Crise migratória pode custar posto de Merkel

John McCain é um dinossauro da política. Todos os anos, o senador republicano do Arizona passa um sermão nos europeus e se deleita em seu papel de clarividente incômodo da política de segurança. A sua aparição na Conferência de Segurança de Munique pertence ao folclore transatlântico. Neste ano, no entanto, McCain iniciou seu discurso com um notável, já que veio de sua boca, elogio: ele agradeceu à chanceler federal Angela Merkel por sua liderança.

Espalhou-se nos EUA a notícia de que a chefe de governo alemã estaria sob pressão política, o que poderia lhe custar o cargo e, aos americanos, uma aliada confiável. Merkel não esteve presente este ano à Conferência de Munique, mas o seu destino político foi igualmente negociado na capital bávara.

Abertamente, o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, deixou claro em Munique que seu país rejeita a política de refugiados da Alemanha. A França não quer receber mais requerentes de asilo; e Paris se opõe ao plano de Merkel de estabalecer uma espécie de quota de repartição de refugiados vinculativa na União Europeia (UE). Assim, Merkel perde a última esperança de ter um forte aliado na questão dos migrantes. No encontro de cúpula da UE, na próxima semana, nada mais lhe resta que o fracasso.

Nesse contexto, a crise migratória já absorveu tanto de sua energia política que Merkel – despercebida por muitos – também está perdendo as rédeas em outro campo de ação. Dois anos atrás, quando a Rússia anexou a península ucraniana da Crimeia e passou a apoiar com armas um levante separatista no leste da Ucrânia, a Alemanha assumiu a liderança da diplomacia de crise. Os EUA se mantiveram reticentes, o presidente americano, Barack Obama, deixou que os alemães tomassem a frente.

Nas últimas semanas, no entanto, os EUA passaram a ser mais ativos na crise da Ucrânia e, por meio da diplomacia silenciosa, tentaram dar nova vida ao chamado Acordo de Minsk. Sigilosamente, os americanos sondaram junto aos russos se o acordo ainda pode ser salvo. Com certeza, para Obama, um sucesso de política de paz no final do seu mandato seria muito bem-vindo. Mas, por trás disso, há mais coisas: a diplomacia alemã para a Ucrânia enfraqueceu nos últimos meses.

Uma correlação logo vem à tona: quanto mais refugiados chegam à Alemanha, menos energia política a Chancelaria Federal em Berlim tem para outros temas. Nessa aparente interação, alguns observadores querem ver até mesmo uma imensa conspiração: na Síria, as bombas de Vladimir Putin sobre os opositores de Bashar al-Assad geram cada vez mais refugiados, cuja vinda para a Alemanha enfraquece Merkel, podendo provocar, talvez, a sua queda. Assim estaria provado que Putin pode manipular o fluxo de refugiados e decidir o destino de chanceleres federais.

Mesmo que não se vá tão longe nessa constatação, algo chama a atenção: sem dúvida, o enfraquecimento de Merkel beneficia os planos dos russos; por outro lado, os próprios americanos estão preocupados que a crise de refugiados prejudique o projeto europeu como um todo e se torne uma ameaça aguda para o mandato de Angela Merkel.

Essa situação geopolítica conflituosa adentrou até mesmo o salão de festas da Conferência de Segurança de Munique. Devido à sua política de refugiados, na Alemanha Merkel é criticada principalmente pelo governador da Baviera, Horst Seehofer. Recentemente, ele também lhe deu uma punhalada nas costas no campo da política externa, ao se encontrar com Putin em Moscou. Tal visita desagradou tanto ao senador John McCain que ele dispensou um convite de Seehofer e não compareceu a um jantar festivo oferecido pelo governador em Munique.

França rejeita acolher mais refugiados

À margem da Conferência de Segurança de Munique, neste sábado (13/02) o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, afirmou que seu país "não é favorável" a um mecanismo permanente de redistribuição de refugiados, como proposto pela chanceler federal alemã, Angela Merkel.

Valls apelou para que se respeite o acordo que estipula o acolhimento de 160 mil requerentes de asilo em nível europeu. "A França concordou em acolher 30 mil refugiados. Dentro do quadro desses 30 mil, estamos sempre dispostos a acolher os migrantes. Mas não mais que isso", ressaltou Valls em Munique.

"Nós não somos favoráveis a um mecanismo permanente de realocação. Agora é hora de colocar em prática o que foi discutido, negociado: centro de registro de migrantes que chegam à União Europeia, controle das fronteiras externas do bloco, etc", declarou o premiê francês.

Poucos dias antes do encontro de cúpula dos líderes da União Europeia, que deverá discutir a maior onda migratória no continente desde 1945 nos próximos dias 18 e 19 de fevereiro em Bruxelas, as declarações de Valls são motivo de preocupação política.

Pois Merkel quer que, ao menos a médio prazo, uma parte dos refugiados que chegam à Turquia fugindo da guerra na Síria seja redistribuída entre os países da UE. Em contrapartida, a Turquia, que acolhe no momento o maior número de refugiados, deverá impedir que eles continuem sua viagem em direção à UE, por meio de melhor controle de fronteiras.

O motivo para o curso linha-dura tomado pelo governo socialista em Paris está, principalmente, nos bons resultados obtidos pela ultraconservadora Frente Nacional nas pesquisas de opinião. Em 2017, eleições presidenciais estão previstas para acontecer na França.

Também a Polônia e a Hungria resistem aos planos de redistribuição propostos por Merkel e, como outros países-membros do bloco europeu, rejeitam acolher um número significativo de requerentes de asilo.

 

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