Rússia reforça defesa da Venezuela e reacende o tabuleiro geopolítico da América Latina

Por Ricardo Fan, para DefesaNet

A recente declaração do deputado russo Alexei Zhuravlev, sobre o envio de sistemas antiaéreos Pantsir-S1 e Buk-M2E à Venezuela, reacende tensões no eixo estratégico entre Moscou, Caracas e Washington, e sugere um novo capítulo na disputa de influência militar na América Latina.

Ainda mais sensível é a possibilidade, ventilada pelo parlamentar, de fornecimento futuro de mísseis de cruzeiro Kalibr e Oreshnik — vetores empregados em ataques à Ucrânia — que, se concretizada, colocaria o continente novamente sob a sombra de uma “mini Crise dos Mísseis de Cuba”.

A parceria Moscou–Caracas: geopolítica e sobrevivência mútua

Desde os anos 2000, a cooperação militar russo-venezuelana tornou-se um dos pilares da sobrevida estratégica do regime chavista. A Força Aérea Venezuelana opera caças Su-30MK2, enquanto o Exército possui sistemas S-300VM, blindados russos e um histórico de exercícios conjuntos.

O envio recente de novos sistemas antiaéreos e a especulação sobre mísseis de longo alcance indicam uma tentativa de Moscou projetar influência hemisférica em meio ao isolamento diplomático e militar imposto pelo Ocidente devido à guerra na Ucrânia.

Para Nicolás Maduro, a aliança com a Rússia representa mais que uma demonstração de força: é uma garantia de sobrevivência política. Com o país sob sanções norte-americanas e europeias, o apoio russo fornece dissuasão estratégica e reforça a narrativa de resistência ao “imperialismo ocidental”.

A resposta dos Estados Unidos: o Caribe como linha vermelha

Em paralelo, os Estados Unidos ampliam sua presença naval no Caribe, oficialmente sob o pretexto de combate ao narcotráfico. O deslocamento do porta-aviões USS Gerald R. Ford e de navios de escolta para a região indica, contudo, uma postura mais assertiva e preventiva diante da reaproximação militar entre Caracas e Moscou.

Fontes citadas pelo The War Zone e pelo New York Times sugerem que o governo norte-americano teria discutido, ainda durante a administração Trump, planos de contingência para ações militares limitadas na Venezuela — incluindo o controle de instalações petrolíferas e ataques seletivos contra forças leais a Maduro. Ainda que tais medidas não tenham sido implementadas, o simples fato de estarem sobre a mesa revela o nível de preocupação estratégica de Washington.

O retorno da dissuasão de proximidade

A possível transferência de mísseis de cruzeiro Kalibr ou balísticos Oreshnik teria profundo impacto simbólico e operacional. Com alcances estimados entre 1.500 e 2.500 km, tais vetores poderiam, em teoria, atingir alvos no sul dos Estados Unidos, incluindo partes da Flórida e do Golfo do México.

Embora especialistas avaliem que as sanções e as limitações industriais russas tornem improvável um fornecimento em larga escala, a mera possibilidade técnica já altera o cálculo estratégico da região.

O envio desses sistemas, mesmo em quantidade limitada, introduz um novo vetor de dissuasão assimétrica e projeção de poder extrarregional. Em um cenário de crescente tensão entre a OTAN e a Rússia, o uso da Venezuela como plataforma de pressão hemisférica representaria uma resposta simbólica de Moscou ao cerco ocidental na Europa Oriental.

América Latina no novo equilíbrio multipolar

O episódio confirma que a América Latina, historicamente periférica nas disputas de alta intensidade, volta a ser campo de influência cruzada entre potências. A presença simultânea de ativos russos, chineses e norte-americanos em diferentes países do continente revela que o tabuleiro regional está se tornando cada vez mais multipolar e competitivo.

Para o Brasil e seus vizinhos, o desafio será manter a neutralidade estratégica e evitar o arrasto em confrontos geopolíticos externos. A eventual militarização da Venezuela com armamentos de longo alcance reintroduz o risco de corridas armamentistas regionais e reforça a necessidade de uma diplomacia de equilíbrio por parte dos países do Cone Sul.

O envio de sistemas russos à Venezuela e a perspectiva de mísseis de longo alcance marcam um ponto de inflexão na segurança hemisférica. Mesmo que limitada, essa cooperação sinaliza uma resposta geopolítica direta de Moscou à presença dos EUA no Caribe, transformando o entorno estratégico sul-americano em mais uma frente da disputa global entre as grandes potências.

Como na Guerra Fria, o Caribe volta a ser palco de um jogo perigoso — agora travado em meio à interdependência energética, ao ciberconflito e à guerra de narrativas.

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