Futuro da GE passa pelos emergentes

Ed Crooks e Jeremy Lemer

No fim de 2010, John Rice deixou para trás os confortos familiares de sua casa em Atlanta, Geórgia, em troca de uma nova base em Hong Kong. O vice-presidente da General Electric (GE) encarregado de operações fora dos Estados Unidos via a necessidade de realocação como algo tão premente, que ele decidiu ocupar um escritório temporário, enquanto espera pelas instalações permanentes no território, que não estarão prontas por mais dois meses.

É uma mudança radical para o segundo executivo mais graduado do maior grupo industrial dos EUA, uma mudança que denuncia a urgência dos esforços da GE para melhorar seu desempenho."Eles estão realocando John Rice para ficar mais próximos dos mercados que esperam ter crescimento explosivo no futuro", diz Noel Tichy, professor da University of Michigan, que administrou o instituto interno de formação de executivos da GE em Crotonville, Nova York. "Eles estão dizendo: "Vamos dar uma sacudida"."

Os esforços para melhorar o desempenho em grandes economias emergentes como China e Índia, onde suas receitas estão desapontando, poderiam determinar tanto o futuro da GE como o de Jeffrey Immelt, presidente do conselho de administração e executivo-chefe há quase dez anos.

Poucas empresas podem reivindicar o mesmo pedigree ou proeminência que os da GE. Com origens que remontam a Thomas Edison, o grande erudito americano, a GE é a empresa há mais tempo no índice Dow Jones, possui cerca de 5 milhões de acionistas e teve receitas de US$ 150 bilhões em 2010. Possui 300 mil funcionários espalhados por cem países, sua influência estende-se por todo o mundo e seus produtos representam a qualidade da engenharia americana em quase tudo, desde turbinas de avião até aparelhos de tomografia computadorizada.

Desde 2007, no entanto, trabalhar na GE significa ter vivenciado, com detalhes em alta definição, uma brutal recessão. À medida que os mercados de crédito congelaram, a GE Capital, o intumescido braço financeiro do grupo, encontrou dificuldade para financiar-se, quase derrubando a companhia. A GE sobreviveu graças ao apoio substancial do governo, mas à custa de sua classificação de crédito "triplo A", de parte dos dividendos e de sua reputação como a empresa americana mais bem administrada. Paralelamente, suas unidades industriais foram atingidas pela queda nos gastos dos consumidores e das empresas. A receita de suas operações de aviação, transporte e cuidados médicos caiu, com os clientes adiando a compra de bens de capitais caros, assim como os trabalhos de manutenção ou reparos não essenciais.

Tendo conseguido escapar da morte, agora a GE está em recuperação. Revigorada pela retomada econômica mundial, seus lucros deverão aumentar 16% neste ano. Immelt, que assumiu o comando em 7 de setembro de 2001 e, portanto, sabe bastante sobre choques inesperados, sentiu-se em condições de assegurar aos acionistas no mais recente balanço anual que os melhores dias da GE ainda estão por vir. Ele apostou sua reputação em uma GE diferente, não tão dependente do dinheiro aparentemente fácil dos serviços financeiros, mas que busca êxito por meio das virtudes tradicionais, de inovação e qualidade.

É uma mensagem atraente em um país que busca sair da rota de desilusões econômicas dos últimos dez anos. Seu compromisso ficou refletido nas decisões de contratar mais 6,3 mil trabalhadores em setores industriais nos EUA e de promover US$ 11 bilhões em aquisições nos últimos seis meses, para fortalecer as operações em equipamentos de energia.

Immelt, porém, ainda tem muito a fazer para provar que pode tornar sua visão realidade. As ações da GE, negociadas em torno a US$ 20, ainda estão longe do pico de mais de US$ 60 atingido em 2000 sob o comando de Jack Welch, o celebrado antecessor de Immelt, e estão apenas na metade dos US$ 40 alcançados em 2007.

Nos últimos cinco anos, assim como nos últimos dez, o desempenho das ações foi pior do que o do índice Standard & Poor"s 500 e o dos papéis da Siemens, da Alemanha, maior rival internacional da GE. A Honeywell, que a GE tentou comprar em 2000 e 2001, viu suas ações subirem mais do que 50% desde que a oferta foi abandonada, enquanto as da GE caíram na mesma proporção.

A GE tem uma linha de produtos impressionante, nas áreas de turbinas de aviões, geração de energia e equipamentos médicos, entre outras. Alguns, no entanto, questionam se a empresa conseguirá traduzir isso em forte crescimento dos lucros. "Se você comparar com algumas das outras multinacionais realmente grandes, acho que o crescimento ainda é vagaroso", diz Jeff Sprague, da Vertical Research Partners, que acompanha as GE há mais de 20 anos. "Eles conseguiram escavar sua trilha de saída dos problemas e estão no caminho certo, mas investir é, na verdade, um jogo de alternativas e apenas acho que provavelmente há lugares melhores para se estar no setor industrial."

Apesar da conversa de Immelt sobre renascimento industrial, grande parte do crescimento do grupo neste ano deverá vir dos serviços financeiros. Analistas da Nomura estimam que o declínio nas provisões com perdas ajudará o lucro da GE Capital, com operações continuadas, a subir de US$ 2,2 bilhões em 2010 para US$ 6,2 bilhões.

Na semana passada, a GE chegou às manchetes por seus baixos pagamentos tributários, uma questão particularmente delicada, porque Immelt preside o conselho de assessoria do presidente dos EUA, Barack Obama, sobre competitividade e empregos. O grupo também ficou em destaque por ter projetado os reatores nucleares a água fervente dos anos 70, atualmente em crise em Fukushima no Japão.

O problema mais grave, no entanto, é o fraco desempenho de longo prazo. De fato, o descontentamento com o progresso da GE levou a novas sugestões de que a melhor forma para destravar mais valor para os investidores pode ser desmembrar a companhia.

Thomas Kirchmaier, da Manchester Business School, argumenta que, sob o comando de Welch, a GE foi uma exceção no fraco desempenho geral dos conglomerados, graças a sua excelente administração. Hoje, esse não é mais o caso. "Manter a GE como está simplesmente não é mais sustentável", diz. "Não há lógica para a empresa existir nesse formato. Vem sofrendo há dez anos e chegou a hora de acabar com seus tormentos."

Alguns sugerem que uma divisão entre as operações financeiras e as industriais poderia tornar o grupo mais atraente para investidores e o deixaria mais fácil de entender. "É uma boa sensação ver a GE Capital endireitando o navio, sem ser o estorvo que vinha sendo nos últimos dois anos", diz Ralph Cole, da gestora de investimentos Ferguson Wellman. "Mas é isso que realmente se quer quando se é dono de uma empresa industrial? Apostaria que não, para a maioria dos investidores."

Immelt deixou bem claro que quer manter a GE Capital, embora limitando sua contribuição para os lucros operacionais a 40% do total do grupo. Ele não parece estar na defensiva por seu histórico. A companhia lançou um site chamado "Dez Anos de Liderança e Mudança", mostrando seu desempenho no período sob as melhores luzes à disposição.

Para ser justo, Immelt tinha o papel difícil da continuidade. Welch foi um dos executivos mais louvados dos tempos modernos – verdadeira definição do executivo-chefe superestrela, reiteradamente descrito como "o maior líder empresarial do século XX". No fim do seu mandato, as ações eram negociadas a um valor de mais de 50 vezes o lucro por ação histórico. Hoje, estão em cerca de 17 vezes.

Como Immelt destacou, Welch também deixou como legado um grupo com algumas falhas graves, incluindo a dependência em relação a duas divisões – plásticos e seguros – com perspectivas pouco promissoras. Immelt combateu essas fraquezas, vendendo ambas as operações. Também reestruturou outras áreas, tendo vendido recentemente participação de 51% no grupo NBC Universal.

Após aventar em 2008 a possibilidade de vender as divisões de iluminação e eletrodomésticos, Immelt abandonou a ideia, dizendo que agora está satisfeito com a carteira de empresas do grupo. Também vem promovendo algumas aquisições, pequenas, mas significativas, como os US$ 7 bilhões usados para incrementar a divisão de serviços petrolíferos, trazendo operações que são altamente estimadas no momento, já que o setor deverá beneficiar-se com a entrada das petrolíferas em regiões cada vez mais desafiadoras.

Analistas, entretanto, questionaram os preços que a GE pagou. Stephen Tusa, do JPMorgan, escreveu recentemente que a maioria dos acordos não parecia levar em conta "valor como fator principal".

A GE argumenta que pode justificar os valores desenvolvendo as empresas adquiridas, embora seu histórico em conseguir isso seja inconsistente. Colocou em ordem uma empresa de produtos de segurança, apenas para vendê-la à United Technologies em 2009. Fez uma investida na área de tratamento de água no início da década de 2000, apresentando resultados iniciais decepcionantes.

Paralelamente, "concorrentes ressurgentes" ameaçam algumas das áreas tradicionalmente fortes da GE, diz Sprague, da Vertical Research Partners. "De forma generalizada, sua concorrência tradicional, seja a Pratt & Whitney [pertencente à United Technologies] em turbinas de avião, a Siemens em turbinas [de energia] ou a Philips [da Holanda] em equipamentos médicos, ficou melhor."

Um novo grupo de concorrentes também está em ascensão nas economias emergentes. Em energia eólica, empresas como a Sinovel e a Goldwind, da China, já tiveram impacto significativo, reduzindo preços e arrebatando participação de mercado. No médio prazo, analistas do Credit Suisse estimam que as empresas chinesas representarão "ameaça média a grande" para GE em 9 de suas 18 principais áreas de produtos.

Em seu escritório temporário em Hong Kong, Rice argumenta que a carteira de empresas da GE, que envolve a produção de equipamentos essenciais para as áreas de energia, água, transporte e medicinal, está perfeitamente preparada para beneficiar-se das crescentes demandas por serviços e infraestrutura em países em desenvolvimento. "Há dois bilhões de pessoas lá fora que carecem do básico e elas não vão continuar aceitando isso", diz. "Este é nosso momento."

Cerca de 25% da receita total da GE veio de países em desenvolvimento em 2010. Nos últimos dez anos, as vendas triplicaram na China e quadruplicaram no Oriente Médio e África. Mas tanto as receitas na China com na Índia ficaram abaixo das expectativas de Immelt. Essas decepções são o pano de fundo para a realocação de Rice, que foi acompanhada pela criação de 12 unidades integradas de negócios locais, para mercados internacionais importantes, algumas cobrindo apenas países, como as da China e Índia, e outras regiões.

A GE vem delegando mais autonomia e responsabilidade a executivos locais, para aproximar o processo de tomada de decisões aos clientes, com a ideia de deixar o grupo mais ágil e menos inflexível. "A ideia é que não alcemos à sede as decisões que podem ser tomadas no campo [de jogo]", diz Rice. "Por exemplo, a decisão de contratar pessoas normalmente seria feita em um nível relativamente sênior e essa é uma das coisas que serão passadas para os gerentes locais. E eles responderão por essa decisão."

Acima de tudo, no entanto, o que trará o sucesso de longo prazo é o compromisso da GE com a pesquisa e inovação, segundo Rice. "Somos uma empresa de infraestrutura focada em tecnologia, que atende necessidades destinadas a continuar crescendo em um horizonte de 10 ou 20 anos", diz. "Se você estiver disposto a adotar uma visão de longo prazo, está é uma ótima empresa para se investir."

A questão é se ele e o restante da equipe administrativa da GE ganharão tempo suficiente para provar seus argumentos. O professor Tichy diz que atualmente não há questionamentos à posição de Immelt. Isso, no entanto, pode não durar para sempre, acrescenta.

"Mas se você vive em função do valor para os acionistas, precisa dizer: "Veja o preço das ações. Como podemos aumentar esse valor?" Jeff Immelt tem tempo. Mas se ainda estivermos tendo esta conversa daqui a três anos, então, acho que as pessoas estarão se perguntando que raios o conselho está fazendo."

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