Escalada da violência reforça polarização política na Venezuela

Desde que, em abril de 2013, Nicolás Maduro tomou oficialmente posse como presidente venezuelano, sua rotina vem sendo de problemas em série. Em menos de um ano, viu faltarem produtos básicos nas prateleiras do país, a inflação disparar, a economia desacelerar, e a moeda, já em espiral descendente, se desvalorizar ainda mais.

Tudo dificultado por uma aparente falta de habilidade política – grande mérito de seu antecessor e mentor, Hugo Chávez – e devidamente capitalizado pela oposição, cada vez mais forte desde a morte do "líder bolivariano" e que agora vai às ruas. Ainda mais polarizada, a Venezuela corre o risco de entrar numa grave crise política.

"A situação é bem ruim do ponto de vista da governabilidade do país", afirma o pesquisador Thiago Gehre Galvão, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). "Com a morte de Chávez, ficou difícil apaziguar os ânimos e interesses que são muito divergentes dentro da Venezuela. A bipolaridade, construída pelo próprio governo, é muito forte."

Para Stefan Peters, especialista em Venezuela da Universidade de Kassel, da Alemanha, a situação deixa clara a polarização no país entre o governo e a oposição. As manifestações devem continuar nos próximos dias, e uma solução rápida para a crise não é fácil de ser encontrada. Com isso, segundo o analista, os dois lados deveriam evitar uma escalada do conflito.

"Caso isso não aconteça, diante do grande número de armas e do alto nível de violência no país, teme-se o claro agravamento da situação", diz Peters. "Vivemos o agravamento da situação na Venezuela. O país está politicamente dividido, em uma crise econômica profunda e que tem piorado massivamente a situação da população, principalmente a mais pobre."

Economia não deslancha

No último ano, Maduro tem perdido seu sono com os problemas econômicos. O país ainda não conseguiu reduzir a sua histórica dependência em relação à exportação do petróleo produzido pela estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) e melhorar estruturas econômicas como a agricultura.
 

Além disso, a inflação é galopante – fechou em 56% em 2013, segundo dados oficiais, prejudicando o poder de compra principalmente da população mais pobre. Faltam, ainda, produtos básicos como leite e papel higiênico nas prateleiras dos supermercados. Quando disponíveis em lojas, os venezuelanos precisam fazer longas filas para comprar esses produtos.

"Nicolás Maduro é nada mais que um herdeiro, mais dos problemas do que da própria ideologia chavista. A oposição tende a crescer, principalmente por causa da péssima situação econômica do país. Inflação alta desestabiliza os pilares estruturais e econômicos de uma nação, e a oposição está usando muito este discurso", diz Roberto Gondo, professor de comunicação política da Universidade Mackenzie.

Para especialistas, o desastre de Maduro, principalmente na economia, dá munição à oposição e coloca o governo numa posição difícil diante das circunstâncias. Para eles, se a economia estivesse indo bem e se tivesse estabilizado índices como da inflação e da criminalidade, certamente ele não estaria passando por essas dificuldades políticas.

"Essa agenda do chamado Socialismo do Século 21 está muito frágil nas mãos de Maduro", afirma José Niemeyer, coordenador da graduação em Relações Internacionais do Ibmec/RJ. "Socialismo pressupõe que você vai fazer mudanças estruturais, para que a maior parte da sociedade receba os benefícios do desenvolvimento. Mas como fazer isso numa economia que não cresce?"

Mercosul apoia Maduro

Em discurso no sábado (15/02) realizado para milhares de simpatizantes na capital Caracas, Maduro acusou o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe de estar por trás das manifestações realizadas pela oposição. O presidente mandou tirar, inclusive, o sinal de uma rede de televisão internacional que transmitiu imagens dos protestos, que já deixaram três mortos e centenas de feridos.

O presidente venezuelano ordenou ainda, no domingo, a expulsão de três diplomatas americanos do país, que teriam, segundo ele, participado de reuniões com universitários com o objetivo de incitar protestos. Além disso, acusou Washington de tentar desestabilizar o governo venezuelano.
 

A crise na Venezuela se acirrou na semana passada, depois de ter sido ordenada, por um tribunal de Caracas, a prisão do dirigente opositor Leopoldo López pelos incidentes registrados ao término de uma manifestação na capital venezuelana.

As manifestações são a última prova de força entre o governo e a oposição venezuelana, que protesta contra o declínio rápido da qualidade de vida. Além disso, expuseram uma fratura dentro da oposição, onde a ala majoritária liderada por Henrique Capriles, que já foi duas vezes candidato à presidência, defende que a violência somente favorece o governo, enquanto outros grupos desejam posições mais radicais.

Para especialistas ouvidos pela DW, existe ainda a preocupação de que a instabilidade política na Venezuela contamine a América do Sul – região que tradicionalmente vem se estabelecendo como um espaço de ausência de conflitos de grande magnitude. Para Gehre Galvão, da UnB, para haver integração regional, é necessário ter estabilidade política.

"Negociações no âmbito do Mercosul e da Unasul não vão avançar enquanto a Venezuela estiver passando por esta crise. Há, ainda, uma deterioração da imagem da região como um todo, pois ninguém quer investir numa região onde há sistematicamente crises políticas e problemas em determinados países", explica.

Numa tentativa de mostrar unidade, os países-membros do Mercosul emitiram um comunicado expressando seu apoio ao governo Maduro diante do que chamaram de "tentativas de desestabilizar a ordem democrática" no país. O texto não cita López, alvo de uma caçada policial depois que recebeu a ordem de detenção.

 

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