Enquanto escrevo este texto, o centro de Kiev e boa parte de seus subúrbios estão basicamente intactos. As sirenes e os alertas pontuam o dia. Todo mundo aqui sabe que isso pode mudar, muito rapidamente. Quando você estiver lendo isso, é possível que já tenha mudado.
A segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv, já sentiu um pouco da força do jeito russo de travar uma guerra. Assim como Mariupol e outras cidades no leste do país.
A Rússia responde a resistência com poder de fogo. Em vez de enviar homens para lutar de casa em casa, quarto a quarto, sua doutrina militar pede bombardeios com armamentos pesados e aéreos para destruir seus inimigos.
Kharkiv e as outras cidades, grandes e pequenas, sofreram danos graves – e, pelo que sabemos, com muitas mortes de civis. A sede do governo local de Kharkiv foi bastante danificada em um ataque de míssil, que foi filmado.
O presidente russo, Vladimir Putin, pode estar enviando uma mensagem a Kiev – olhe para o leste, porque isso pode acontecer com você. A deprimente conclusão que eu tirei de outras guerras em que eu vi os russos em ação é que pode ficar muito pior.
'O chão balançava'
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© Getty Images Na segunda guerra da Chechênia, em 1999 e 2002, a Rússia destruiu Grozny ainda mais |
Até agora, Putin não deu a ordem para causar o tipo de dano que as forças russas causaram em Grozny, a capital da Chechênia, quando a república russa rebelou-se nos anos 1990, e na Síria, desde que Putin interveio com força no país, em 2015.
Eu cobri a primeira guerra da Chechênia em seu início, no inverno de 1994-95. Assim como na Ucrânia, o Exército russo cometeu graves erros militares em suas operações por terra. Veículos blindados foram alvos de emboscadas de rebeldes chechenos em ruas estreitas e destruídos.
Muitos soldados recrutados não queriam lutar e morrer. Antes da invasão da Ucrânia, analistas militares avaliaram que as forças da Rússia eram hoje muito mais profissionais.
Talvez sejam, mas a invasão russa foi mais uma vez retardada por gargalos logísticos, erros táticos e adolescentes apavorados que não haviam sido informados de que estavam indo para a guerra – assim como por uma resistência tão dura quanto qualquer coisa que os chechenos ofereceram em 1995.
Na Chechênia, a resposta da Rússia foi usar seu poder de fogo. Em poucas semanas, artilharia e bombardeios aéreos reduziram o centro de Grozny, uma típica cidade soviética de concreto e aço, a escombros.
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© BBC/Jeremy Bowen Bowen (esq.) cobriu a guerra em Grozny em 1995 com Scott Hillier e Steve Lidgerwood |
Eu estava na praça Minutka, um centro da resistência chechena, num dia em que ela foi atingida por repetidos bombardeios. Os civis estavam principalmente em sótãos, arriscando morrer toda vez que saíam para buscar água ou comida.
Naquele dia na praça Minutka, combatentes chechenos foram mortos por bombas de fragmentação, e edifícios pegavam fogo. Vinte e quatro horas depois, a principal avenida da cidade foi toda atingida por ataques de mísseis e envolvidas em fumaça e chamas. O chão estava balançando enquanto filmávamos.
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© Getty Images Grozni foi duramente castigada pelos russos já em 1995, na primeira guerra da Chechênia |
Dominados de cima
Depois de Grozny, os lugares mais devastados que eu vi, em muitos anos de reportagem, foram na Síria. A ligação entre as duas situações é o poder de destruição das forças russas. A decisão de Putin de intervir na Síria salvou o regime de Bashar al-Assad e representou um grande passo em seu objetivo de restaurar a Rússia como um poder global.
Duas decisivas vitórias sobre rebeldes na Síria, de importância vital para o regime sírio, foram obtidas pela implacável adoção do poder de fogo russo.
A primeira foi em Aleppo, no final de 2016. O lado leste da cidade, que tinha sido controlado por uma variedade de facções rebeldes ao longo da guerra, foi tomado depois de ter sido pulverizado por artilharia e bombardeios aéreos.
O regime de Assad não precisou de nenhum incentivo para bombardear os sírios, mas os russos trouxeram um nível muito maior de poder de destruição. Bombardeiros estratégicos baseados em território russo e no Irã realizaram ataques devastadores.
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© BBC/Jeremy Bowen Esta rua de Aleppo (Síria), devastada em janeiro de 2017, é exemplo da tática russa |
A tática adotada na Síria era cercar e sitiar áreas dominadas por rebeldes, atingi-los de cima e com baterias de artilharia, e no final esgotar os defensores e quaisquer civis que não haviam conseguido escapar. Muitos deles foram mortos.
Quando eu pude dirigir através do leste de Aleppo, poucas semanas depois que a área foi retomada pelo regime, a destruição continuava, milha após milha. Eu não conseguia identificar nenhum prédio que não tivesse sido atingido. Vizinhanças inteiras foram deixadas em ruínas.
Ruas foram bloqueadas com montanhas de escombros. Eu vi as mesmas táticas funcionarem em Ghouta Oriental, uma série de pequenas cidades e áreas rurais dominadas por rebeldes, na periferia da capital síria. Sua queda em 2018 representou o fim da batalha por Damasco, que inicialmente parecia que acabaria com a vitória dos rebeldes.
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© BBC/Jeremy Bowen O cinegrafista da BBC numa rua devastada de Ghouta (Síria), em junho de 2018 |
Isso mudou depois que os Estados Unidos decidiram, em 2013, não atacar o regime de Assad quando este utilizou armas químicas em Douma, uma das pequenas cidades da região. O longo confronto mudou de forma decisiva em favor do regime depois que a Rússia entrou na guerra, em 2015.
Os defensores de Ghouta Oriental cavaram uma cidade de túneis subterrâneos para escapar dos bombardeios e da artilharia. Sítios e poder de fogo dominante, no entanto, vencem batalhas. Isso porque os defensores acabam mortos ou exaustos, e os civis, embora resistentes, são sujeitados a tanto medo e sofrimento que eles acabam recebendo bem o alívio proporcionado pela rendição.
Em Kiev, uma das grandes questões na mente de todos é se a cidade vai receber o mesmo tratamento aplicado não apenas a Kharkiv, Mariupol e outras, mas também à Chechênia e à Síria.
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© Getty Images Alvos de bombardeios, moradores de Kharkiv disseram que se sentiram vivendo no inferno |
Será que a santidade de santuários cristãos ortodoxos criarão o comedimento que esteve ausente nos ataques contra os muçulmanos chechenos e sírios? O próprio Putin escreveu sobre o significado da Ucrânia na história da Rússia.
Estará ele preparado para destruir a Ucrânia para que possa tomá-la? Se sanções e a resistência ucraniana ameaçarem a estabilidade de seu regime, será que ele tomará medidas mais extremas? O balanço mostra que as Forças Armadas da Rússia compensam a fraqueza nas habilidades de suas forças terrestres com o uso de armamentos pesados. Os ucranianos estão rezando para que isso não aconteça aqui.
por Jeremy Bowen – BBC News, Kiev