OPERAÇÕES MILITARES MULTIDOMÍNIO
PARTE II – A Integração e Sincronização
Jorgito Stocchero
Doutor em Computação pela UFRGS, com expertise em sistemas C4ISR.
Coronel da reserva do Exército, é Diretor de Negócios na AEL Sistemas,
com foco em Sensores e Guerra Eletrônica, com mais de
30 anos de experiência na área de defesa.
Série de três artigos
1 – PARTE I – A Evolução do Campo de Batalha – Publicado
2 – PARTE II – Operações Multidomínio: Integração e Sincronização – Publicado
3 – PARTE III – A Nuvem de Combate – Publicado
ARTIGO OPERAÇÕES MILITARES MULTIDOMÍNIO
PARTE II
Operações Multidomínio: Integração e Sincronização

Na Parte I, destacamos o Comando e Controle (C2) como pivô do processo decisório e a rede de batalha como habilitadora da integração multidomínio, conectando sensores, decisores e atuadores. O C2 concentra a intenção do comandante e a gestão do risco; a rede de batalha viabiliza a convergência de efeitos ao conectar, em tempo oportuno, capacidades distribuídas em terra, ar, mar, espaço e ciberespaço.
Na Parte II, aprofundamos essa convergência, incorporando os domínios informacional e cognitivo, cruciais para expandir a campanha à sociedade, moldar objetivos políticos e restringir as opções militares do adversário, que provocam impactos consideráveis no nível político e estratégico do conflito. Diferentemente das abordagens tradicionais, de sincronização episódica e predominantemente intradomínio, uma operação multidomínio (MDO)— com o C2 como pivô — sustenta sincronização contínua: explora oportunidades em um domínio para criar vantagens em outros por meio de uma rede de batalha que encurta o ciclo sensor–decisor–atuador, eleva a qualidade da informação e acelera o ritmo operacional.
O resultado prático é o acoplamento entre a intenção do comandante e a execução distribuída no nível tático: a rede de batalha entrega consciência situacional compartilhada e alocação dinâmica de recursos; o C2 prioriza alvos, estabelece janelas temporais e assegura coerência entre linhas de esforço, abreviando o ciclo da decisão. No combate em larga escala, isso exige líderes táticos disciplinados, capazes de operar dispersos com iniciativa, tomando decisões alinhadas à intenção do comandante e lastreadas em dados confiáveis.

Desafios para a Integração Multidomínio
O objetivo é gerar múltiplas linhas de ação quase simultâneas — combinando surpresa, saturação e integração rápida de capacidades — para impor dilemas ao adversário em vários domínios. A sincronização multidomínio, sustentada por uma arquitetura de C2 resiliente e por uma rede de batalha interoperável, amplifica efeitos físicos, psicológicos e informacionais, sobrecarregando a percepção, a decisão e a resposta do oponente, como ilustrado no exemplo a seguir.
Um Exemplo Prático de MDO
O ataque surpresa executado pelo Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023, conhecido como Operação “Dilúvio de Al-Aqsa”, exemplifica esse conceito, pois sobrecarregou as defesas israelenses ao criar múltiplos dilemas simultâneos:
- Domínio terrestre: Militantes romperam brechas na cerca de fronteira com veículos e motos, tomaram vilarejos, kibutzim e bases para capturar reféns, explorando surpresa e velocidade na incursão.
- Domínio aéreo: Paragliders motorizados e drones inseriram combatentes e realizaram ataques; salvas coordenadas de milhares de foguetes visaram saturar o Iron Dome e forçar civis a abrigos.
- Domínio marítimo: Embarcações leves tentaram infiltrar praias israelenses, com êxito limitado pela vigilância naval israelense.
- Domínio cibernético: Desinformação e propaganda online para manipular a opinião pública e gerar pânico; hacking e DDoS contra comunicações e redes governamentais para degradar C2 e a resposta de emergência.
Esta ação, mesmo diante da natureza irregular do Hamas, revelou que a integração de domínios explorou as vulnerabilidades de Israel, especialmente uma confiança superestimada nas várias “barreiras tecnológicas” presentes na fronteira, para gerar vantagens táticas, operacionais e psicológicas. A ação prosseguiu nos campos informacional e cognitivo por meio de uma campanha midiática internacional com uma narrativa favorável ao Hamas, alimentada pela resposta contundente de Israel aos ataques.
A resposta de Israel se deu pela Operação “Espadas de Ferro” (Iron Swords), das IDF (Forças de Defesa de Israel). Em contraste ao ataque assimétrico do Hamas, as IDF aplicaram o conceito MDO com alta tecnologia, inteligência e coordenação integrada, caracterizando a campanha como a primeira guerra digital da história. Israel explorou sua superioridade militar e tecnológica para neutralizar ameaças imediatas e desmantelar a infraestrutura do Hamas em Gaza e de aliados (Hezbollah no Líbano e Houthis no Iêmen), culminando em confronto de 12 dias com o Irã.
Sob a perspectiva MDO, Israel gerou convergência: ações simultâneas e interligadas entre domínios que impuseram múltiplas ameaças, dispersando recursos do Hamas e expondo fraquezas. A sincronização ocorreu via C2 avançado e IA, com fusão de dados em tempo real e ciclo sensor-decisor-atirador acelerado:
- Domínio terrestre: Pilar da MDO israelense. Após semanas de preparo aéreo e cibernético, as IDF lançaram operação multifásica, dividindo Gaza em norte/sul para isolar bolsões do Hamas, com foco em destruir a infraestrutura subterrânea e neutralizar combatentes.
- Domínio aéreo: Superioridade aérea absoluta atuou como multiplicador de força, apoiando todos os domínios e executando ataques de precisão para degradar capacidades estratégicas do Hamas.
- Domínio marítimo: Mesmo com costa limitada, o controle marítimo isolou o enclave, reforçou o bloqueio terrestre e cortou rotas de suprimento por mar.
- Domínio cibernético: Operações cibernéticas e de informação funcionaram como multiplicadores cruciais, minando moral e capacidades operacionais do Hamas.
- Domínio espacial e eletromagnético: Satélites viabilizaram identificação de alvos e monitoramento de movimentos, enquanto a guerra eletrônica suprimiu comunicações e radares do Hamas, incluindo spoofing de GPS para desorientar drones.

Operação Iron Swords. Foto: IMAGO / Anadolu Agency
A operação distinguiu-se pela sincronia entre domínios. Satélites e inteligência cibernética orientaram os avanços terrestres, revelando rotas seguras, posições inimigas e túneis. O apoio aéreo e naval conduziu ataques de precisão em tempo real, enquanto drones e AWACS, com análise por IA, viabilizaram um ciclo sensor-atirador em minutos. A guerra eletrônica protegeu aeronaves e tropas. Essa integração impôs dilemas ao Hamas: sair dos túneis e expor-se ao fogo aéreo ou permanecer no subsolo e ser neutralizado pelas forças terrestres.
Esse exemplo mostra como a MDO força o adversário a dispersar recursos e atenção, ampliando vulnerabilidades e impondo um dilema em que qualquer resposta é desfavorável. A maior conectividade acelera o ciclo decisório, mas amplia riscos cibernéticos e eletromagnéticos: forças em rede ficam mais sujeitas à interrupção de dados, degradação de comunicações e manipulação de informação, capazes de induzir erros e paralisar operações.
Requisitos Chave para o Sucesso da MDO
- Consciência situacional compartilhada: Atualização contínua de locais de recursos, inteligência e avisos em todos os domínios, alimentando uma Imagem Operacional Comum (COP) precisa e em tempo real, muitas vezes facilitada por plataformas de fusão de dados.
- Rápida Tomada de Decisão: Habilitar os comandantes a mudar de opções rapidamente e a capitalizar oportunidades momentâneas, muitas vezes com o apoio de sistemas de decisão assistida por IA e automação de processos.
- Criação de dilemas: Forçar os adversários a situações sem saída, onde qualquer curso de ação que eles escolham os coloca em desvantagem tática ou estratégica. Isso requer uma compreensão profunda das capacidades e vulnerabilidades do adversário.
Em síntese, a sincronização multidomínio — com o C2 como elemento central e uma rede de batalha interoperável como suporte — converte oportunidades táticas em vantagens operacionais sustentáveis. Ao integrar os domínios físico, informacional e cognitivo, cria-se um efeito multiplicador que gera dilemas estratégicos capazes de sobrecarregar a percepção, tomada de decisão e capacidade de resposta do adversário, desestabilizando suas ações.
A próxima e última parte deste ensaio abordará a nuvem de combate (Combat Cloud), fundamental para sustentar o ritmo operacional em ambientes conflagrados. A rede de batalha deve se transformar em uma malha distribuída, segura e resiliente, que não apenas reduz latências e assegura a continuidade do C2 em condições degradadas, mas também viabiliza a integração eficiente de sistemas heterogêneos — sensores, plataformas tripuladas e não tripuladas, atuadores (responsáveis pela manobra e pelo fogo) e agentes de IA. Esses elementos fornecerão a base tecnológica para explorar plenamente o potencial MDO em cenários futuros complexos e disputados.

















