ONU confirma abusos de ‘instrutores’ russos na República Centro-Africana

Os "instrutores" russos enviados para a República Centro-Africana – os quais, segundo Moscou, não estão armados nem participam dos combates – cometeram, junto com as forças centro-africanas, "violações do direito internacional humanitário" – afirma um relatório anual de especialistas da ONU.

Recentemente apresentado ao Conselho de Segurança e obtido nesta segunda-feira pela AFP, o documento dos encarregados de controlar o embargo de armas imposto a Bangui, desde 2013, confirma as suspeitas que existiam no país há mais de um ano sobre o papel muito ativo dos "instrutores" russos, muitas vezes mencionados como mercenários do grupo russo privado Wagner, com fama de proximidade em relação ao presidente Vladimir Putin.

Nos últimos meses, vários incidentes colocaram as forças de paz de Minusca (a missão da ONU na República Centro-Africana) contra esses mercenários, aumentando as tensões dentro do Conselho de Segurança com a Rússia, segundo diplomatas.

"Dissemos aos russos: 'Você é um membro permanente deste Conselho e as pessoas empregadas pelo seu Ministério da Defesa não estão somente explorando este país, mas colocam em risco as forças de manutenção da paz enviadas à República Centro-Africana por este Conselho'", disse um embaixador ocidental sob anonimato.

Segundo ele, a Minusca está "muito preocupada sobre a ocorrência de um incidente de curto prazo envolvendo mercenários russos e soldados da paz, resultando em feridos ou mortos".

Inseridos na República Centro-Africana em virtude de um acordo bilateral com a Rússia, esses "instrutores" são ex-militares russos apoiados por mercenários sírios e líbios, segundo o relatório da ONU.

O documento indica que a Rússia reconheceu, em 18 de abril, o envio para a República Centro-Africana de "532 instrutores" e afirmou que esse número "nunca passou de 550".

No entanto, os especialistas "observaram que várias fontes estimam que o número seja consideravelmente maior, de 800 a 2.100".

Essa estimativa não inclui 600 instrutores russos adicionais, cujo envio foi anunciado à ONU em maio pela República Centro-Africana.

"Estado Wagner"

"A República Centro-Africana se tornou um Estado Wagner", declarou outro embaixador à AFP, também sob condição de anonimato.

De acordo com vários diplomatas, "instrutores" russos "assumiram o controle da alfândega na República Centro-Africana".

Instalados nas regiões mineradoras do país, "cobram dos veículos da ONU US$ 60 por hora pelo uso da infraestrutura rodoviária. São pagos por meio de licenças de minério ou de extração mineradora do país, por meio do controle do regime aduaneiro", detalha um desses diplomatas.

Vários testemunhos em diferentes partes do país de autoridades locais, das Faca (Forças Armadas Centro-Africanas) e das forças de segurança interna também relatam "uma participação ativa dos instrutores russos nos combates no terreno, com frequência, à frente das operações, e não como apoio às Faca durante seus avanços nas cidades e povoados", indica o relatório.

O documento também detalha os abusos cometidos contra civis pela Coalizão de Patriotas pela Mudança (CPC). Criada no final de 2020, esta frente reúne vários grupos armados que controlam grandes partes do país e estão determinados a derrubar o governo centro-africano.

"As violações generalizadas do direito internacional humanitário cometidas por grupos afiliados à CPC incluem o recrutamento forçado de menores, ataques contra os soldados de paz, casos de violência sexual e pilhagem de organizações humanitárias", acrescentam os especialistas.

Nesta segunda-feira, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, reagiu ao declarar que "os conselheiros militares russos não podiam participar e não participaram de assassinatos ou roubos".

"Continua sendo uma mentira", acrescentou durante uma coletiva de imprensa.

Em suas recomendações, o grupo da ONU pede ao Conselho de Segurança para ampliar sua lista de pessoas sob sanções na República Centro-Africana e estender o embargo às armas. Esta medida de força expira em 31 de julho. República Centro-Africana, Rússia, China e vários países africanos pedem que seja levantado.

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