Quase acontece de novo

O choque entre um avião da Gol e um jatinho nos céus da Amazônia, em setembro de 2006, ceifou 154 vidas e expôs as mazelas do sistema de controle aéreo brasileiro: falta de controladores, sobrecarga de trabalho e a existência das chamadas zonas cegas, áreas do território nacional que não contam com cobertura de radar. Passados cinco anos, os perigos de voar continuam os mesmos.

Na segunda-feira passada, os passageiros de um voo da TAM entre São Paulo e Brasília viram-se próximos de uma nova tragédia. Cerca de quinze minutos antes do pouso, o piloto assustou os passageiros ao fazer uma manobra brusca para cima. A explicação veio pouco depois: o comandante informou que o sistema anticolisão do Airbus A319 detectara outro avião no caminho.

Ao longo da semana, VEJA apurou as causas do incidente e descobriu que foi a negligência de um controlador que pôs as duas aeronaves em perigo. Ele simplesmente havia se esquecido da descida do Airbus e autorizou o monomotor a subir. Um descuido que poderia ter custado a vida dos mais de 100 passageiros a bordo. Esse tipo de episódio tem se tornado mais comum na rotina do tráfego aéreo brasileiro do que parece tolerável.

Em 2010, nos céus de Brasília, foram registradas 24 situações de quase acidente — contra 43 em todo o espaço aéreo dos Estados Unidos no mesmo período. Ou seja, só o número de ocorrências em Brasília representa mais da metade de todos os quase acidentes nos EUA, que têm a maior frota do mundo.

Relatórios confidenciais da Aeronáutica obtidos por VEJA descrevem situações em que sucessivas falhas dos controladores só não resultaram em tragédia graças aos sistemas anticolisão dos aviões. Controladores admitem ter errado por “desatenção”. Simples assim. Diz o especialista em aviação Gustavo Cunha Mello: “Um acidente não acontece por acaso. É resultado de uma sucessão de erros. A recorrência desses incidentes mostra que estamos a caminho de um novo desastre”.

Ainda há pontos do espaço aéreo brasileiro em que os pilotos voam sem auxílio de radares. Os controladores se dizem sobrecarregados. “Sem mudanças estruturais profundas, voar no Brasil ficará cada vez menos seguro”, diz Edleuzo Cavalcante, presidente da Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo, para quem o Brasil tem um déficit de 2 000 controladores de voo. A Aeronáutica garante não haver motivo para pânico. Melhor não pagar para ver quem tem razão.


O Centro de Comunicação Social da Aeronáutica esclarece que o fato do TCAS emitir um aviso não significa uma quase-colisão, e sim que uma aeronave invadiu a “bolha de segurança” de outra. Essa bolha é uma área que mede 8 km na horizontal (raio) e 300 metros na vertical (raio) quando as aeronaves sobrevoam regiões próximas à aeroportos. 

Cabe ressaltar ainda que a invasão da bolha de segurança não significa sequer uma rota de colisão, pois as aeronaves podem estar em rumos paralelos ou divergentes, ou ainda com separação de altitude, em ambiente tridimensional.

A situação pode ser corrigida pelo controle do espaço aéreo ou por sistemas de segurança instalados nos aviões, como o Traffic Collision Avoidance System (TCAS). Nem toda ocorrência, portanto, consiste em risco à operação. O TCAS, por exemplo, pode emitir avisos indesejados, pois o equipamento lê as trajetórias das aeronaves mas não tem conhecimento das restrições impostas pelo controlador.

É importante ainda corrigir o número citado na reportagem, de supostas 24 ocorrências. Na realidade, esta foi a quantidade de relatos, produzidos a partir da observação individual e subjetiva, sujeita a comprovação para posteriormente ser transformada em um relatório.

Nesses casos, é iniciada uma investigação para apurar os seus fatores contribuintes e gerar recomendações de segurança para todos os envolvidos, sejam controladores, pessoal técnico ou tripulantes. A investigação tem como objetivo manter um elevado nível de atenção e melhorar os procedimentos de tráfego aéreo no Brasil, pois é política do Comando da Aeronáutica buscar ao máximo a segurança de todos os passageiros e tripulantes que voam sobre o país. Incidentes e acidentes não são aceitáveis em nenhum número, em qualquer escala.

Cabe lembrar ainda que dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) revelam que dos 26 tipos de fatores contribuintes para ocorrência de acidentes no país entre 2000 e 2009, o controle de tráfego aéreo ocupa a 24° posição, com 0,9%, de acordo com o Panorama Estatístico da Aviação Civil Brasileira, disponível no link:

http://www.cenipa.aer.mil.br/cenipa/Anexos/article/19/PANORAMA_2000_2009.pdf.

Hoje, o efetivo de controladores militares no Brasil é de cerca de 3.100. A meta para 2016 é de 3.420 controladores. As cargas de trabalho são estabelecidas de acordo com a legislação, baseada em parâmetros internacionais da ICAO, em, no máximo, 168 horas por mês. Esse tempo inclui o período de descanso no próprio órgão de controle, que são pausas entre as horas de efetivo controle. Um controlador passa, no máximo, duas horas seguidas diante da console e após esse tempo ele vai para uma área de recreação ou repouso de forma a oferecer as melhores condições de trabalho para esses profissionais.

No caso do Primeiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA I), em Brasília, a média de efetivo controle tem sido de 60% do tempo total de permanência no órgão. Em 2011, o tempo máximo total de permanência mensal no CINDACTA I, registrado por apenas um profissional, foi de 163 horas, o que representou 98 horas de efetivo controle em um mês. Todos os demais tiveram uma carga de trabalho inferior.

Quanto à cobertura radar na faixa de altitude utilizada pela aviação comercial, não há qualquer falha. Existem hoje 170 radares de controle do espaço aéreo no país, que estão em funcionamento nos Destacamentos de Controle do Espaço Aéreo (DTCEA), dispostos em todo o território nacional, com equipe técnica que trabalha no local para garantir o funcionamento do sistema e cumprir os serviços de manutenção programados.

Oportunamente, é necessário esclarecer ainda que apesar da reportagem se referir ao “Céu de Brasília”, na realidade, o CINDACTA I, a partir de Brasília (DF), mantêm o controle do tráfego aéreo em uma área de aproximadamente 1.500.000 Km², abrangendo áreas do Distrito Federal, Goiás, Espírito Santo, São Paulo, Tocantins, Minas Gerais e Rio de Janeiro. É uma região de dimensões equivalentes a três vezes a superfície da França ou mais de seis vezes a da Grã-Bretanha.

Centro de Comunicação Social da Aeronáutica

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