Principais consequências das mudanças climáticas para a segurança na América Latina: uma análise regional

Por Oliver-Leighton Barrett, Capitão de Corveta (aposentado) da Marinha dos EUA
e pesquisador sênior do Centro de Segurança e Estudos Climáticos

Entre 1º e 12 de dezembro, os líderes mundiais participaram de um encontro em Lima, Peru, para definir as linhas gerais de um acordo sobre as mudanças climáticas. Porém, além de ser a sede dessa rodada de negociações sobre o clima, a região latino-americana está enfrentando grandes ameaças à segurança e ao desenvolvimento decorrentes das mudanças climáticas e, muitas vezes, isso não é divulgado.

As mudanças climáticas são mais um fator de pressão que aumentará (e está aumentando) os já complexos desafios de desenvolvimento vividos em todos os países da região, levando as capacidades dos governos ao limite e afetando a população de diversas formas. Há ainda uma parte mais desagradável que é o impacto que as mudanças climáticas e ambientais terão na segurança dos países em geral e, especificamente, nas operações das Forças Armadas regionais.

A seguir, apresentamos uma análise sub-regional (uma compilação geral bem objetiva) sobre as consequências das mudanças climáticas nessa região em desenvolvimento crescente, dinâmica e cada vez mais importante. Essa compilação tem como base e complementa uma avaliação militar conjunta para o Comando Sul dos Estados Unidos (SOUTHCOM). As categorias geográficas a seguir refletem uma estrutura bastante utilizada no setor de defesa dos EUA.

México e América Central

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2014 afirmou, com “muita confiança”, que “foram observadas importantes tendências de precipitação e temperatura na América Central”. Neste ano as Forças Armadas dos EUA realizaram uma avaliação em conjunto com seus parceiros do Chile, Colômbia, El Salvador e Trinidad e Tobago sobre as consequências que as mudanças climáticas trazem para a defesa. No relatório, El Salvador informou que, “por estar localizado entre dois oceanos, o país é extremamente vulnerável a fenômenos hidrológicos, como chuvas torrenciais, enchentes e deslizamentos de terra”.

A combinação de chuvas devastadoras mais frequentes, violência extrema e instituições fracas (principalmente as responsáveis por oferecer proteção social) pode afetar seriamente as vidas dos cidadãos da América Central, levando a uma migração esporádica por conta das dificuldades. Os países maiores e aparentemente mais resistentes também estão vulneráveis. Em setembro de 2014, o furacão Odile foi apenas uma das diversas tempestades de alta intensidade nos últimos anos que obrigaram as Forças Armadas mexicanas a ficar em um estado de resposta a desastres praticamente permanente.

De acordo com os relatórios, um forte furacão de categoria 3 deixou 239 mil pessoas sem eletricidade no estado de Baja California Sur e cerca de 30 mil turistas foram obrigados a buscar abrigos temporários.

Consequências para a segurança: As Forças Armadas da América Central (sobretudo de Honduras, El Salvador e Guatemala) devem ter um aumento nas operações de resposta a desastres.

Além disso, as Forças Armadas dos EUA, em conjunto com outros órgãos federais, como o Departamento de Assistência a Desastres no Exterior (OFDA), preveem a continuidade (e até mesmo a ampliação) de sua longa tradição de ajuda aos países da América Central com: 1) o fortalecimento de suas capacidades de resposta a desastres naturais (ou seja, capacitação); e 2) a prestação de apoio militar direto em caso de emergências (ou seja, suprimentos e transporte aéreo).

As Forças Armadas regionais também podem ser obrigadas a ampliar e intensificar os exercícios e o planejamento contra contingências, para estarem mais bem preparadas para prestar socorro e ajuda à população que estiver em dificuldade.

Bacia do Caribe

Assim como seus vizinhos centro-americanos, os países caribenhos classificados pela ONU como Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS) também estão muito vulneráveis a fenômenos climáticos extremos, principalmente por conta do considerável número de pessoas que moram próximo do litoral e dos mecanismos de resposta relativamente fracos. O quinto relatório de avaliação do IPCC confirmou que as temperaturas e os níveis do mar no Caribe estão aumentando e os fenômenos climáticos extremos estão ocorrendo com mais frequência.

Caso suas principais infraestruturas (por exemplo, portos e estradas), das quais muitos países caribenhos dependem para realizar atividades de importantes setores (por exemplo, agricultura e turismo) sejam danificadas, o processo econômico pode ficar abalado por vários anos. Em países extremamente frágeis, como o Haiti, a possibilidade do aumento da migração a países vizinhos (por exemplo, República Dominicana) não é improvável, mesmo na melhor das hipóteses de mudanças climáticas.

Consequências para a segurança: As Forças Armadas caribenhas, trabalhando para apoiar as autoridades e organizações civis nacionais, como o Órgão de Gestão de Emergências e Desastres no Caribe (CDEMA), devem ter um aumento nas exigências para operações de busca e salvamento (SAR) e de socorro por conta das intensas tempestades. As Forças Armadas não só precisarão se capacitar (por exemplo, adquirindo equipamentos e realizando treinamentos) para ajudar as comunidades em dificuldade, mas também serão obrigadas a trabalhar em conjunto e por meio de organizações como a Junta Interamericana de Defesa para reunir recursos, compartilhar práticas recomendadas e aperfeiçoar suas especialidades.

América do Sul – Cone Sul

De acordo com o IPCC, as mudanças nos padrões climáticos estão prejudicando a saúde da população na América do Sul, com o surgimento de doenças em áreas onde antes não havia endemias. O relatório do SOUTHCOM supracitado ressalta que o Chile pode enfrentar uma “escassez de água, problemas de saneamento básico nas cidades litorâneas e contaminação dos aquíferos subterrâneos devido à intrusão salina”.

No Brasil, uma grave crise hídrica não dá trégua em São Paulo e outras cidades. O Atlas de Abastecimento Urbano de Água de 2011 previu que “as regiões que respondem por 73% da demanda por água do país estão sujeitas à falta de água na próxima década”.

Até junho de 2014, mais de 140 cidades brasileiras adotaram o racionamento de água durante a pior seca em mais de 20 anos, sendo que alguns bairros receberam água somente uma vez a cada três dias. A população das cidades afetadas chega a cerca de 6 milhões de pessoas e a maioria delas trabalha no setor agrícola.

Consequências para a segurança: O Chile continua a ser um destaque regional, famoso por seu crescimento econômico contínuo e relativa estabilidade em uma região conhecida por apresentar justamente o oposto disso. No entanto, nos próximos anos, uma série de impactos causados por fenômenos climáticos, como variações nos níveis do mar, rápido derretimento das geleiras, incêndios florestais e doenças infecciosas podem pôr à prova sua tranquilidade nacional, conquistada com muito esforço.

A escassez de água na região pode ter desdobramentos no mundo todo, sobretudo nos mercados alimentícios (por exemplo, o Brasil é o principal exportador de soja, café, suco de laranja, açúcar e carne bovina). O Brasil, a sexta maior economia do mundo, continua a ter um crescimento populacional constante e o governo continua a lutar para cumprir as promessas públicas feitas aos seus cidadãos.

Também há a possibilidade de protestos semelhantes aos ocorridos antes da Copa do Mundo deste ano, principalmente se a seca continuar a castigar o país mais populoso da região.

América do Sul – Região Equatorial

O recente sequestro (e posterior libertação) de um general colombiano de alto escalão há algumas semanas indica que, apesar das constantes negociações de paz, a mais longa guerra civil do mundo ainda não acabou.

A Colômbia enfrenta uma série de desafios de segurança por conta de uma insurgência enfraquecida, mas ainda em atividade, do crime organizado e dos efeitos das mudanças climáticas, que começam a apresentar consequências graves. Enchentes, secas, incêndios florestais e tempestades tropicais são apenas alguns dos impactos informados na avaliação militar conjunta supracitada.

Juntos, todos esses impactos podem ser uma péssima combinação, criando instabilidade em comunidades rurais e formando um ambiente mais permissivo para o crime e a violência na sub-região (sobretudo na Colômbia e Venezuela). A forte queda do preço do petróleo venezuelano (de US$ 99 para US$61 por barril desde junho) e os protestos cada vez mais intensos são tendências estabelecidas pelo próprio ser humano que o governo venezuelano provavelmente considera bastante problemáticas. Além dessas tendências, a Venezuela será obrigada a enfrentar, esporadicamente, incidentes naturais devastadores, como as chuvas torrenciais que assolaram comunidades rurais nos últimos anos.

Consequências para a segurança: Muitas instalações das Forças Armadas colombianas são plataformas de lançamento para interceptação de drogas; portanto, ficam localizadas às margens de rios e áreas litorâneas. O aumento do nível do mar afetará desproporcionalmente essas unidades, que são fundamentais para operações que visam a combater a insurgência e o narcotráfico. Também haverá uma pressão maior sobre os recursos militares, pois as forças da região precisarão adaptar suas unidades, instalações e operações às mudanças climáticas. Na Venezuela, a capacidade do governo de manter suas promessas da Revolução Bolivariana será levada aos seus limites à medida que as condições econômicas e de segurança, que já são péssimas, forem agravadas pelos impactos naturais supracitados.

Socorristas e tropas de paz

O Banco Mundial informa que “em 2011, pela primeira vez na história documentada, a região [América Latina e Caribe] teve um número maior de pessoas na classe média do que na pobreza". Porém, após uma década de "sólida gestão econômica com um sólido progresso social”, o crescimento desacelerado pode ser o prenúncio do retrocesso dos benefícios que foram conquistados com grande esforço.

As fracas instituições, que lutam para atender às expectativas da crescente população jovem, precisarão adaptar seu cálculo de desenvolvimento para considerar também as mudanças climáticas, caso contrário, enfrentarão diversos tipos de protestos constantes e revolta social. Os governos também devem ter em mente que, mesmo na melhor das hipóteses de mudanças climáticas, suas organizações relacionadas à defesa devem assumir cada vez mais o papel de socorristas e tropas de paz.

Portanto, conforme acompanhamos os rumos das negociações internacionais sobre o clima, vale a pena parar e analisar as ameaças à segurança e os desafios ao desenvolvimento enfrentados pela América Latina, que são agravados pelas mudanças climáticas. Isso inclui prestar atenção a como as mudanças climáticas afetarão o papel dos responsáveis pela segurança nacional da região, tanto civis quanto militares.

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