Julio Cezar Rodrigues Eloi
Em tempos de conflitos pelo globo, como por exemplo, entre a Rússia e a Ucrânia, no leste europeu, além dos recorrentes embates no entorno de Israel, no Oriente Médio, a palavra geopolítica é assunto de acirrados debates na mídia televisiva, política externa e em artigos acadêmicos. Neste sentido, segundo o general brasileiro Meira Mattos (1979), a geopolítica é tratada como “a arte de aplicar a política nos espaços geográficos”
Há consenso, no âmbito dos estudos académicos, que o neologismo foi originalmente cunhado em 1899, pelo sueco Johan Rudolf Kjellén, cientista político, jurista e docente das Universidades de Gotemburgo e Uppsala (Amusquivar & dos Passos, 2018; Fernandes, 2002). Segundo o próprio Kjellén, a geopolítica “é a ciência que concebe ao Estado como um organismo geográfico ou um fenômeno no espaço” (Caubet, 1983).
Com origem na Escandinávia, a discussão ganhou peso em outros países, como a Alemanha (Amusquivar & dos Passos, 2018). Caubet (1983) citou o Instituto de Geopolítica de Munique, em que a geopolítica “é a doutrina das relações da terra como os desenvolvimentos políticos. Baseia-se nos sólidos fundamentos da geografia, especialmente da geografia política, como doutrina e estrutura das organizações políticas no espaço”.
Ao ser mencionada a disciplina de geografia política, torna se pertinente diferenciá-la da geopolítica, de forma que o professor Everardo Backheuser (1942) transcreveu o general alemão Karl Ernst Nikolas Haushofer:
“geopolítica é a ciência das formas da vida política nos espaços vitais naturais, compreendidos em sua vinculação ao solo e dependência dos movimentos históricos; e
geografia política é a ciência da distribuição do poder do Estado através dos “espaços” da superfície da Terra e na dependência da morfologia, clima e revestimento florestal dos mesmos”.
É bem interessante destacar que além dos autores citados acima, há clássicas contribuições à geopolítica mundial, nas obras do alemão Friedrich Ratzel, dos franceses Paul Vidal de La Blache, Yves Lacoste e Jean Jacques Élisée Reclus, do britânico Halford John Mackinder, do neerlandês Nicholas Spykman e do almirante estadunidense Alfred Thayer Mahan. No caso brasileiro, além de Backheuser e Meira Mattos, há pesquisas destacadas nos nomes do marechal Mário Travassos, do general Golbery do Couto e Silva, e a professora Therezinha de Castro.
Dadas as definições introdutórias, este artigo se propõe a discutir um tema de significativa importância na atualidade, que é a geopolítica da ciência. Tal proposta é relevante por constar das agendas das nações em desenvolvimento, as quais buscam melhorar o nível de vida de suas populações, como base em políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), assim como Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
A crise decorrente da pandemia de COVID-19 reforçou a relevância da geopolítica da ciência (Barros, 2022). Para o mesmo pesquisador, tanto a grave situação sanitária do novo coronavírus como o recente conflito na Ucrânia ampliaram tendências de acirramento das disputas internacionais. Nesse contexto, a China se consolidou como potência global com um processo de desenvolvimento sustentado pelo crescimento industrial articulado com a produção científica e tecnológica (Barros, 2022).
A posição chinesa na geopolítica da ciência tem sido evidenciada em publicações nos “hipercatálogos” internacionais, como a Web Of Science e a Scopus. A base de dados Scopus é mantida pela empresa editorial neerlandesa Elsevier, especializada em conteúdo científico (Schulz, 2021). Segundo o mesmo autor, foram indexados na Scopus em 1996, cerca de 1,2 milhão de artigos, sendo que os dos Estados Unidos (EUA) correspondem a 28% deles, ao passo que a China apresentava uma cota de 2,8%, e o Brasil, 0,7% do total.
Para Schulz (2021), no ano de 2019 foram indexados por volta de 3,4 milhões de artigos no planeta: a cota estadunidense reduziu para 20%, enquanto o Brasil majorou sua participação para 2,6%. E a China empatou com os EUA: a distribuição geopolítica da ciência se modificou profundamente em 25 anos (Schulz, 2021).
Figura 1 – Distribuição da produção científica de cada país por área de conhecimento

Fonte: Schulz (2021).
De acordo com o gráfico apresentado na Figura 1, as agendas brasileira e estadunidense são semelhantes no geral, com a liderança nas investigações em medicina (Schulz, 2021). Em contraponto, no caso chinês, os esforços são concentrados predominantemente em engenharia e áreas correlatas. Assim sendo, a mesma pesquisa indica que a significativa diferença entre o Brasil e os EUA, reproduzida em relação a quase todos os países do mundo, reside nas ciências agrícolas.
No trabalho de Johnson, Adams, Grant e Murphy (2022), os resultados indicam que o grupo do G7 de grandes economias (EUA, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Japão) respondeu por fatia superior a 60% dos artigos indexados na Web of Science; no que a antiga URSS obteve resultado superior a de 5% dos artigos; e a China, em porção inferior a 1% antes de 1990. Nessa seara, os mesmos pesquisadores destacam importantes alterações nas últimas décadas, de forma que em 2020, o G7 coletivamente produziu menos da metade da pesquisa global publicada, apenas 42%, enquanto a China aumentou sua produção para surpreendente 25% da pesquisa mundial.
Estimulado pelo enorme crescimento do seu Produto Interno Bruto (PIB) e seu foco em melhorar o ensino superior, esse incremento na produção refletiu a crescente participação chinesa nos investimentos globais em P&D, que ultrapassou os EUA (Johnson, Adams, Grant & Murphy, 2022). De outra forma, os mesmos resultados assinalam que a Rússia atualmente ocupa a 16ª posição na produção mundial de pesquisa, respondendo por menos de 3% das principais publicações, significativamente distante da histórica posição soviética, outrora como a 5ª editora mais prolífica do planeta (Johnson, Adams, Grant & Murphy, 2022).
A Federação Russa tem investido apenas 1% do PIB em P&D, e sua força de trabalho de pesquisadores baixou 20% desde 2000, sendo que a metade de sua colaboração internacional é limitada à astronomia, à física nuclear e de partículas (Johnson, Adams, Grant & Murphy, 2022). Neste sentido, enquanto a Rússia perde relevância em sua antiga esfera de influência, a República Popular da China estabelece conexões cada vez mais profundas com nações que antes estavam diretamente na esfera de influência de Moscou (Johnson, Adams, Grant & Murphy, 2022).
No centro-leste europeu, a Rússia é a principal colaboradora, ou seja, coautora internacional mais frequente apenas com a Bielorrússia, enquanto seu relacionamento histórico com a Ucrânia evidentemente naufragou pelos recentes conflitos (Johnson, Adams, Grant & Murphy, 2022). Nos últimos anos a colaboração russa tem sido frequente apenas com a Bielorrússia, Sérvia, Bulgária e Letônia. Na citada pesquisa, a China evoluiu da 13ª posição em 2011 para ser a 2ª colaboradora mais frequente da Bielorrússia, de forma que saltou da 14ª para a 9ª colocação na Ucrânia, e na Polônia, do 22º para 8º lugar, em dados atualizados em 2021 (Johnson, Adams, Grant & Murphy, 2022).
Este artigo apresentou os conceitos de geopolítica, geografia política e geopolítica da ciência. Sem a pretensão de esgotar o assunto, as descobertas mais contundentes são a recente liderança chinesa na produção científica global. Em 2020, o G7 desenvolveu menos da metade da produção científica mundial, com 42%, seguidos pela China, que detém a fatia de 25%, ultrapassando os EUA. Outro fato de destaque é que os esforços chineses desenvolvem conexões cada vez mais significativas com antigos parceiros russos, que segundo Johnson, Adams, Grant e Murphy (2022) indicam que enquanto o “urso tropeça”, o “dragão voa alto” na geopolítica da ciência.
Referências
Amusquivar, É. L., & dos Passos, R. D. F. (2018). A gênese da geopolítica e sua difusão na história mundial. Revista Brasileira de Estudos de Defesa, 5 (1). Disponível em: https://rbed.emnuvens.com.br/rbed/article/download/75055/42073 . Acesso em: 22 out. 2025.
Backheuser, E. (1942). Geopolítica e geografia política. Revista Brasileira de Geografia, 4 (1), 21-38. Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/3422 . Acesso em: 22 out. 2025.
Barros, P. S. (2022). O Tempo do mundo das políticas de ciência, tecnologia e inovação. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/13289 . Acesso em: 22 out. 2025.
Caubet, C. G. (1984). A geopolítica como teoria das relações internacionais. Uma avaliação crítica. Seqüência: estudos jurídicos e políticos, 5 (8), 55-74. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4818004.pdf . Acesso em: 22 out. 2025.
Fernandes, J. P. T. (2002). Da Geopolítica clássica à Geopolítica pós-moderna: entre a ruptura e a continuidade. Política Internacional, 26 (2), 161-186. Disponível em: https://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/gepoliticasPessJNeto.pdf . Acesso em: 22 out. 2025.
Johnson, J., Adams, J., Grant, J., & Murphy, D. (2022). Stumbling bear, soaring dragon: Russia, China and the geopolitics of global science. Disponível em: https://dash.harvard.edu/handle/1/37372501 . Acesso em: 22 out. 2025.
Meira Mattos, C. (1979). Brasil – geopolítica e destino. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio.
Schulz, P. (2021). Cientometria, a ciência da medida da ciência. Disponível em: https://cienciahoje.org.br/artigo/cientometria-a-ciencia-da-medida-da-ciencia/ . Acesso em: 22 out. 2025.
Julio Cezar Rodrigues Eloi é mestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Paulista (PPGA/ UNIP), especialista em Gestão Pública pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Possui artigos publicados sobre as inovações disruptivas da 4ª Revolução Industrial (Indústria 4.0), como: big data, blockchain, cibersegurança, drones, inteligência artificial (IA), internet das coisas (IoT) e metaverso.




















