Thomas L. Friedman
O Estado de S.Paulo
New York Times
10 de março de 2022
Se você espera que a instabilidade causada nos mercados globais e na geopolítica pela guerra de Vladimir Putin na Ucrânia tenha atingido o auge, sua esperança é vã. Ainda não vimos nada. Espere até Putin compreender totalmente que as únicas escolhas que lhe restam são sobre como ele pretende perder: uma derrota mais rápida e menor, com pouca humilhação; ou uma mais prolongada e maior, profundamente humilhado.
Não consigo nem pensar sobre que tipo de choques financeiros e políticos irradiarão da Rússia – país que é o terceiro maior produtor de petróleo do mundo e possui cerca de 6 mil ogivas nucleares – quando ela perder uma guerra travada pela escolha de um homem que jamais admitiria uma derrota.
Por que não? “Porque Putin certamente sabe que a tradição nacional russa não perdoa reveses militares”, observou Leon Aron, especialista em Rússia do American Enterprise Institute, que está escrevendo um livro sobre a trajetória de Putin até a Ucrânia.
As derrotas da Mãe Rússia
“Virtualmente todas as grandes derrotas resultaram em mudanças radicais”, acrescentou Aron, escrevendo no Washington Post. “A Guerra da Crimeia (1853-1856) desencadeou a revolução liberal do imperador Alexandre II a partir de cima. A Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) ocasionou Revolução Russa.
A catástrofe da 1.ª Guerra resultou na abdicação do czar Nicolau II e na Revolução Bolchevique. E a guerra no Afeganistão tornou-se um fator crucial para as reformas do líder soviético Mikhail Gorbachev.” O recuo em Cuba também contribuiu significativamente para a remoção de Nikita Kruchev, dois anos depois.
Nas próximas semanas, ficará cada vez mais óbvio que nosso maior problema com Putin na Ucrânia é que ele recusa uma derrota mais rápida e menor, e o único outro resultado será uma derrota maior e mais prolongada. Mas, por esta guerra ser uma guerra exclusivamente dele, e por ele não conseguir admitir nenhum tipo de derrota, Putin poderia continuar dobrando sua aposta na Ucrânia até – talvez – considerar o uso de uma arma nuclear.
Os equívocos de Putin
Por que eu digo que a derrota na Ucrânia é a única opção de Putin e apenas seu cronograma e tamanho estão em dúvida? Porque a invasão fácil e de baixo custo que ele idealizou e a festa de boas-vindas dos ucranianos que ele imaginou não passaram de completas fantasias – e tudo mais decorre disso.
Putin subestimou totalmente a vontade da Ucrânia de ser independente e se tornar parte do Ocidente. E subestimou totalmente a vontade de muitos ucranianos de lutar, mesmo que isso significasse morrer por esses dois objetivos.
Ele superestimou totalmente suas próprias Forças Armadas. E subestimou totalmente a capacidade do presidente Joe Biden de galvanizar uma coalizão global, econômica e militar, para possibilitar aos ucranianos resistir, lutar e devastar a Rússia domesticamente – o mais eficaz esforço de formação de coalizão dos EUA desde que George Bush pai fez Saddam Hussein pagar pelo desvario de invadir o Kuwait.
E Putin subestimou totalmente a capacidade de empresas e indivíduos de todo o mundo de tomar parte das sanções econômicas contra a Rússia e amplificá-las – para muito além do que foi iniciado ou determinado por governos.
Quando você se confunde tanto como líder, sua melhor opção é uma derrota menor e mais rápida. No caso de Putin, isso significaria retirar suas forças da Ucrânia imediatamente, contando alguma mentira que justificasse sua “operação militar especial”, como alegar que foi bem-sucedido em proteger russos que vivem na Ucrânia, prometendo ajudar seus irmãos russos na reconstrução. Mas a inescapável humilhação certamente seria intolerável para este homem obcecado em restaurar a dignidade e a unidade de sua Mãe Rússia.
Os riscos de uma humilhação
A propósito, do jeito que as coisas vão na Ucrânia neste momento, existe a possibilidade de Putin poder, na verdade, sofrer uma derrota rápida e maior. Eu não apostaria nisso, mas a cada dia que mais e mais soldados russos são morto, quem sabe o que poderá acontecer com o espírito de luta dos conscritos do Exército russo recebendo ordens para combater numa mortífera guerra urbana contra irmãos eslavos, por uma causa que jamais lhes foi verdadeiramente explicada.
Dada a resistência de ucranianos de todos os cantos à ocupação russa, para Putin “vencer” militarmente, seu Exército precisará subjugar todas as grandes cidades da Ucrânia. Isso inclui a capital, Kiev – o que, provavelmente, exigirá semanas de guerra urbana e custará baixas civis massivas.
Resumindo, isso só pode ser feito se Putin e seus generais perpetrarem crimes de guerra que não são vistos na Europa desde Adolf Hitler. Isso tornará a Rússia de Putin pária internacional permanentemente.
Além disso, como Putin seria capaz de manter o controle de um país como a Ucrânia, que possui cerca de um terço da população da Rússia, com muitos moradores hostis a Moscou? Ele, provavelmente, teria de manter por lá cada um dos mais de 150 mil soldados que acionou para a invasão – ou mais – eternamente.
Não vejo nenhum caminho para Putin vencer na Ucrânia de alguma maneira que se sustente, simplesmente porque ele não invadiu o país que pensou ter invadido: um local que ansiava uma rápida decapitação de sua liderança “nazista”, para poder retornar gentilmente ao colo da Mãe Rússia.
O caminho mais fácil
Então, ou ele minimiza as perdas e aceita a humilhação – e, para sua sorte, consegue escapar das sanções, ressuscita a economia russa e se mantém no poder — ou encara uma guerra eterna contra a Ucrânia e grande parte do mundo, que consumirá gradualmente a força da Rússia e arruinará sua infraestrutura.
Já que ele parece aferrado à segunda hipótese, estou apavorado. Porque só há uma coisa pior do que uma Rússia forte sob Putin: uma Rússia enfraquecida, humilhada e desordenada, que poderia se fraturar ou acabar em meio a uma prolongada turbulência política, com diferentes facções se engalfinhando pelo poder – e todas aquelas ogivas nucleares, todos aqueles cibercriminosos e todos aqueles poços de petróleo e gás dando sopa. A Rússia de Putin não é grande demais para não fracassar. Mas é grande demais para fracassar sem levar junto o restante do mundo.