Análise da National Security Strategy of the United States of America – November 2025 sob a perspectiva do Brasil e da América Latina & Caribe.

Texto da National Security Strategy of the United States of America – November 2025 publicado nesta página

Leonam Guimarães
Dezembro 2025

O documento National Security Strategy of the United States of America – November 2025 consolida uma visão de política externa marcada por forte soberanismo, por uma interpretação hierárquica da ordem internacional e por uma rejeição explícita ao multilateralismo liberal que caracterizou grande parte da política externa norte-americana no pós-Guerra Fria.

A estratégia parte do princípio de que o Estado-nação é a unidade fundamental da política internacional e de que a defesa irrestrita da soberania nacional deve prevalecer sobre compromissos multilaterais considerados intrusivos ou restritivos. Nesse sentido, a política externa é apresentada como essencialmente instrumental, orientada por critérios transacionais e pela avaliação direta do quanto cada relação contribui para interesses vitais dos Estados Unidos. Regiões e países deixam de ser tratados como parceiros em projetos normativos de longo prazo e passam a ser avaliados conforme seu impacto imediato sobre segurança interna, crescimento econômico, cadeias produtivas e competição estratégica global.

Para a América Latina & Caribe, essa abordagem representa uma mudança qualitativa relevante. A região não é apresentada como espaço de cooperação autônoma ou de integração política, mas como um entorno estratégico diretamente vinculado à segurança do território continental norte-americano. A estratégia assume de forma explícita uma releitura contemporânea da Doutrina Monroe, denominada “Trump Corollary”, que estabelece o Hemisfério Ocidental como área de interesse prioritário e exclusivo dos Estados Unidos.

Essa releitura é mais direta e menos ambígua do que formulações anteriores, deixando claro que Washington pretende impedir a presença, a influência ou o controle de ativos estratégicos por potências extra-hemisféricas, especialmente China e Rússia. A lógica subjacente não é apenas geopolítica, mas também econômica e tecnológica, buscando assegurar cadeias de suprimentos, rotas marítimas, infraestrutura crítica e acesso preferencial a recursos naturais considerados estratégicos.

Nesse contexto, a América Latina é vista principalmente como um espaço a ser estabilizado, controlado e funcionalizado para objetivos norte-americanos, sobretudo no que diz respeito ao controle de fluxos migratórios, ao combate ao narcotráfico e a organizações criminosas transnacionais, à proteção de rotas comerciais e à reorganização de cadeias produtivas sob o conceito de nearshoring.

A estratégia associa de modo direto instabilidade política, migração, crime organizado e presença de atores extra-regionais, criando uma base conceitual que legitima pressões políticas, econômicas e, em determinados casos, o uso explícito de instrumentos militares e de segurança. Para a região como um todo, isso implica uma redução do espaço para políticas externas diversificadas e para projetos autônomos de integração regional.

Do ponto de vista brasileiro, o documento é particularmente revelador pelo que diz e pelo que silencia. O Brasil não é mencionado nominalmente, o que indica que não é visto nem como um aliado automático nem como um adversário direto, mas como um ator de peso cuja autonomia gera ambivalência estratégica. Essa ausência não deve ser interpretada como irrelevância, mas como sinal de que o país é percebido como grande demais para ser ignorado e independente demais para ser plenamente enquadrado na lógica de “enlistamento” proposta para a região. O resultado é a colocação do Brasil em uma zona cinzenta, na qual a relação com os Estados Unidos tende a ser marcada mais por pressões indiretas e condicionantes do que por parcerias estratégicas estruturadas.

Essa abordagem colide com pilares históricos da política externa brasileira, como a busca por autonomia decisória, a diversificação de parcerias internacionais, o compromisso com o multilateralismo e a rejeição a alinhamentos automáticos. A rejeição explícita, por parte da estratégia norte-americana, à influência de potências extra-hemisféricas cria tensões objetivas com o aprofundamento das relações do Brasil com a China, hoje seu principal parceiro comercial, além de ator central em investimentos em infraestrutura, energia e tecnologia. Ainda que o documento enfatize cooperação econômica e comercial com países do Hemisfério Ocidental, essa cooperação é condicionada a alinhamento estratégico e à redução de vínculos considerados indesejáveis por Washington, o que restringe o espaço de manobra diplomático brasileiro.

No campo energético e de recursos naturais, a estratégia abre oportunidades e riscos simultâneos para o Brasil. A valorização explícita da energia nuclear, do petróleo e do gás como pilares da segurança nacional norte-americana cria um discurso potencialmente favorável à cooperação em áreas nas quais o Brasil possui capacidades relevantes ou ambições estratégicas. Entretanto, essa cooperação tende a ser assimétrica, orientada prioritariamente pelos interesses industriais e tecnológicos dos Estados Unidos, com baixa propensão à transferência efetiva de capacidades sensíveis. Ao mesmo tempo, a rejeição frontal às agendas climáticas globais e às políticas de transição energética baseadas em compromissos multilaterais coloca o Brasil diante de um dilema, dado seu engajamento diplomático em temas ambientais e climáticos e sua estratégia de projeção internacional associada à sustentabilidade.

A ênfase em minerais críticos e cadeias industriais estratégicas reforça esse dilema. O Brasil aparece implicitamente como potencial fornecedor relevante de matérias-primas essenciais, mas não como parceiro central em projetos de industrialização avançada. Sem uma política industrial robusta e assertiva, existe o risco de o país ser reposicionado predominantemente como elo primário de extração, em vez de avançar na agregação de valor e no domínio tecnológico. A lógica da estratégia norte-americana é garantir segurança de suprimento para sua própria economia e indústria de defesa, e não promover o desenvolvimento industrial endógeno de seus parceiros.

No plano da defesa e da segurança, a estratégia sugere uma intensificação da presença norte-americana no Hemisfério Ocidental, com ênfase em capacidades navais, controle de rotas marítimas e interoperabilidade seletiva. Para o Brasil, isso pode significar pressões futuras para alinhamento em agendas de segurança hemisférica que não correspondem integralmente às prioridades nacionais, especialmente no Atlântico Sul, espaço historicamente associado à projeção estratégica brasileira e à cooperação Sul-Sul.

Para a América Latina e o Caribe como um todo, o impacto tende a ser estruturalmente negativo em termos de autonomia e integração regional. A preferência por relações bilaterais transacionais enfraquece mecanismos regionais, fragmenta a região em parceiros preferenciais e casos problemáticos e reduz a capacidade de articulação coletiva. A instrumentalização da agenda migratória e de segurança cria justificativas para intervenções seletivas e para o condicionamento de investimentos e apoio econômico, aprofundando assimetrias internas e dependências externas.

Em síntese, a Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos de 2025 não apresenta à América Latina um projeto de desenvolvimento compartilhado ou uma visão de integração equilibrada. Trata-se, antes, de um marco estratégico que reafirma uma lógica de tutela hemisférica adaptada às condições do século XXI. Para o Brasil, o desafio central será converter seu peso econômico, territorial e político em margem efetiva de autonomia, evitando tanto o confronto aberto quanto a subordinação silenciosa. O êxito dessa equação será determinante não apenas para a posição internacional do país, mas também para sua capacidade de preservar algum grau de liderança e autonomia estratégica na América Latina em um cenário de competição geopolítica cada vez mais intensa.

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