Pax Silica e o Brasil: implicações estratégicas, oportunidades e riscos em um novo ordenamento tecnológico global

A foto mostra reunião da PAX SILICA semana passada, em Washington DC. Observar as faces dos participantes mostram joven homens e mulheres para uma nova ciência

Dr Leonam Guimarães

A iniciativa Pax Silica, lançada pelos Estados Unidos como uma coalizão estratégica voltada à segurança das cadeias globais de suprimentos de semicondutores, inteligência artificial e minerais críticos, inaugura um novo paradigma de governança econômica e tecnológica internacional. Para o Brasil, país dotado de vastos recursos minerais, matriz energética relativamente limpa e ambições industriais ainda não plenamente realizadas, a Pax Silica representa simultaneamente uma janela de oportunidade estratégica e um risco de marginalização estrutural, caso não haja resposta coordenada de política pública.

O significado da Pax Silica para países fora do núcleo inicial

Embora apresentada como uma iniciativa cooperativa entre “parceiros confiáveis”, a Pax Silica estabelece, na prática, um núcleo duro de países integrados às cadeias de maior valor agregado da economia digital, especialmente nos segmentos de semicondutores avançados, infraestrutura de dados e IA. Países não incluídos nesse círculo inicial tendem a ocupar posições periféricas, restritas ao fornecimento de matérias-primas ou a mercados consumidores, salvo se adotarem estratégias claras de inserção qualificada.

Para o Brasil, que não figura entre os membros iniciais da coalizão, o risco não é apenas diplomático, mas estrutural: a consolidação de padrões tecnológicos, arranjos regulatórios e fluxos preferenciais de investimento pode ocorrer sem a participação brasileira, reduzindo sua capacidade de influência futura.

Minerais críticos: oportunidade concreta, mas incompleta

O Brasil possui reservas relevantes de minerais estratégicos associados às cadeias da Pax Silica, como silício metalúrgico, quartzo de alta pureza, grafite, terras raras, nióbio, lítio e urânio. No entanto, o país permanece fortemente concentrado nas etapas iniciais da cadeia — extração e beneficiamento primário — com baixo domínio das fases de refino avançado, processamento químico e transformação industrial.

A Pax Silica tende a privilegiar países que não apenas detêm reservas, mas que controlam o refino, a metalurgia avançada, a fabricação de componentes e a integração com a indústria de semicondutores e de IA. Sem políticas industriais e tecnológicas robustas, o Brasil corre o risco de se consolidar apenas como fornecedor de insumos de menor valor agregado para cadeias controladas externamente.

Energia e infraestrutura: um diferencial estratégico subexplorado

Um dos pilares silenciosos da Pax Silica é o acesso confiável a energia abundante, estável e de baixo carbono para sustentar data centers, fábricas de semicondutores e instalações de processamento intensivo. Nesse aspecto, o Brasil possui vantagens comparativas relevantes, como uma matriz elétrica predominantemente renovável e experiência consolidada em grandes projetos energéticos.

Entretanto, a ausência de uma estratégia explícita que conecte energia, reindustrialização e economia digital limita a capacidade brasileira de se posicionar como destino atrativo para investimentos associados à nova economia do silício. A energia, isoladamente, não se converte em vantagem estratégica sem integração com política industrial, inovação e marcos regulatórios estáveis.

Semicondutores e IA: o risco da irrelevância tecnológica

A Pax Silica explicita uma realidade incômoda: o núcleo da economia global está se reorganizando em torno de semicondutores avançados, computação de alto desempenho e inteligência artificial. O Brasil, apesar de possuir iniciativas pontuais no setor de microeletrônica e centros de pesquisa qualificados, permanece fora das cadeias globais relevantes de fabricação e design avançado.

Sem uma estratégia nacional clara para semicondutores, hardware crítico e aplicações industriais de IA, o país tende a permanecer como importador líquido de tecnologia, dependente de padrões, arquiteturas e decisões definidas externamente — inclusive por coalizões como a Pax Silica.

Geopolítica e autonomia estratégica

Do ponto de vista geopolítico, a Pax Silica reforça a tendência de fragmentação seletiva da globalização, com a formação de blocos tecnológicos baseados em confiança política e alinhamento estratégico. Para um país historicamente comprometido com o multilateralismo e a autonomia estratégica, como o Brasil, esse cenário impõe dilemas complexos.

A exclusão de iniciativas estruturantes não decorre necessariamente de hostilidade política, mas da ausência de capacidades industriais e tecnológicas consideradas críticas. Assim, a resposta brasileira não deve ser retórica ou diplomática apenas, mas fundamentalmente estrutural, voltada ao fortalecimento de competências internas.

O que o Brasil precisaria fazer para não ficar à margem

Para transformar a Pax Silica de ameaça potencial em oportunidade estratégica, o Brasil precisaria avançar simultaneamente em várias frentes:

  • Definir uma estratégia nacional integrada para minerais críticos, indo além da extração e incorporando refino, metalurgia avançada e manufatura associada.
  • Reposicionar a política energética como alavanca explícita de reindustrialização tecnológica, incluindo data centers, semicondutores e IA.
  • Retomar uma política industrial moderna, orientada a cadeias globais estratégicas e não apenas à substituição de importações.
  • Fortalecer a articulação entre defesa, energia, ciência e tecnologia, reconhecendo o caráter dual de muitas dessas infraestruturas.
  • Buscar inserção seletiva e pragmática em iniciativas internacionais, evitando alinhamentos automáticos, mas também a irrelevância estratégica.

Conclusão

A Pax Silica não é apenas uma iniciativa setorial voltada à tecnologia; ela sinaliza a consolidação de um novo ordenamento econômico internacional, no qual acesso a tecnologia crítica, cadeias de suprimento resilientes e alinhamento estratégico passam a definir quem participa do núcleo da economia global e quem permanece na periferia.

Para o Brasil, o desafio é claro: ou o país transforma seus ativos naturais, energéticos e humanos em capacidades industriais e tecnológicas concretas, ou aceitará um papel secundário em uma economia global cada vez mais organizada em torno de blocos tecnológicos fechados. A Pax Silica, nesse sentido, funciona como um alerta estratégico — e talvez como uma das últimas oportunidades para reposicionar o país de forma soberana na economia do século XXI.

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