Dagnino – Como a Marinha do Brasil pode Implementar a Economia Circular


COMO A MARINHA PODE IMPLEMENTAR A ECONOMIA CIRCULAR

 

B. V. Dagnino

Capitão-de-Fragata (Ref.), Diretor-Presidente da ABQ – Academia Brasileira da Qualidade www.abqualidade.org.br

                                                           

Economia Circular (EC) "é uma economia que é restauradora e regeneradora desde o seu projeto, visando manter os produtos, componentes e materiais com sua maior utilidade e seu maior valor ao longo do tempo, distinguindo entre os ciclos técnicos e biológicos". (Fundação Ellen MacArthur)

 

COMO O MUNDO ESTÁ PRATICANDO A ECONOMIA CIRCULAR

O Ministério da Defesa da Holanda contratou duas empresas belgas para fornecer produtos têxteis com requisitos de uso de material reciclado (750.000 itens por ano durante oito anos). Este é um exemplo simples da aplicação dos conceitos da Economia Circular.

Em compensação, desativar submarinos nucleares reutilizando o mais possível o material recuperado de um lado, e de outro cumprindo os rigorosíssimos preceitos de segurança, é tarefa de extrema complexidade, conforme se observa na vista aérea das instalações construídas para fazê-lo em Devenport no Reino Unido.


Notar a existência da casa de acesso ao reator (RAH), a cobertura do submarino durante a faina, e a rota de transferência nuclear (NTR). A desativação de 17 submarinos nucleares britânicos esteve inclusive paralisada por vários anos em razão de os requisitos de segurança terem sido tornados mais rigorosos. Embora no caso do Brasil o descomissionamento do Submarino Nuclear Almirante Álvaro Alberto pode ser estimado para a década de 2050, seu projeto terá que adotar obrigatoriamente o conceito do design thinking, ou seja, deve-se considerar a "gestão do ciclo de vida" do navio, "do berço ao berço",como é usual se dizer.

 Porta-helicóptero Jeanne d'Arc da Marinha Francesa: 90% de reciclagem


Mesmo no caso de navios de superfície a tarefa pode não ser tão simples. O amplo uso de asbesto ou amianto em unidades navais como isolante térmico e anti-inflamável requer cuidados especiais para proteger a saúde do pessoal executando o serviço, com o uso de completo equipamento de proteção individual – EPI. Esse material, juntamente com outros rejeitos perigosos e não perigosos, no caso do porta-helicóptero francês Jeanne d'Arc, constituiu-se em apenas 10% do total. 90% do navio, ou seja metais ferrosos e não ferrosos, e material eletro-eletrônico, foi reciclado sem maiores  dificuldades. Esses materiais foram vendidos a empresas europeias.

Executar essa cara, complexa e perigosa atividade em razão dos aspectos ambientais e de segurança no trabalho em países de mão de obra barata inclusive infantil (v. foto), em que a legislação e seu cumprimento deixa muito a desejar, fez com que ela fosse direcionada para países como Índia, Paquistão e Bangladesh.

                                       


Em razão disso a União Europeia desenvolveu uma regulamentação muito rigorosa, que se pretende seja aplicável mundialmente, conforme quadro a seguir, abrangendo os aspectos ambientais, direitos trabalhistas, e de segurança. As regras incluem auditoria independente de certificação e a publicação de uma lista global de instalações de reciclagem de navios.

          


No Brasil existe um exemplo de iniciativa governamental de aplicação da EC, ao que tudo indica sem que as partes envolvidas se deem conta disso. Trata-se do serviço TáxiGov estilo Uber, 99 Táxi etc.  ora sendo implementado pelo Ministério do Planejamento nos órgãos públicos em Brasília, substituindo a frota de carros oficiais por serviço subcontratado, ou seja, outro conceito da EC, que não seria difícil de adotar na Marinha. Com a instalação do aplicativo será gerada uma economia de 20 milhões de reais anuais para o Governo Federal. O sistema propicia uma gestão confiável de corridas e do uso de transporte administrativo, inclusive compartilhado.

 

Analisar, além do transporte, outras atividades-meio como manutenção (no caso das corvetas classe Tamandaré já está previsto que o estaleiro vencedor da concorrência será responsável por essa atividade), serviços gráficos, conservação e limpeza etc. certamente identificará novas atividades a serem terceirizadas.

IMPLEMENTAÇÃO NA MARINHA

Assim, o leque de possibilidades para implementação da Economia Circular (EC) na Marinha é enorme. Como seus órgãos atuam numa gama de atividades extremamente ampla, há que inicialmente estabelecer prioridades, procurando identificar que produtos e serviços seriam mais importantes em termos de volume de aquisições, possibilidades de real aplicação da EC, facilidade de implantação, configuração da cadeia de suprimento, custos envolvidos e consequentemente relação custo-benefício etc.

Antes porém, as seguintes atividades preparatórias precisam ser progressivamente executadas:

planejamento estratégico da introdução da EC na Marinha, incluindo plano de comunicação para vender a ideia a todas as partes interessadas, intra e extra-Marinha

venda do conceito da EC e da sua importância para os altos escalões da MB, em particular para os oficiais generais  

benchmarking:  levantamento do que outras Marinhas estão fazendo em matéria de EC por meio de pesquisa na Internet, consulta aos Adidos Navais e das Forças Armadas brasileiros etc.; essa identificação de boas práticas poderia ser estendida a atividades correlatas, como demais Forças Armadas, empresas de navegação, polícias e outras

definição de uma Política de EC para a Marinha do Brasil, que servirá de base para a elaboração de políticas setoriais, que serão por sua vez detalhadas em instruções

formalização de Programa "Marinha Rumo à Economia Circular" ou "Marinha Circular" pelo Comandante da Marinha, com criação de logomarca e produção de vídeo institucional

levantamento das empresas qualificadas para prestação de serviços os mais variados, inclusive aluguel de equipamentos, evitando aquisição de itens sempre que exequível

criação de cursos sobre EC e sua inclusão no programa do Centro de Instrução e Adestramento Almirante Newton Braga – CIANB, e inclusão do assunto em cursos para oficiais e praças, e funcionários civis em todos os níveis, desde as escolas de aprendizes marinheiros até a Escola de Guerra Naval; militares e civis diretamente envolvidos com compras de bens e serviços requerem capacitação mais extensa

palestra sobre EC no Simpósio do Programa Netuno

publicação de notas e artigos sobre EC nos meios de comunicação da Marinha, via Centro de Comunicação Social da Marinha – CCSM, Notícias da Marinha – NoMar, Boletim Noticioso – BONO, em revistas de órgãos da Marinha, na Revista do Clube Naval etc.

instituição de Prêmio "Marinha Circular" ou "MB Circular", para fins de reconhecimento das OMs que melhor praticarem a EC

incentivo com reconhecimento (e eventualmente recompensas como viagens) a militares e civis pela apresentação de sugestões para aplicação da EC, em sua unidade ou em outras.

CONCLUSÃO

Migrar da economia linear para a EC requer principalmente uma mudança de mentalidade de toda a organização, sob a liderança da governança. As diretrizes emanadas dos altos escalões precisam perpassar os níveis intermediários e chegar ao de execução, como prioridade de cada organização naval e da Marinha como um todo.

Trata-se de uma oportunidade de a MB evidenciar mais uma vez seu pioneirismo. Após introduzir o assunto Técnica de Ensino no Centro de Instrução Almirante Wandenkolk – CIAW, ter a iniciativa de criação da Cobra Computadores e introduzir o Plano Diretor no planejamento orçamentário no Brasil, engajar-se na implantação da EC seria mais uma decisão de vanguarda.

A futura extensão às demais Forças Armadas via Ministério da Defesa de suas práticas seria uma próxima etapa, que certamente terá os melhores agradecimentos do Planeta Terra.

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