Defesa em Debate – O legado de Hugo Chávez nas propostas de paz, cooperação e integração na AL Parte II

 A Defesa em Debate
 
Nam et ipsa scientia potestas est
 
O legado de Hugo Chávez nas propostas de paz, cooperação
e integração na AL

 
Parte 2
(Link para Parte 1)

 
 
Fernanda Corrêa
Historiadora, estrategista e pesquisadora do
Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
fernanda.das.gracas@hotmail.com
A Venezuela sob as atenções asiáticas
 
 
"(…) Os imperialistas vêem extremistas em todos os países do mundo. Não somos extremistas, o que está acontecendo é que o mundo está despertando. Eles nos chamam de extremistas porque nós rebelamos contra o imperialismo. (…)”
 
Discurso de Hugo Chávez na 61ª Assembleia Geral da ONU, em 2006
 
 
A persuasão dos grupos anti-chavistas, apoiada pela política estadunidense, em especial, sob o Governo de George Walker Bush, tornavam ainda mais dúbio o discurso bolivariano na América Latina e provocaram um desvio de rumo da política externa venezuelana para a Ásia.
 
Diante de acusações de que estaria incentivando a guerrilha na América Latina e que estaria desestabilizando o equilíbrio regional, a Venezuela voltou suas atenções, principalmente, para a Rússia, a China e o Irã. Foram vários os acordos de compra de armamentos russos e chineses pela Venezuela. Além de empresas petrolíferas russas deterem 40% das ações do projeto Junin-6, a Rússia se tornou o maior fornecedor de armamentos à Venezuela.
 
Dentre os contratos de compra de armamentos russos, se encontramtanques T-72, um sistema de mísseis S-300, sistemas anti-mísseis Pechora-2M, aviões de caças Sukhoi, helicópteros, veículos de infantaria modelos BMP-3 e 8×8 BTP-80, canhões de 120 mm modelo 2S12 Sani, propulsores modelo 2S23 Nona-SVK, obuses de 152 mm de propulsão automática modelo 2S19 Msta-S, lança-foguetes de 122 mm modelo BM-21 Grad e de 300 mm modelo 9K58 Smerc e rifles AK-103. A previsão é de que, em 2014, todo este armamento seja entregue à Venezuela.
 
Já nos acordos com a China, estão previstos a entrega de tanques anfíbios para este ano de 2013. De acordo com o Centro de Análise do Comércio Mundial de Armas da Rússia, a Venezuela já gastou US$ 15 bilhões na compra de armamentos e tecnologias de defesa.
 
Embora o presidente Barack Obama não considerasse mais Chávez uma ameaça à América Latina e muito menos aos EUA, o presidente venezuelano afirmava que este esforço de armar seu País era fundamentado na dissuasão e no risco real de ataques preventivos e preemptivos dos EUA em solo venezuelano.
 
A Venezuela no Teatro de Operações do Atlântico Sul
 
O discurso bolivariano de Chávez, embora estivesse voltado para a América Latina, se fez presente na América do Sul.
 
Em julho de 2012, oficialmente, a Venezuela ingressou como membro pleno do Mercosul. Se por um lado, este ingresso pode trazer ainda mais problemas para política externa do bloco, por outro, o transformou na quinta economia mundial. O Mercosul passou a dispor de um PIB de US$ 3,3 trilhões.
 
A Venezuela possui as maiores reservas de petróleo extrapesado do mundo. No entanto, apesar de tanta riqueza natural, não houve na Venezuela um estudo profundo sobre a distribuição destas reservas petrolíferas no mar.
 
Exceto o Brasil, não se sabe se há estudos de venezuelanos nem de outros países, sobre o mapeamento da plataforma continental regional. No momento, o Programa de Prospecção e Exploração de Recursos Minerais da Área Internacional do Atlântico Sul e Equatorial (PROAREA) éo único grande projeto, liderado pelo Itamaraty, com parceria entre a Marinha do Brasil, agências e universidades brasileiras, que busca identificar e avaliar a potencialidade mineral de áreas com importância econômica, política e estratégica para o Brasil em águas brasileiras e internacionais.
 
Desde 2008, Brasil, Argentina e Venezuela aprofundavam discussões sobre a criação do Conselho de Defesa da Unasul, nas quais a criação da Organização do Tratado do Atlântico Sul e a elaborar de políticas de defesa de interesse regional foram citadas. A importância deste Conselho de Defesa da Unasul, mais do que qualquer outra instituição política regional, está em concentrar esforços para solucionar problemas que aflijam os países mais desfavorecidos da comunidade atlântica.
 
 
"(…) Se existe uma Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), porque não poderia existir uma Organização do Tratado do Atlântico Sul, na qual estaríamos unidos para elaborar nossas próprias políticas de defesa?(…)"
 
Discurso de Hugo Chávez em, em 2008, em Caracas, sobre a criação da OTAS.
 
 
Na década de 1950, os militares argentinos que derrubaram Perón propuseram aos EUA a constituição de um sistema de defesa integrada do Atlântico Sul, que, posteriormente foi denominado Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS). Até a Guerra das Malvinas, as relações Argentina, Brasil e EUA, em cooperação e exercícios no Atlântico, pareciam bem prósperas. No entanto, a partir do fim da Guerra, tanto o TIAR quanto a OTAS perderam importância na América do Sul.
 
Embora a Venezuela desde o início das conversações, na década de 1950, não participasse da OTAS, em 2008, Chávez revitalizou a criação da OTAS e propôs ao Brasil criar esta Organização a fim de fortalecer a soberania dos membros, proteger recursos naturais da região e coordenar ações para combater arbitrariedades na região atlântica que, obviamente, inclua o mar do Caribe. Nesta época, Chávez acusava os EUA de pôr em marcha uma conspiração, na Bolívia, para declarar repúblicas independentes em algumas regiões deste país andino.
 
Em dezembro de 2011, Chávez anunciou que um submarino nuclear havia sido detectado em águas venezuelanas. A Esquadrilha de Fragatas da Venezuela dispõe de 6 fragatas italianas, 3 fragatas espanholas em serviço e uma em construção. A Esquadrilha de Submarinos dispõe apenas de dois submarinos convencionais IKL-209, adquiridos da Alemanha, na década de 1970, e a Esquadrilha de Patrulheiros dispõe de seis patrulheiros de origem inglesa. As fontes apontam que, desde 2008, a Rússia tem tentado vender submarinos convencionais obsoletos da classe Kilo para a Armada venezuelana. No entanto, estas aquisições ainda não foram feitas.
 
Em regra geral, exceto pelo poder relativo do Brasil, nem Venezuela nem nenhum outro país na região tem condições, seja pelos instrumentos materais, seja por recursos humanos, de provocar efeito dissuasório aos supostos riscos reais de ataques dos EUA que Chávez tanto alegava existir nos fóruns e eventos internacionais.
 
O Mercosul e o complexo industrial de defesa brasileiro
 
Não se sabe até que ponto chegaram as discussões sobre a criação da OTAS na América do Sul, no entanto, é possível fazer duas constatações: o Conselho de Defesa da Unasul já é um fato consumado e o ingresso da Venezuela no Mercosul pode significar um aumento nos investimentos regionais em Energia e Defesa na região.
 
A Venezuela, por exemplo, apesar de dispor de mais de 30 milhões de hectares de terras disponíveis e inúmeras jazidas petrolíferas sofre com a falta de industrialização. Já existem empresas brasileiras trabalhando direta e indiretamente na Venezuela no setor de energia. Desde 2005, Brasil e Venezuela têm assinado contratos econômicos, que, incluem o setor de energia. Empresas e bancos brasileiros como a Petrobrás, BNDES, Odebrecht, Camargo Corrêa, Nuclep e outras grandes empresas brasileiras, trabalham, direta e indiretamente, na América do Sul.  
 
Em setembro de 2008, a Nuclep e a empresa argentina Impsa assinaram um acordo, no valor de R$ 45 milhões para o fornecimento de componentes hidromecânicos para a hidrelétrica venezuelana de Tocoma. Eram peças de 300 toneladas e 15 metros de diâmetro, encomendadas pela Impsa, contratada pela Venezuela para o empreendimento. Até 2012, eram previstos o fornecimento de 4 milhões de toneladas de equipamentos. Esta foi a primeira venda que a estatal brasileira fez, indiretamente, para a Venezuela.  A Nuclep, por exemplo, defendeu seu envolvimento no setor de energia na América do Sul justificando a necessidade de se capacitar para prestar serviços de grande porte em todo território nacional. Citou a construção da usina hidrelétrica brasileira de Belo Monte, como exemplo.
 
Hugo Chávez vinha manifestando o interesse de criar um programa nuclear que ele alegava ser de finalidades pacíficas. Apesar de Brasil e Argentina estarem aptos a cooperar com este programa, é uma faca de dois gumes, pois, seguramente, aumentariam as pressões e o cerco internacionais da AIEA e dos EUA sobre os programas nucleares conduzidos na região.
 
A Venezuela manifestou novamente o interesse de adquirir caças Super Tucano da Embraer e jipes Gaúcho da Argentina. Assim como a Venezuela, ao que parece, o Uruguai também se demonstrou interessado em adquirir unidades do jipe Gaúcho, projeto argentino, que está sendo viabilizado por cooperação tecnológica Brasil e Argentina. Existe um estudo, no seio do Exército uruguaio, que defende a criação de montadoras do jipe pela região via Mercosul para baratear o custo da produção.
 
É importante destacar um crescente mercado de importação de produtos estratégicos de defesa brasileiros na região. Se, de fato, a América do Sul é uma prioridade da agenda da política externa brasileira, desconsiderar um debate deste na região, sendo a Venezuela uma possível e rentável consumidora, é sobrepujar os interesses comerciais das empresas brasileiras e, principalmente, banalizar as propostas de cooperação e paz na América do Sul.
 
Nenhuma (re)estruturação de Base Industrial de Defesa atende os interesses exclusivos das suas próprias Forças Armadas. Este discurso não se sustenta politica, econômica, tecnológica e militarmente. O mercado de exportação é fundamental e depende da vontade e da decisão política. Em síntese, o Mercosul tem demonstrado ser um importante mercado de exportação de Defesa para o Brasil.
 
No que tange aos submarinos, a argentina também tem se demonstrado bastante interessada no PROSUB. Se, de fato, os engenheiros e técnicos brasileiros que participaram do processo de absorção de tecnologia de projeto de submarinos, na França, e o primeiro submarino convencional da classe Scorpène for entregue à Marinha do Brasil, em 2015, é possível os gestores e analistas de defesa iniciarem maiores estudos e debates sobre um mercado brasileiro de exportação de submarinos, a médio e longo prazo, na região.  
 
Ainda que na END esteja prevista, a longo prazo, a construção de 15 submarinos convencionais e 6 submarinos nucleares, nenhum complexo industrial de defesa sobrevive se não houver compradores nacionais e internacionais.  
 
Nada impede que, no futuro próximo, Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela participem conjuntamente de grandes programas estratégicos de defesa via Mercosul ou na construção de uma identidade e de uma política de defesa regional via Unasul.
 
Chávez faleceu, mas o seu legado ficou. Independente da Revolução Bolivariana fazer parte ou não da política externa sul americana ou mesmo latino americana, Chávez teve sua importância, em especial, por constranger o continente americano ao expor suas vulnerabilidades, fragilidades e insatisfações políticas e econômicas diante de interesses escusos do jogo político do sistema internacional.
 
Novamente: não cabe aqui enaltecer a figura de Chávez ou da própria Revolução Bolivariana na política regional; mas sim, oferecer elementos de análise que propiciem estudos investigativos profundos, cautelosos para a consolidação dos projetos de paz, cooperação e integração na América Latina.
 
 

 

DefesaNet

Desfile do dia 04 Fevereiro 2012

VENEZUELA – Poder Militar no 4 F Link

VENEZUELA – Poder Militar no 4 F Parte II Link

Compare o desfile com o realizado no dia 05 de Julho de 2011, quando a Venezuela comemorou o Bicentenário de Independência.

VENEZUELA 200 ANOS – Desfile Tropas Link

VENEZUELA 200 ANOS – Desfile de Blindados Link

VENEZUELA 200 ANOS – Desfile Aéreo Link

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