Do Combate ao Conluio: A Formação de um Narco-Estado

por João Paulo de Souza

Operação Contenção

A megaoperação policial no Rio de Janeiro, em outubro de 2025, chamada Operação Contenção, resultou em 121 mortos e na apreensão de 120 armas de fogo (93 fuzis, além de pistolas, metralhadoras, explosivos e equipamentos militares), muitas delas de origem venezuelana e cubana, evidenciando o grau de internacionalização do crime organizado e o fluxo transfronteiriço de armas. O episódio revela o dilema central enfrentado pela Segurança Pública brasileira: a inversão moral e ideológica que transformou criminosos em vítimas e policiais em vilões.

Assim, a Operação Contenção não foi apenas um confronto policial, mas um divisor de águas na guerra interna brasileira: o choque entre a legalidade e o conluio.

A reação das elites políticas, de parte da mídia militante e de organismos internacionais foi imediata: criminaliza-se o combate ao crime e santificam-se os criminosos.

A esse fenômeno, Roger Scruton denominou de “corrupção moral das elites intelectuais, que substituem a virtude pela vitimização”. É a inversão moral — onde o bem passa a ser odiado e o mal exaltado, cuja expressão contemporânea foi chamada de “tirania da emoção”, a substituição da razão pela manipulação sentimental como instrumento de dominação ideológica.

A “tirania da emoção” descreve quando a opinião pública é condicionada a sentir compaixão pelo transgressor e desprezo por quem o combate, um estágio avançado de corrupção simbólica em que a razão moral é substituída pela sensibilidade ideológica (SCRUTON, 2019).

Mesmo sabendo que 70% dos mortos eram brancos (valor estimado pelas fotos) e que todos ou a grande maioria destes portasse armamento de guerra, como fuzis e pistolas militares, trajando equipamentos operacionais e uniformes camuflados, a narrativa midiática dominante apresentou a ação como uma “tragédia humanitária”, uma “chacina”, ignorando a opinião dominante dos 57% dos moradores da região do complexo de favelas que aprovaram a operação, segundo Datafolha (2025).

O governo federal, por sua vez, não ofereceu apoio logístico nem político, sinalizando o desconforto ideológico de uma gestão alinhada a correntes que relativizam o crime sob o rótulo de “justiça social”: “os traficantes são vítimas dos usuários”, segundo o governante.

Como advertiu Olavo de Carvalho (2013), “o inimigo moderno não se apresenta como agressor, mas como vítima”. Com a ascensão de governos alinhados à esquerda revolucionária, consolidou-se um processo de aparelhamento do Estado, manipulação cultural e politização da criminalidade, característico das sociedades em transição para regimes de simbiose entre poder e criminalidade.

O episódio expôs a consolidação de vazios de soberania, conceito formulado por Golbery do Couto e Silva, segundo o qual áreas onde o Estado recua são inevitavelmente ocupadas por forças paralelas.

No entanto, em vez de apoiar o restabelecimento da autoridade, segmentos do próprio Estado e da sociedade civil optaram por proteger a criminalidade, sob o disfarce do humanitarismo e de narrativas ideológicas.

O resultado é um Estado que não apenas tolera o crime, mas o legitima, transformando a complacência em política pública.

Engenharia Ideológica e o Marxismo Cultural

Essa idolatria do criminoso e a demonização das forças de segurança não são fenômenos espontâneos: resultam de décadas de doutrinação cultural inspirada na estratégia gramscista de “conquista dos aparelhos culturais e educacionais do Estado”.

Portanto, o Brasil vive o amadurecimento de um conluio político-criminal-ideológico, em que o crime, a política e a ideologia fundem-se num mesmo projeto de poder. Essa simbiose é fruto de décadas de corrosão institucional, iniciada nas universidades e expandida para o sistema jurídico, a imprensa e o meio político sob a hegemonia gramsciana.

O projeto de poder da esquerda revolucionária compreendeu que a dominação duradoura não se impõe pela força, mas pela conquista do imaginário e da cultura. Assim, o discurso dos “direitos humanos” transformou-se em arma ideológica, e as organizações criminosas tornaram-se instrumentos políticos úteis.

O Estado formal subsiste, mas sua substância foi capturada por interesses espúrios, dando origem a um Estado Capturado. Autores contemporâneos como Ernesto Araújo (2019) e Flávio Gordon (2016) descrevem esse processo como uma reengenharia simbólica, que deslocou o eixo moral da sociedade: a autoridade tornou-se opressão, a justiça virou perseguição e o crime foi transformado em resistência.

A cultura passou a legitimar o desvio como expressão de luta, convertendo bandidos em mártires e policiais em algozes. Esse ambiente ideológico doentio contaminou a imprensa, o sistema judicial e parte da academia, criando uma suposta “elite intelectual”, que confunde pobreza com criminalidade e impunidade com direitos humanos. A inversão moral e simbólica tornou-se o alicerce da desordem institucional que fragiliza o Brasil.

ADPF das Favelas e o Precedente Brizolista


A ADPF 635 (ADPF das Favelas), ajuizada em 2019 pelo PSB e relatada pelo Ministro Edson Fachin, simboliza essa inversão institucionalizada. Sob o pretexto de “defesa de direitos humanos”, o Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2020, impôs restrições severas às operações policiais no Rio de Janeiro, estabelecendo que forças de segurança só poderiam agir em casos “excepcionais” e com comunicação prévia ao Ministério Público.

Sob o pretexto humanitário, impôs-se um bloqueio operacional às forças da lei, neutralizando a ação do Estado. Na prática, a medida impediu que as forças do Estado combaterem efetivamente o avanço da criminalidade, criando “áreas de exclusão” onde o poder público depende de autorização judicial para agir. Em verdade, estes espaços se tornaram áreas territoriais em que a lei do Estado não vigora e o poder armado paralelo impõe sua soberania, consolidando “santuários do crime”, ou seja, territórios autônomos dentro do território nacional.

Na prática, o Estado deixou de exercer sua soberania plena nas “áreas de exclusão”, onde a lei nacional é substituída pela lei das facções. Esses espaços configuram “vazios de soberania”, termo de Golbery do Couto e Silva, em que o Estado é substituído por poderes paralelos.

A decisão da Suprema Corte repete a ação histórica do governo Leonel Brizola, nos anos 1980, ao proibir a polícia de subir os morros sob o argumento de evitar abusos. A consequência imediata, nas décadas seguintes, foi a consolidação da estrutura das facções do tráfico e expansão do crime organizado no Rio de Janeiro.

Hoje, sob roupagem “humanitária” e legitimação judicial, repete-se a mesma fórmula, mas com efeitos muito mais profundos, pois o país vive agora a institucionalização da conivência, em que o discurso de direitos é usado como escudo para o crime.

Em outras palavras, a Operação Contenção foi o resultado de anos da impossibilidade de ação efetiva das forças de segurança frente ao crescimento da ação criminosa, ou seja, efeito “panela de pressão”: um último grito de resistência à criminalidade. Como observou Burke, “a justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirania”.

As Três Fases da Relação Estado–Crime

A evolução da criminalidade organizada e de sua interação com o Estado segue um padrão observável em diversos países latino-americanos:

  1. Fase 1 – Estado combate o crime (Colômbia, anos 1980) – O Estado reconhece o narcotráfico como ameaça existencial e reage com energia e legitimidade, apoiado pela população e por alianças internacionais.
  2. Fase 2 – Estado tolera o crime (México, pós-2000) – O Estado passa a coexistir com o crime, negociando e evitando enfrentamentos diretos. As facções tornam-se parte da economia e da estrutura social.
  3. Fase 3 – Estado coopera com o crime (Venezuela, pós-2010) – As fronteiras entre governo e facções se dissolvem: o narcotráfico financia campanhas, infiltra-se em instituições e garante proteção política. O Estado torna-se um narco-regime. Desde o início dos anos 2000, o Brasil migra da fase 2 para a fase 3, à medida que o narcotráfico se infiltra em instituições, financia campanhas e influencia decisões judiciais e
    legislativas, impulsionado por alianças tácitas entre políticos, facções e agentes públicos, caracterizando o estágio avançado de uma guerra híbrida interna. Como destaca Meira Mattos (1983), “a degradação da autoridade nacional começa na perda do controle sobre o próprio território”. O país, outrora Estado de Direito, aproxima-se do narco-regime bolivariano, onde a criminalidade deixa de ser inimiga e passa a ser parceira política.

Guerra Híbrida e Desagregação Nacional

A Guerra Híbrida, doutrina desenvolvida e aplicada a partir da década de 2010, combina ações militares, psicológicas, jurídicas e culturais. A Guerra Híbrida é travada em tribunais, universidades, redações e redes sociais, onde se disputa o controle da narrativa e da percepção pública. No caso brasileiro, o campo de batalha é bem conhecido: escolas, tribunais, jornais e internet substituem os campos de combate. A ideologia relativista e o discurso da vitimização tornam-se armas cognitivas que paralisam o Estado, desmoralizam as forças legais e naturalizam a violência cotidiana.

Diversos autores, como Arquilla e Ronfeldt (1996), Valery Gerasimov (2013) e Moisés Naím (2013), explicam que a guerra moderna não se limita mais ao campo militar, mas envolve a captura das instituições e da informação.

E o crime organizado é um instrumento dessa desagregação. Trata-se de uma forma moderna de guerra cognitiva e moral, onde o poder se disputa na mente coletiva. A mídia militante, as ONGs e as lideranças políticas progressistas compõem um sistema de blindagem simbólica que converte criminosos em vítimas e
transforma o policial em réu. É a aplicação interna da doutrina de guerra híbrida, conforme descrita por Arquilla e Ronfeldt (Netwar) e Gerasimov: a guerra travada pela informação, pelo discurso e pela cultura.

“Sem princípios morais, a tirania é inevitável” (Edmund Burke) e a captura cultural precede a perda da soberania nacional.

O Estado Capturado

O Estado Capturado é o ponto de inflexão entre a ordem e o colapso. As instituições passam a atuar a serviço de interesses criminosos, sob disfarce de filantropia ou justiça social. O Executivo torna-se refém de coalizões partidárias; o Legislativo, instrumento de lobby; o Judiciário, arena de militância ideológica.

A partir desse ponto, formam-se territórios autônomos, milícias sociais e “microestados” criminosos, onde a força legítima é substituída pela força paralela, sintomas de erosão institucional e subversão da autoridade.

O sistema de segurança é desmoralizado; o sistema prisional, cooptado; o Ministério Público e a Defensoria convertem-se em trincheiras jurídicas do crime. O que se configura é um Estado invertido, onde a lei pune o policial e protege o criminoso; onde a impunidade é virtude e a autoridade é tirania.

Essa engenharia jurídica serve como couraça moral da desordem. Em nome da “democracia”, institucionaliza-se a conivência. O Estado deixa de representar o interesse público e passa a administrar o conluio.

A Narrativa e o Imaginário

Nenhuma dominação perdura sem controle do imaginário coletivo. O crime organizado e a militância ideológica compreenderam que a batalha cultural é mais poderosa que a batalha militar. A “estética do caos”, presente na música, nas redes e na mídia, romantiza o bandido, ridiculariza a autoridade e redefine o herói como vilão.

Trata-se da culminação da engenharia cultural gramsciana, que inverte valores, substitui o mérito pela vitimização e o discernimento pela piedade manipulada. A consequência é um povo desarmado moralmente, incapaz de distinguir o certo do errado, o justo do injusto. O crime torna-se símbolo de resistência e o dever, sinônimo de opressão. Essa vitória simbólica do crime é também a derrota moral da civilização.

Operação Contenção e o Sintoma do Narco-Estado em formação

A Operação Contenção revelou o estágio avançado de degradação: fuzis venezuelanos e cubanos, drogas colombianas, dinheiro de facções, milícias locais e cobertura ideológica global compõem o novo complexo criminal latino-americano.

Esse sistema transnacional de poder opera com apoio político, financiamento externo e proteção jurídica, formando a base operacional do narco-Estado brasileiro em fase avançada de formação, no qual a estrutura estatal é funcionalmente dependente do crime.

O episódio também evidenciou o alinhamento entre narcotráfico e geopolítica. Venezuela e Cuba oferecem logística e retaguarda; ONGs internacionais fornecem o discurso legitimador; setores judiciais garantem impunidade.

Trata-se de um modelo híbrido de captura ideológica, sustentado pela miséria moral e pela captura intelectual da sociedade. Apesar de ter tido êxito tático, pela destruição de arsenais e neutralização de criminosos, a Operação Contenção demonstra a falência moral coletiva, que contamina as instituições e impede o país de sair de sua trajetória de erosão institucional.

E, assim, o Brasil caminha rapidamente para o ponto em que crime, ideologia e poder político se fundem, consolidando um narco-Estado em formação com aparência de democracia. A idolatria de criminosos, a complacência estatal e a manipulação midiática são sintomas de uma captura cultural profunda, que desarma espiritualmente a nação.

O país é palco de um verdadeiro conflito civilizacional, no qual dois projetos antagônicos disputam a alma nacional: de um lado, o da lei, da fé e da ordem; de outro, o da ideologia, do caos e da servidão moral. A restauração da ordem exige mais que reformas institucionais, requer reconstrução moral e espiritual, restauração da autoridade e recuperação da soberania interna.

Sem o monopólio da força e da verdade moral, o Estado é mera fachada e deixará de ser uma nação com narcotraficantes para tornar-se um narco-Estado com bandeira, hino e parlamento. “O mal triunfa quando os bons nada fazem” (Edmund Burke). É preciso romper o pacto tácito de tolerância com o crime. Enquanto houver brasileiros em defesa moral da honestidade haverá esperança.


Referências:


ARQUILLA, J.; RONFELDT, D. The Advent of Netwar: The Changing Face of Conflict in the Information Age. Santa Monica: RAND Corporation, 1996.

ARAÚJO, Ernesto. O Pendor Revolucionário e o Marxismo Cultural. Brasília: MRE, 2019.

BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1790.

CARVALHO, Olavo de. O Mínimo que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota. Rio de Janeiro: Record, 2013.

COUTO E SILVA, Golbery do. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.

GERASIMOV, Valery. The Value of Science is in the Foresight. Military-Industrial Courier, Moscou, 2013.

GORDON, Flávio. A Corrupção da Inteligência. Rio de Janeiro: Record, 2016.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1932.

MATTOS, Carlos de Meira. A Geopolítica e as Projeções do Poder. Rio de Janeiro: Bibliex, 1983.

NAÍM, Moisés. O Fim do Poder. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

NYE, Joseph S. The Future of Power. New York: PublicAffairs, 2011.

SCRUTON, Roger. As Vantagens do Pessimismo. Rio de Janeiro: Record, 2019.


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