Novo embaixador, Israel pressiona o Itamaraty

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A vice-chanceler de Israel, Tzipi Hotovely, disse que o Brasil vai criar uma crise diplomática se continuar a rejeitar o novo embaixador, Dani Dayan, ligado aos assentamentos. O Itamaraty não quis se pronunciar. A disputa envolvendo a indicação do israelense Dani Dayan para o cargo de embaixador no Brasil ganhou um novo capítulo ontem, com uma entrevista na TV local.

No canal 10, a vice-ministra das Relações Exteriores, Tzipi Hotovely, afirmou que o governo israelense não tem qualquer intenção de substituir a indicação de Dayan, e que a resistência de Brasília em aceitá-lo pode levar a uma crise diplomática entre os dois países. No canal 2, Dayan afirmara na véspera que o episódio não reflete uma crise bilateral entre Brasil e Israel, mas sim uma questão de BDS (boicote, desenvolvimento e sanções) levantada por ativistas israelenses e abraçada por palestinos e brasileiros.

— Medidas serão tomadas para que Brasília entenda que Dayan é um homem respeitado, digno e aceito no espectro político israelense — afirmou Hotovely.

— Faremos isso para dizer ao Brasil: Aprove-o, ou teremos uma crise nas relações entre os dois países, algo que não vale a pena. Entre os planos citados pela vicechanceler estão uma campanha pública no Brasil, a mobilização da comunidade judaica do país e a recusa em apontar um outro nome para substituir o embaixador Raed Mansour, que retornou a Israel há duas semanas.

Medidas em estudo

No canal 2, Dayan afirmara na noite anterior que a questão verdadeiramente em debate não é sua indicação, mas sim se um judeu morador da região da Judeia e da Samaria — nome dado oficialmente pelo governo israelense à região da Cisjordânia, com exceção da porção oriental de Jerusalém — pode exercer o cargo de embaixador em outro país. O atual embaixador israelense nos Estados Unidos, Salai Meridor, e o enviado do país ao Canadá, Alan Baker, também são moradores de assentamentos judaicos na região.

— Assim como Israel reagiu de maneira enérgica na questão dos rótulos dos produtos, deve reagir quando pessoas são rotuladas, o que é muito pior — afirmou Dayan, em referência à decisão da União Europeia de exigir que produtos fabricados em áreas ocupadas por colonos judeus na Cisjordânia recebam rótulos indicando essa procedência. — Caso contrário, estaremos concordando com a ideia de que 700 mil judeus não são dignos de ocuparem a posição de embaixador.

Segundo Dayan, o principal negociador da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), Saeb Erekat, está envolvido no assunto “até o pescoço”. Na semana passada, Erekat afirmou que o Brasil perderia a confiança dos palestinos caso aceitasse “os crimes de guerra, apartheid e colonização que Dani Dayan representa”, e classificou o empresário israelense como “um colono ilegal cujo trabalho é justificar a colonização criminosa que Israel exerce sobre os palestinos”.

Para o cônsul honorário de Israel no Rio de Janeiro, Osias Wurman, a resistência a Dayan é fruto de campanha negativa feita sobre o governo brasileiro por ativistas que defendem boicotes contra o país. — Quando era chanceler de Israel, Avigdor Lieberman visitou Brasília diversas vezes, e foi sempre recebido da melhor maneira. Ele é morador de um assentamento, e isso nunca foi motivo para tensões antes — afirmou Wurman ao GLOBO. — Além disso, os assentamentos nunca foram construídos sobre solo palestino. Quando Israel anexou a Cisjordânia, em 1967, o território era jordaniano.

A polêmica envolvendo a indicação de Dayan surgiu em agosto, logo após seu anúncio pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Ontem, o assessor de política externa de Netanyahu, Jonathan Schachter, se reuniu com Hotovely e com o diretor-geral do Ministério das Relações Exteriores, Dore Gold, para discutir os passos a serem tomados para garantir que o Brasil aceite o empresário como embaixador. Hotovely atribuiu a resistência à crise política enfrentada pela presidente Dilma Rousseff, que, ameaçada pela possibilidade de um impeachment, precisaria de todo o apoio — inclusive da extrema-esquerda, que demonstra a maior rejeição a Dayan — para permanecer no poder.

Já Wurman destaca a importância do empresário no cenário israelense.

— Dani Dayan é uma personalidade em Israel. Apesar de defender os assentamentos, não é fanático ou ortodoxo — alega o cônsul honorário. — É somente um empresário que resolveu organizar a região em que vivia, e foi indicado a contragosto para embaixador. Dayan acredita que o governo israelense tentou vencer a resistência brasileira pelo cansaço, e encontrou uma tentativa semelhante por parte do governo brasileiro. Fontes diplomáticas israelenses próximas ao empresário indicaram que ele poderia renunciar à indicação ao posto em Brasília.

— Até agora, o Ministério das Relações Exteriores (de Israel) acreditou em uma política que consiste em sentar e não fazer nada — afirmou. — Da mesma forma, acredito que muitos esperam que eu simplesmente abra mão da minha indicação, resolvendo o problema por eles.

Procurado, o Itamaraty informou que não comentaria o assunto.

— Israel não pode aceitar que um morador da Cisjordânia seja preterido e tratado como um cidadão de segunda classe. Rejeitar Dayan ou outro morador de um assentamento é uma atitude semelhante às estrelas amarelas nas camisas usadas (por judeus) na Alemanha durante o período nazista. — diz Wurman. — Isso é algo que nunca mais poderemos aceitar.

A constante tensão nos territórios ocupados se intensificou nos últimos meses, com aumento nos casos de violência na região e em Israel. Uma onda de ataques a faca e atropelamentos de judeus israelenses por palestinos e árabes-israelenses já deixou cerca de 20 judeus e pelo menos 130 palestinos mortos desde o atentado com coquetéis molotov que matou o bebê Ali Dawabsha — de um ano e meio — na aldeia de Duma. Posteriormente, os pais dele também morreram. Ontem, ultranacionalistas acusaram o Shin Bet, serviço de segurança interna de Israel, de torturar integrantes do movimento suspeitos de participarem do ataque.
 

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