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China e suas ambições geopolíticas

Autoconfiança é algo que não falta ao presidente da China, Xi Jinping. Ele propôs basear as relações das grandes potências num novo fundamento, no qual os Estados Unidos e a República Popular assumiriam a liderança de um "mundo G2". Xi formulou o "sonho chinês", que se conectaria com o grandioso passado do país, recolocando Império do Meio em sua posição ancestral, à frente das nações.

Já desde 2016 o chefe de Estado vinha propondo reiteradamente uma "solução chinesa". A ideia é que o modelo nacional – regime unipartidário autoritário com liberdades econômicas – seria mais eficiente para problemas regionais e globais, fornecendo melhores resultados do que o favorizado pelo Ocidente, de democracia liberal com economia de livre mercado.

A autoconfiança da China na política externa evoluiu a plena velocidade nas últimas décadas. Embora em 1972, em plena Revolução Cultural, tenha se tornado membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, durante longos anos o país ocupou-se exclusivamente consigo mesmo, devido a desafios na política interna e na economia.

Com o massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, em que foram mortos quase 3 mil estudantes e ativistas, a situação mudou. A China enfrentou sua primeira grande crise de política externa. Os Estados Unidos e também a comunidade europeia condenaram a repressão do movimento democrático e impuseram um embargo armamentista, em vigor até hoje.

Em reação, Pequim iniciou um programa de engajamento externo reforçado, voltado em primeira linha para seus vizinhos imediatos e quase despercebido no Ocidente.

Esse redirecionamento incluía também uma nova noção de segurança, com a finalidade declarada de superar a mentalidade da Guerra Fria e expulsar os EUA da Ásia, explica Chu Shulong, diretor do Instituto de Estratégia Internacional e Desenvolvimento da Universidade Tsinghua. Para ele, essa foi uma das mais importantes decisões da China na política de segurança.

Massacre da Praça da Paz Celestial em 1989 atraiu atenções negativas do mundo sobre Pequim

Nova ambição

No início do século 21, o então presidente Jiang Zemin cunhou a expressão "ascensão amigável da China". Ele visava a integração na economia mundial, sem despertar a desconfiança dos Estados Unidos ou dos vizinhos asiáticos. Nessa fase, o país jogou de acordo com as regras globais estabelecidas e teve grande sucesso. Em 2001 a China se tornou membro pleno da Organização Mundial do Comércio.

A crise financeira internacional de 2007-08 atingiu o Ocidente com força, colocando em questão o "Western way of life" como um todo. Em contraste, a China permaneceu quase intocada. Em 2009 o então presidente Hu Jintao formulou os interesses nacionais centrais.

Numa análise para o think tank  European Council on Foreign Relations, a sinóloga Angela Stanzel os resume assim: "Desenvolvimento econômico e social, soberania (isto é: estabilidade do Partido Comunista) e segurança (ou seja, integridade territorial e nacional)." Pela primeira vez, a China enfatizava consequente e publicamente a realização de seus próprios interesses. Essas novas pretensões foram encenadas por meios midiáticos nos Jogos Olímpicos de 2008, na capital Pequim.

Em 2013, Hu Jintao seria sucedido por Xi Jinping, que introduziu uma nova fase e defende uma China forte, como nenhum outro antecessor seu, exceto Mao Tsé-tung, como define Stanzel: "A política externa de Pequim é mais autoconfiante do que nunca. Os tempos de reticência se foram, definitivamente."

A nova ambição se manifesta, acima de tudo, no projeto de prestígio de Xi, a Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative – BRI); mas também na demonstração de poder militar no Mar da China Meridional, ou no eloquente engajamento do país pelo livre comércio mundial, que o presidente dos EUA, Donald Trump, tem repetidamente rebatido, desde sua posse.

UE sob pressão

Também a União Europeia sente os efeitos da ofensiva diplomática de Pequim. Segundo um relatório do jornal alemão FAZ, em abril de 2018 Pequim redigiu um memorando confidencial sobre a Rota da Seda, que enviou às capitais europeias. Ao contrário das usuais atas negociadas bilateralmente, o documento só representa a perspectiva chinesa.

Pequim não quis deixar margens para negociação, os chefes de Estado e governo da Europa deveriam simplesmente assinar embaixo. Uma recusa poderia acarretar desvantagens. Segundo o periódico, alguns Estados do Leste e Centro da Europa assinaram. Mas então 27 dos 28 países-membros da UE acordaram em sustar a assinatura do documento e elaborar uma linha comum para a BRI.

O único país que não sustenta a posição conjunta da UE é a Hungria, que há um bom tempo cultiva relações estreitas com a China. Em maio de 2017 estas foram elevadas à categoria diplomática máxima, de parceria estratégica abrangente.

Um ano antes, juntamente com a Croácia e a Grécia, a Hungria abrandaria a tomada de posição da UE sobre a arbitragem no Mar da China Meridional. Em janeiro de 2018, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, declarou na Cúpula Mundial de Comércio, em Davos, Suíça, referindo-se à necessidade de investimentos em infraestrutura: "Se a UE não disponibilizar apoio financeiro, vamos recorrer à China."

Premiês chinês Li Keqiang (esq.) e cambojano Hun Sen selam amizade bilateral em janeiro de 2018, na capital Phnom Penh

"Sonho chinês" sem atratividade

Apesar dos sucessos registrados, intelectuais chineses se perguntam, há algum tempo, se Pequim persegue uma estratégia abrangente. Wang Jisi, decano da Escola de Estudos Internacional da Universidade de Pequim, responde negativamente, constatando que não basta estabelecer interesses centrais: é preciso também explicar como será possível alcançá-los e coordená-los entre si.

O cientista político e especialista em Ásia Gerhard Will, que atuou como pesquisador no Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), chega a uma conclusão semelhante.

"Para ser realmente uma potência mundial, é preciso mais do que poder militar e econômico", ou seja: influência diplomática e soft power, a capacidade de influenciar outras nações sem empregar atrativos econômicos ou intimidação militar.

Enquanto a China, sem dúvida, se destaca nos dois primeiros quesitos – economia e força militar –, ela apresenta déficits no tocante a diplomacia e soft power. Por exemplo, no direito internacional. "Se a China não acata as normas, então tem que estabelecer suas próprias. Mas não só estabelecer, como também conseguir recrutar seguidores. E no tocante a isso eu vejo um grande déficit", explica Will.

Além disso observa no Sudeste Asiático – que ele considera o palco decisivo para constatar se a ascensão chinesa procede pacificamente ou não – um grande contraste entre as elites e as populações locais. "A China pode ser capaz de atrair para seu lado alguns governos, mas não a população. No decorrer do tempo, isso levará a conflitos de grande porte", afirma.

O Camboja – que já há bastante tempo desempenha na Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) um papel semelhante ao da Hungria na UE – tem uma orientação nitidamente pró-China – pelo menos o governo do premiê Hun Sen. Assim, em 2012 e 2016, no interesse de Pequim, Phnom Penh impediu um posicionamento conjunto da Asean sobre o Mar da China Meridional.

A população cambojana, por sua vez, não é nem um pouco pró-chinesa, afirma Will, que visita a região com frequência: "Quanto maior a imposição de influência, menores se tornam as simpatias pela China." Ao "sonho chinês" continua faltando atratividade.

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