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À beira da Guanabara, Santos Dumont não tem botes para salvamento aquático

Raphael Gomide

Localizado à beira da Baía de Guanabara, o Aeroporto Santos Dumont, um dos mais tradicionais e movimentados do país, não tem capacidade de socorro eficiente para casos de acidentes aéreos com desfecho no mar. Relatório de visita técnica da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) revela que o grupamento marítimo de bombeiros do aeroporto não está preparado para fazer o salvamento no caso de um avião cair na água, por falta de equipamento adequado.

As duas lanchas da Infraero destinadas ao socorro a acidentes de aviões no mar, batizadas de Cel Coimbra e Cel Régis, não estão funcionando. Sexta-feira (17), repousavam fora d’água, sobre rodas, na rampa do Grupamento Marítimo.

A primeira está sem motores e parada há dois anos; os compressores da Cel Régis estão na lancha, mas inoperantes. Bombeiros que atuam no local temem uma tragédia no caso de um acidente de avião de médio ou grande porte.

O iG teve acesso a documentos, fotos, filmagens e ouviu pessoas envolvidas na atividade que revelam a precariedade do equipamento de salvamento marítimo do aeroporto. Uma das principais reivindicações do movimento de bombeiros por aumentos salariais é a melhora das condições de trabalho.

Mesmo quando estavam operando, as duas lanchas da Infraero tinham tempo-resposta de cerca de 10 a 15 minutos até uma das cabeceiras do Santos Dumont, mais que o dobro do tempo-resposta ideal de 3 a 4 minutos para situações de socorro do gênero. A pista curta e o alto fluxo de aviões tornam o aeroporto um desafio para pilotos e mais exposto a eventuais incidentes.

A única lancha atualmente operacional é uma cedida pelo Corpo de Bombeiros do Rio há cerca de quatro meses. Deveria servir apenas como apoio e hoje é o “primeiro socorro”. A embarcação é veloz (tempo-resposta de 3 minutos), porém não conta com espaço adequado para socorrer pessoas, só para chegar perto e jogar boias.

É incapaz de acomodar as duas balsas de salvamento de 20 pessoas que as embarcações da Infraero levariam (no total de 80 resgatados), não têm extintor de incêndio para fogo a bordo, e sua capacidade de combate a incêndio é limitada. Além disso, a única lancha em atividade tem motor com hélices, não recomendado porque pode ferir vítimas na água durante o socorro – as da Infraero têm motor a hidrojato.
Nenhuma das três lanchas tem alto-falantes nem extintor de incêndio para fogo a bordo. Há relatos de frequente reaproveitamento de peças e “gatilhos” (improvisos) e manutenção.

Laudo aponta “ausência de botes e boias para salvamento aquático”

O laudo de vistoria da Anac aponta uma série de irregularidades e a falta de equipamentos adequados na unidade responsável pelo combate imediato de incêndios e acidentes no aeroporto Santos Dumont, o segundo maior do Rio. O aeroporto é o mais usado da ponte-aérea Rio-São Paulo e, na última sexta-feira, teve 110 voos domésticos – ficando só atrás de Congonhas (SP), Guarulhos (SP) e Brasília (DF).

De acordo com visita técnica da Anac, ocorrida entre 28/2 e 1/3 de 2011, foi verificada “ausência de botes e boias para salvamento aquático”. Quase quatro meses após o laudo, a unidade continua sem botes e boias.

No documento, a Anac afirma que, como “medida urgente, o operador aeroportuário deverá estabelecer um plano de contingência relacionando os recursos existente planificados, tempos-resposta, capacidade de salvamento/resgate, procedimentos e responsabilidades de cada ente participante”.

Os bombeiros do Rio atuam no local – em área cedida, dentro do 3º Comar (Comando Aéreo Regional) – mediante um convênio anual com a Infraero, renovado pela terceira vez em maio, no valor de R$ 2,7 milhões. Segundo a Secretaria de Defesa Civil do Rio, o acordo “prevê somente a cessão de pessoal” – “todos os equipamentos e manutenção são de responsabilidade do órgão (Infraero)”. Pelo trabalho, os cerca de 25 bombeiros da unidade recebem um adicional que varia de R$ 162 a R$ 174 mensal.

Socorro precário

Na manhã de 12 de agosto de 2010, um avião Learjet da Ocean Air que levaria a apresentadora Xuxa ao Nordeste derrapou na pista e caiu no mar, com três tripulantes. Três bombeiros foram de lancha e, por falta de outra embarcação, outros três foram obrigados a ir até o local correndo, cumprindo distância de cerca de 1km a pé, para fazer o socorro do grupo.

Na ocasião, a Cel Régis era a única lancha disponível e foi usada para o socorro, embora estivesse tecnicamente “inoperante”, segundo avaliação de engenheiro responsável pela manutenção, citada no relatório oficial da operação. “A mesma havia sido considerada inoperante pelo engenheiro da Tecman Jhony; mesmo assim partimos para o socorro”, diz o documento, a que o iG teve acesso.

A embarcação teve pane parcial no meio da operação e voltou ao cais com os motores apitando, fervendo e danificados, de acordo com bombeiros ouvidos. No vídeo acima, obtido pela reportagem, em mais de um momento aparecem nuvens escuras de fumaça saídas do motor da lancha. Segundo bombeiros ouvidos, são fruto da pane. “A SMAR II – Cel Régis utilizada no resgate às vítimas, assim que atracou, ficou definitivamente inoperante”, explica o relatório.

Como não havia alto-falantes, a tripulação da Ocean Air, em pânico, demorou a entender os sinais feitos pelos bombeiros para que desligassem os motores da aeronave, na água – o que dificultava o salvamento.

Faltam roupas de aproximação a fogo, desfibrilador e primeiros-socorros

As condições de trabalho no posto dos bombeiros também são precárias. Além de não contarem com barcos adequados, os profissionais não dispõem do equipamento de proteção individual mais básico para a atividade: roupa de aproximação de fogo, para o caso de uma aeronave estar incendiada na água. Eles vestem apenas camiseta regata e short ou sunga. “Vamos só com a cara e a coragem”, disse um bombeiro, que pediu para não ser identificado.

O equipamento de combate a incêndio nos barcos é deficiente, e inexistem itens de primeiros-socorros na base. Não há bolsa inflável para ventilação articial ou aparelho desfibrilador, para o caso de parada cardiovascular ou infarto. O último kit de primeiros-socorros recebido hoje serve como caixa de ferramentas da unidade.

Só dois cilindros de mergulho autônomo estão funcionando, não há tubo de oxigênio para mergulho profissional de salvamento – a garrafa seria só para emergência – e as máscaras são de má qualidade e sem sistema de fone, para comunicação. O equipamento de abastecimento de garrafas não está funcionando.

Até recentemente, o combustível das embarcações ficava armazenado em galões em um depósito na base, sem cuidados maiores. Sem bomba de combustível, o tanque das lanchas era enchido aos poucos, com os bombeiros sugando com a boca e jogando no tanque o conteúdo dos galões. Ao menos duas vezes, um bombeiro ingeriu o combustível, passou mal e teve de ser socorrido e submetido a lavagem estomacal. Combustível ficava armazenado em uma salinha, o depósito 1. A rampa dos barcos tem vergalhões enferrujados expostos.

Em um sintoma paradoxal da situação precária, até o extintor de incêndio do Grupamento Marítimo dos Bombeiros está com a validade vencida. A última inspeção, válida por um ano, ocorreu em janeiro de 2009.

A Secretaria de Defesa Civil do Rio informou que o convênio com a Infraero obriga o Corpo de Bombeiros a ceder pessoal e que todos os equipamentos e a manutenção cabem à parceira. 

Procurada pelo iG na tarde de sexta-feira (17), a Infraero informou que não conseguira obter internamente resposta para todas as perguntas feitas pela reportagem até a noite daquele dia. Até as 10h desta segunda, ainda não havia resposta.

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