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Como a Airbus deixou a Boeing para trás

Carlos Eduardo Valim

 

Toulouse foi um grande centro de renovação da arquitetura ocidental. Junto com Pisa, o Norte da Inglaterra e outros povoados nos seus arredores, no Sudoeste da França e na Catalunha, a cidade francesa foi responsável pelas maiores obras de catedrais românicas, no período entre os anos 1000 e 1200. Nessa época, foram construídas na cidade vermelha as belas Saint Sernin e Notre Dame, verdadeiros marcos para a evolução da arte do começo do período medieval para o estilo gótico, que culminou na famosa Notre Dame de Paris. Depois de oito séculos, a importância da região continua.

Nas últimas décadas, os ateliês de obras para as igrejas encontraram substitutos à altura. Fantásticas máquinas voadoras são construídas em grandes hangares das empresas Airbus, de grandes jatos; ATR, de aeronaves turbo-hélice; Airbus Helicopters, e Astrium, de satélites. Todas elas são ligadas ao Airbus Group, a antiga EADS, um conglomerado que é o maior empregador da Europa. A maior delas, a Airbus, com faturamento de € 45,9 bilhões do total de € 64,5 bilhões do grupo, produz lá uma verdadeira catedral voadora: o A380, capaz de transportar 853 passageiros.

E outras aeronaves mais modestas em tamanho, mas de grande volume de vendas. O A320neo é o melhor exemplo, um avião de até 240 lugares, que começou a ser entregue no fim de 2015 e que já se tornou o modelo mais encomendado da história da aviação, com mais de 4,6 mil pedidos em todo o mundo. Até alguns anos atrás, toda essa produção não servia para abastecer o mercado brasileiro. Quando alguém se recorda dos aviões das empresas dominantes no fim do século XX, Varig, Vasp e Transbrasil, imediatamente vai pensar nas linhas esféricas das aeronaves da Boeing, a fabricante americana que produzia para todas elas e que é a grande rival da Airbus no mercado de aviões comerciais de grande porte.

Agora, o jogo foi virado no Brasil. A Boeing é fornecedora apenas da Gol, uma companhia em pleno processo de cortes de custos e que apresenta resultados negativos há anos. Já a Airbus tem contratos com a Latam (a fusão da brasileira TAM com a chilena LAN), a Avianca e a Azul, que opera internamente com modelos Embraer e utiliza Airbus para as rotas de longa distância internacionais. Com isso, a companhia europeia possui hoje 52% das aeronaves de grande porte em operação no País, contra 48% da rival americana. E o mercado local é visto como de grande importância.

“Apesar da crise econômica, estou muito otimista com o Brasil”, diz Rafael Alonso, presidente da Airbus para a América Latina e Caribe. “Em poucos anos, ele passou de um tamanho de 20 milhões para 100 milhões de passageiros por ano. E é atualmente o terceiro maior mercado de voos domésticos do planeta.” O otimismo tem também relação com a estratégia acertada. O início da virada de mercado em favor da Airbus foi um contrato planejado pela TAM no fim dos anos 1990. Bem antes da criação da Latam, a companhia da família Amaro fez um acordo com a LAN, da família Cueto, e com a salvadorenha Taca (hoje parte da Avianca Holdings).

Elas perceberam que poderiam se unir, numa iniciativa inédita no mundo da aviação, para fazer compras em conjunto e ganhar melhores preços pelo volume. A vencedora do contrato foi a Airbus. Com isso, o seu avanço começou. Agora, esse ataque ao mercado está numa nova fase e tem muita relação com o sucesso global do seu modelo A320neo, que também conquistou a Azul e a Avianca. As três clientes locais fizeram 153 encomendas do modelo. “O A320 promete 15% menos custos de combustível em relação à geração anterior, e, especialmente no Brasil, há uma obsessão com essa economia”, afirma Alonso.

Essa preocupação pode ser explicada por 38% dos gastos de um voo no Brasil estar vinculado a combustível. Apesar da importância de diminuição de consumo de energia, a estratégia comercial pode ser ainda mais determinante. “O fator mais importante na hora da compra é o preço”, diz Jorge Leal Medeiros, professor de transportes aéreos da USP. “A Airbus e a Boeing, no passado, se acusaram de dumping de preços para conseguir fechar vendas.”

A evolução da Airbus no Brasil espelha uma tendência global. A companhia fechou 2015 com 58% do mercado mundial contra 42% da Boeing. O sucesso do A320neo, que representa 4.673 dos 6.815 aviões encomendados à Airbus, tem sido decisivo. Mas a disputa não terminou. “O A320neo tem a vantagem de ter sido lançado antes do que o Boeing 737 Max, então a sua liderança pode ser pontual”, diz Medeiros. O 737 Max recebeu até o fim de outubro 3.339 pedidos, mas só será entregue a partir de 2017.

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