornar-se, ao lado da Universidade de São Paulo (USP), um polo de formação de profissionais especializados e ajudar na produção de radioisótopos utilizados em medicina ("Iperó – Poli/USP deve instalar unidade anexa a Aramar", 22/8, pág. A7, e "30 megawatts – Iperó ganhará um segundo reator nuclear", 31/8, pág. A7). São desdobramentos positivos de um projeto que, só numa hipótese otimista, chegará a um resultado concreto a tempo de ser comemorado pela atual geração.