Aéreas – Em dez anos, um país menos conectado

Glauce Cavalcanti e Danielle Nogueira

O mapa da aviação comercial no Brasil encolheu nos últimos dez anos. O número de cidades atendidas por voos domésticos recuou de 180, em 2007, para 122, em 2016. É um movimento que segue na direção contrária da expansão do volume de passageiros transportados por empresas aéreas em rotas nacionais nesse mesmo período, que praticamente dobrou, de 47,4 milhões para 88,7 milhões de viajantes. Por trás desse contraste, está a concentração das grandes companhias nos destinos de maior rentabilidade, reduzindo o atendimento das linhas regionais.

Não bastasse a concentração nos grandes centros, em um terço das 122 cidades não há concorrência, com apenas uma companhia aérea operando por localidade. São 41 municípios nessa situação. A Azul voa praticamente sozinha nessa malha, com 29 destinos. O levantamento, feito pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) a pedido do GLOBO, considera voos regulares e não regulares, ou seja, os operados temporariamente. Não entrou no cálculo a atividade de táxi aéreo. Com o anúncio da Medida Provisória que propõe liberar a participação de capital estrangeiro nas empresas aéreas nacionais — o limite atual é de 20% e poderá chegar a até 100% —, a expectativa da Anac é que o setor ganhe recursos e fôlego para crescer, impulsionando também a aviação regional. Especialistas de mercado são céticos quanto ao interesse de estrangeiras em investir em companhias de pequeno porte.

Também o Plano para o Desenvolvimento da Aviação Regional (PDar) pode, enfim, sair do papel, ampliando o número de cidades atendidas. Os 122 municípios brasileiros onde há ao menos uma aérea em operação correspondem a 2% das cidades do país. Para efeito de comparação, nos EUA, as linhas aéreas estão em 10% dos municípios.

A Secretaria de Aviação Civil (SAC) prevê lançar até junho uma chamada pública para licitar a operação de voos em um conjunto de dez a 12 municípios da Amazônia Legal ainda não atendidos por voos domésticos, com subvenção.

— A queda contínua em municípios atendidos pela aviação doméstica vem do fato de que não houve preocupação em dar sustentabilidade à infraestrutura. Não houve análise da rede de transporte. Agora, temos um programa para aumentar a capacidade da infraestrutura atual para atender o cliente, provendo equipamentos e treinamento. O que falta é a subvenção, que terá início pela Amazônia Legal — explicou Dario Lopes, secretário de Aviação Civil.

Criado em 2012 com a meta de investir R$ 7,3 bilhões na construção ou reforma de 270 aeroportos do país para ampliar o acesso da população ao transporte aéreo, o plano para desenvolver a aviação regional passou por diversas revisões, tendo seu escopo reduzido para se adequar aos recursos disponíveis. A previsão é de aporte de R$ 200 milhões anuais a partir deste ano, diz Lopes:

— O Brasil tem uma rede nacional de 31 aeroportos, que são os das capitais e do Distrito Federal. E tem outros 189 numa sub-rede regional. Destes, 12 estão prontos para operar, contando 11 novos voltados, sobretudo ao turismo. Os demais precisam de alguma melhoria.

SUBVENÇÃO NA AMAZÔNIA LEGAL

Aeroportos regionais são aqueles com movimento anual inferior a 600 mil passageiros por ano, ou a 800 mil nos estados da Amazônia Legal.

Para Alessandro Oliveira, especialista do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), uma aviação regional frágil causa problemas de integração, com reflexos para o desenvolvimento regional:

— Precisa de alguma política? Talvez sim, para garantir que ao menos na crise o número de cidades atendidas não caia demais. A falta de integração cria problemas de desenvolvimento regional para países imensos como o Brasil.

Para adequar esses aeroportos no plano revisto, o governo foca em equipamentos de segurança e mobilidade, como caminhões de bombeiros e rampas de acessibilidade; de tecnologia aeronáutica e treinamento. O modelo de terminal de passageiros foi simplificado ao básico. Instalar uma estação automática de informação de voo, por exemplo, destaca o secretário, pode reduzir os custos de um pequeno aeroporto pela metade.

— Para uma empresa voar para um destino tem de ter infraestrutura compatível com o tipo de avião que usa e demanda para que o voo seja rentável. Com problemas de rentabilidade, as empresas tiram os voos deficitários. O cenário de custo no Brasil mudou. É preciso investir em infraestrutura e soluções para destravar a operação em municípios não atendidos — avalia Alberto Fajerman, diretor-executivo de Assuntos Corporativos da GOL, que atua com frota de aviões da Boeing, com 138 a 177 assentos, com limitações para atuar em aeroportos de pequeno porte.

Francisco Lyra, presidente do Instituto Brasileiro de Aviação (IBA), lembra que o aumento da demanda por voos no Brasil, a partir do crescimento da classe C e do recuo nas tarifas com o fim de regulação dos preços, não foi acompanhado da melhoria da infraestrutura. Até 2012, ano da primeira rodada de concessões, a Infraero administrava todos os principais aeroportos do país e não tinha dinheiro para investir em expansão e modernização de terminais. Assim, à medida que as companhias iam trocando aviões menores por maiores, para atender o número crescente de passageiros, algumas cidades foram sendo excluídas da malha, explica Lyra:

— Para que o voo se pague, ele precisa de ao menos 60% de ocupação. Num avião de 180 lugares, são 108 passageiros. Muitas cidades não têm essa demanda.

Eduardo Padilha, especialista em infraestrutura do Insper, destaca a importância de o governo oferecer condições para que as operações em aeroportos regionais se mantenham:

— A liberação do mercado deixou as decisões na mão das empresas. Mas isso não exime o governo de encontrar soluções para localidades não atendidas. No Norte, isso resulta em transporte aéreo mais caro ou até em condições de segurança questionáveis. O subsídio é importante, mas tem de ser feito de forma adequada. O projeto-piloto para estimular novas operações regionais que terá início pela Amazônia Legal terá a subvenção calculada sobre o gasto de combustível na linha operada pela companhia.

— A proposta é iniciar frequências semanais ligando esse município a outro aeroporto da região já atendido por voos domésticos. A subvenção será por passageiro transportado. Haverá um teto calculado com base no gasto de querosene na rota. Vencerá o melhor preço — explica Lopes, da Anac. O objetivo, explica ele, é criar uma rede de rotas regionais operadas por empresas menores que vai alimentar a operação das grandes companhias:

— As grandes empresas não vão entrar nessa licitação. Não têm frota diversa para isso porque o custo sobe. Essa relação complementar entre as empresas vai ajudar a desenvolver as regionais. O interesse em atuar nessas localidades deve atrair pequenas empresas regionais, como a MAP, que atende a 13 destinos no Amazonas e no Pará, como Eirunepé, Tefé e Porto Trombetas, com uma frota de cinco aviões ATR. Décio Assis, diretor comercial da companhia, pondera que o custo de uma empresa regional é mais alto:

— Operamos em grandes distâncias, com baixa demanda, pouca infraestrutura e aeronaves de menor porte. Tudo contribui para um custo operacional alto, que desestimula a abertura e a adequação da frequência às necessidades desses destinos. A tarifa encarece. Dos aeroportos que usamos, poucos têm abastecimento e operação noturna.

CAPITAL ESTRANGEIRO E INFRAESTRUTURA

Em algumas cidades, continua Assis, mesmo com um avião para até 45 passageiros, só é possível voar com 26 a bordo porque é preciso levar combustível suficiente para fazer o trajeto de ida e volta ou de extensão até outro município onde seja possível reabastecer. O executivo afirma que a MAP vai entrar no chamamento da SAC, para o qual se prepara há mais de um ano.

As empresas de aviação regional enfrentam dificuldades. A Passaredo, que atende 18 destinos no país, pediu recuperação judicial. Mas mantém as operações. A Anac avalia que, para fomentar a aviação regional e ampliar o número de cidades atendidas é preciso atacar três frentes: liberar o capital estrangeiro nas aéreas brasileiras, investir em aeroportos regionais e ampliar a desregulamentação do setor, como o fim da franquia de bagagem. Na avaliação de especialistas, porém, a abertura de capital, por si só, não deve ter impacto na aviação regional.

— O capital estrangeiro vai entrar onde já existe mercado consolidado. É difícil viabilizar a aviação regional sem subsídios. A questão é avaliar quando esse mercado já atingiu maturidade e se pode retirar os subsídios — diz Lyra.

Lopes pondera que a abertura do capital não é solução isolada para o setor:

— Todas as empresas brasileiras estão precisando de dinheiro. Mas não temos um mote único, temos um conjunto de medidas para baratear os custos em infraestrutura e serviços para permitir que as empresas se capitalizem. São pilares estruturais, que incluem a redução da alíquota do ICMS sobre o querosene para aviação, a lei que extingue a franquia de bagagem e outras — diz o secretário, reconhecendo que não é garantido avançar em todas as frentes ao mesmo tempo.

 

Desafio à concorrência na aviação regional

Dimensão do país e renda desigual dificultam serviço

 

RIO – Um país com dimensões continentais, no qual os consumidores têm renda média, mas a riqueza está concentrada em poucas grandes cidades e regiões, impõe desafios adicionais à concorrência na aviação regional, afirmam especialistas. Mas a falta de competição não deveria inviabilizar o serviço de transporte aéreo, a custo acessível, nos municípios do interior. Tudo é uma questão de criar um modelo de regulação sustentável.

— O monopólio nessas linhas (regionais) não é necessariamente ruim. E pode ser usado de forma positiva, sobretudo em rotas deficitárias e subatendidas. Em um estado ou região, o governo poderia permitir uma operação exclusiva, que daria rentabilidade à aérea, mas com um teto para o valor da tarifa. Com um concorrente, a empresa não tem garantias de rentabilidade e preço — exemplifica Eduardo Padilha, especialista em infraestrutura do INSPER.

DISPARIDADE DE PREÇO

Alessandro Oliveira, especialista do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), reconhece que os monopólios tendem a elevar os preços, mas frisa que, na aviação regional, o custo elevado da operação pesa na tarifa e não apenas a ausência de concorrência. Uma das medidas para atrair interesse para rotas com pouca demanda, na sua opinião, seria permitir a subcontratação de pequenas empresas por companhias maiores.

Atualmente, um voo do Rio para Montevidéu, no qual não incide ICMS sobre combustível, pode sair por R$ 827 na consulta para o fim de maio. A ligação entre Manaus e Belém, duas capitais na Região Norte, utilizando o mesmo parâmetro de consulta, o bilhete sai por R$ 1.173,80.

A demanda é um componente de peso na viabilidade das rotas. Segundo a ANAC, o volume de passageiros transportados nos 41 municípios do país atendidos por só uma companhia representou uma fração de 0,5% do total em 2016. Na outra ponta, 97% dos viajantes voaram para cidades atendidas por ao menos três empresas aéreas.

A AZUL, no mercado desde o fim de 2008, voa na frente de suas competidores nesse mercado. Opera 29 das 41 cidades com apenas uma rota, de acordo com a ANAC. Em seu prospecto a investidores para a abertura de capital (IPO, na sigla em inglês), a empresa diz que a operação exclusiva amplia a rentabilidade.

“Acreditamos que há oportunidades consideráveis para conectar com serviço sem escalas cidades que atendemos atualmente através de conexões. (…) Somos a única companhia aérea voando sem escalas entre Porto Alegre e Cuiabá, duas de nossas cidades-foco. Podemos oferecer este tipo de serviço por ser a única companhia aérea com as aeronaves apropriadas para isto”, diz a AZUL em seu prospecto.

A atuação regional da companhia foi possível graças à frota diversificada. A AZUL encerrou 2016 com 123 aviões, sendo cinco Airbus 330, para 174 passageiros; 39 ATR, para 70 pessoas, e 74 E-Jets EMBRAER, para 118.

CUSTO ELEVADO DE OPERAÇÃO

Para Jorge Leal, professor de Transporte Aéreo da Escola Politécnica da USP, é um contrassenso um país de dimensões continentais como o Brasil ser sede da Embraer, uma das maiores fabricantes de jatos do mundo, e ter a aviação regional tão pouco desenvolvida. Segundo ele, é necessário dar condições para a criação de empresas pequenas que atuem exclusivamente na aviação regional. Para ele, isso passa pela retomada do crescimento econômico e por subsídios:

— Precisamos ter empresas que alimentem a malha das grandes companhias. Os subsídios são necessários nesse caso.

Para ele, o ideal para fomentar a aviação regional é que essas empresas sejam equipadas com aviões de até 30 lugares.

— A AZUL cresceu muito na aviação regional porque comprou a TRIP, que usava ATRs, o que tornava viável voos para pequenas cidades.

A AZUL é atualmente a maior cliente da Embraer no Brasil. O mercado brasileiro como um todo representou fatia de 11% do faturamento da companhia em 2016, somando vendas de equipamentos nos segmentos de jatos para aviação comercial, executiva e defesa. Perde apenas para a América do Norte — majoritariamente com negócios nos EUA — que superou 60%.

A GOL, que atende a 18 destinos regionais, tem frota de 125 aviões da Boeing, com capacidade entre 138 e 177 passageiros. Alberto Fajerman, diretor-executivo de assuntos corporativos da companhia, não vê monopólio no segmento:

— Ninguém pode ter um avião que voa poucas horas por dia. Daí a importância de ter um conjunto de rotas.

A LATAM avalia que para ampliar suas operações na aviação regional é preciso haver infraestrutura adequada e a preços competitivos para impulsionar o investimento em novas operações em cidades de médio porte no país. Atualmente, a empresa está em dez aeroportos regionais, como Marabá e Imperatriz. Voa com aviões Boeing e Airbus, para  144 a 363 passageiros.

A AVIANCA Brasil opera em quatro destinos regionais.

A ANAC frisa que, desde 2005, qualquer companhia pode operar nos aeroportos habilitados do país, desde que esteja de acordo com as condições de segurança exigidas e prestação de serviços adequada, cabendo à empresa pedir autorização de voo.

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