Harrier: Entre o Mito e a Realidade — Porque o “Jump Jet” continua a ser brilhante

Em entrevista, o ex-piloto de Harrier Paul Tremelling desmonta mitos e explica por que o jato V/STOL britânico permanece uma das aeronaves mais singulares e eficazes já construídas.

Por DefesaNet

Introdução

Poucas aeronaves militares provocam debates tão apaixonados quanto o Harrier. Para muitos, trata-se de um ícone quase romântico, lembrado pelas manobras verticais e pela bravura na Guerra das Malvinas. Para outros, é um projeto limitado, superado pela tecnologia atual.

Conversamos com Paul Tremelling (história publicado no portal MSN por Autocar ), ex-piloto operacional da Royal Navy e um dos nomes mais respeitados no tema, para separar mito de realidade. Tremelling é direto: “O Harrier não foi apenas adequado. Ele foi brilhante.

A seguir, uma análise detalhada — em 10 pontos — que explica por que o “Jump Jet” ainda merece respeito.

01 — Estar Presente: Quando Ser o Único Faz Diferença

Na guerra, às vezes “estar lá” é tudo.
Durante o conflito das Malvinas, o Harrier GR3 e o Sea Harrier FRS.1 provaram que capacidade de presença é força de combate.

Com seu motor projetado para “pairar”, podia operar de pistas curtas, improvisadas ou semi preparadas. Isso permitia deslocamento para locais remotos como:

  • Belize
  • Malvinas
  • Zonas isoladas do Afeganistão

Em ambientes austeros, a cadência operacional compensava a menor carga de armas. Para os combatentes em terra, um Harrier no céu valia ouro.

02 — Operações no Mar: Nem Vulnerável Demais, Nem Indispensável Demais

Existe muita confusão quando se fala em porta-aviões. Não são indefesos, mas também não são obrigatórios para cada missão. O Harrier permite algo diferente: flexibilidade operacional real.

Com um caça V/STOL a bordo, a força naval podia:

  • aproximar-se por direções inesperadas,
  • evitar depender de países terceiros para sobrevoo,
  • ganhar surpresa estratégica.

E como a aeronave foi projetada desde o início para operar no ambiente naval, não havia “gambiarras”. Era natural: levantar voo do mar, pousar em terra, patrulhar o céu.

03 — V/STOL: A Vantagem Oculta que Quase Ninguém Menciona

Pairar e pousar verticalmente é impressionante, mas a verdadeira vantagem está no combustível.

A maioria dos caças carrega combustível extra para lidar com:

  1. vento cruzado no pouso,
  2. pista obstruída,
  3. alternado distante.

O Harrier elimina dois desses fatores.
Sem vento cruzado e sem depender de pista, o piloto pode voar com menos combustível extra — liberando peso para armas. Um ganho técnico pouco discutido, mas operacionalmente decisivo.

04 — Capota: Visibilidade é Sobrevivência

O canopy do Harrier sempre foi referência.
Nos modelos AV-8B e GR5/7/9, a visibilidade era excepcional: panorâmica, clara, sem molduras intrusivas.

Para missões de apoio aéreo aproximado, isso é essencial. Ver o terreno, ver tropas amigas, ver ameaças. Uma vantagem que Tremelling resume assim:

“A consciência situacional do Harrier era soberba.”

05 — Cabine e Sistemas: Tudo o Que Importa, Nada do Que Complica

O Harrier não era um caça “enfeitado”. Era funcional, direto, eficiente.

Entre seus sistemas essenciais:

  • Imagens do Sniper Pod diretamente ao piloto
  • Mapas móveis e base de dados de terreno
  • Entrada rápida de coordenadas (Lat/Long ou MGRS)
  • FLIR para pó, noite e inverno
  • HUD alternativo em telas
  • Rádios Have Quick e Saturn

Tudo isso reduzia a carga de trabalho e aumentava a letalidade — especialmente em apoio às forças terrestres.

06 — Assento Único: Quando Menos é Mais

Plataformas táticas monolugares têm uma longa história de sucesso (F-16, F/A-18, F-22, P-51). Se a aeronave fornece ao piloto as informações necessárias, não há razão para complicar com uma segunda tripulação.

Tremelling explica com humor:

“Você pede um Uber e entrega seu celular para outra pessoa decidir onde você vai? Não. Porque a interface é simples e funciona.”

O Harrier foi projetado exatamente nessa filosofia.

07 — Combate Ar-Ar: Não Era um Caça, Mas Sabia Lutar

O Harrier não foi concebido como caça puro — mas era surpreendentemente competente:

  • pacotes de contramedidas,
  • alertas de aproximação de mísseis,
  • pod TERMA para detecção adicional,
  • Sidewinders AIM-9L/M.

E depois veio o salto tecnológico: radar APG-65 + AMRAAM.

Uma aeronave de ataque capaz de lançar o principal míssil ar-ar ocidental de médio alcance?
Para Tremelling, este detalhe basta para mostrar que o Harrier era muito mais perigoso do que muitos imaginam.

08 — Armamento: Simples, Variado e Eficaz

Mesmo sem canhão nas variantes britânicas de segunda geração, o Harrier carregava uma seleção impressionante:

  • Bombas de 245 e 455 kg
  • Bombas retardadas
  • Foguetes CRV-7 com diversas ogivas
  • Paveway II / III / IV
  • Maverick TV/IR

Com mira adequada e piloto treinado, era devastador.
Aos críticos que reclamavam de limitações de combustível em cargas maiores, Tremelling lembra:
“Todos os jatos têm suas restrições.”

09 — O Motor Pegasus: Potência é Vida

Mais potência significa:

  • decolagens mais seguras,
  • pousos mais controlados,
  • maior margem para manobras,
  • retorno com mais armamento,
  • maior sobrevivência.

Os GR7A/GR9A, equipados com Pegasus melhorado, transformaram o Harrier de “muito bom” em excelente.
A manobrabilidade aérea, já respeitável, aumentou.
A segurança em V/STOL também.

10 — Conclusão: Não Apenas Um Ícone, Mas Uma Máquina Brilhante

Somando todos os elementos, o quadro final é claro:

– Monoplace eficiente
– Boa capacidade ar-ar
– Ampla variedade de armamentos
– Pouquíssimos requisitos de pista
– Operação no mar e em zonas remotas
– Cockpit funcional e excelente visibilidade
– Capacidade real de apoiar tropas em qualquer ambiente

O Harrier não foi apenas adequado.
Foi brilhante, inovador e operacionalmente único.
Um avião que cumpriu missões impossíveis para outras plataformas — e que ainda hoje permanece sem um sucessor direto perfeito, mesmo com o advento do F-35B.

BOX — Evolução do Harrier

Royal Air Force / Royal Navy

  • Harrier GR1 → GR3
  • Sea Harrier FRS.1 → FA2
  • Harrier GR5 → GR7 → GR9 → GR9A

Estados Unidos (USMC)

  • AV-8A
  • AV-8B / AV-8B Night Attack
  • AV-8B Harrier II+ (radar APG-65)


Fonte: Autocar/MSN


O projeto do Harrier

O Harrier nasceu no fim dos anos 1950 como um projeto britânico para criar uma aeronave V/STOL (decolagem e pouso vertical/curto), capaz de operar sem pistas convencionais. A ideia surgiu em plena Guerra Fria, quando o Reino Unido temia que bases aéreas fossem destruídas logo no início de um conflito.

A Hawker Siddeley desenvolveu o conceito a partir do protótipo P.1127, que utilizava o inovador motor Pegasus, com bicos vetores capazes de direcionar o empuxo para realizar voo vertical. O programa, inicialmente experimental, evoluiu para o Kestrel, usado em avaliações conjuntas por Reino Unido, EUA e Alemanha.

O bom desempenho levou à criação do Harrier GR.1, o primeiro caça operacional V/STOL do mundo, que se tornaria uma das aeronaves mais versáteis da OTAN por operar de pistas improvisadas, estradas e pequenos porta-aviões.

Evolução do Harrier — Versão Resumida

1. P.1127 e Kestrel — A origem

Após o sucesso do protótipo P.1127 e das avaliações do Kestrel nos anos 1960, ficou claro que a tecnologia V/STOL tinha potencial operacional real.

2. Harrier GR.1 / GR.3 — Primeira geração

O Reino Unido adotou o Harrier GR.1 como o primeiro caça operacional V/STOL do mundo. Ele oferecia flexibilidade tática ao operar de pistas curtas, estradas e bases avançadas. A versão GR.3 trouxe melhorias no motor Pegasus, aviônicos e sensores.

3. Sea Harrier — A versão naval

A Royal Navy desenvolveu o Sea Harrier (FRS.1) para operar nos porta-aviões leves Invincible. Recebeu radar Blue Fox e modificações estruturais. Tornou-se famoso na Guerra das Malvinas (1982), quando seu desempenho e armas guiadas garantiram a superioridade aérea britânica.

Posteriormente evoluiu para o Sea Harrier FA.2, com radar Blue Vixen e mísseis AIM-120 AMRAAM.

4. AV-8A / AV-8B — A linha americana

A partir de cooperação com a McDonnell Douglas, surgiu o AV-8A para o US Marine Corps. Mais tarde veio o AV-8B Harrier II, com fuselagem redesenhada, asa maior, cockpit moderno e maior capacidade de carga.

O AV-8B gerou variantes como:

  • AV-8B Night Attack
  • AV-8B Plus (radar APG-65, capacidade BVR)
  • Harrier II GR.5/7/9 para a RAF

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