“Se somos considerados uma organização terrorista de esquerda, por que então não agimos como tal?”

Cópia de parcial de carta, do COMANDO VERMELHO. Detentos da Ilha Grande (ou Instituto Penal Candido Mendes, Rio de Janeiro) pertencentes ao CCRI – Clube Cultural e Recreativo dos Internos a redigiram em outubro de 1987 e encaminharam a familiares e amigos.

Flávio César Montebello Fabri
Colaborador DefesaNet
01 Novembro 2025

Um processo de quase quatro décadas.

Enganam-se os que acreditam que o comportamento agressivo de algumas organizações criminosas, tal qual grupos terroristas, começou nos últimos anos. É um processo que está sendo estabelecido há décadas.

Os criminosos já percebiam que ocupavam um lugar especial: no imaginário (como terroristas). Tomaram consciência disso, difundiram esse pensamento (com apoio, vasto apoio), passaram a se organizar mais e ampliaram essa percepção externamente. Não é uma opinião pessoal. Trata-se de constatação feita a partir da consulta de documentos que podem ser lidos no Arquivo Nacional.

Em 1987, integrantes de um “Clube Cultural e Recreativo”, mais precisamente o CCRI – Clube Cultural e Recreativo dos Internos (detentos da Ilha Grande) redigiram uma carta para difusão. A mesma foi anexada posteriormente a um documento e chegou a ser encaminhada ao então Ministro-Chefe do SNI – Serviço Nacional de Informações (órgão de inteligência brasileiro, criado em 13 de junho de 1964 e extinto em 15 de março de 1990).

Cópia de parcial de carta, do COMANDO VERMELHO. Detentos da Ilha Grande (ou Instituto Penal Candido Mendes, Rio de Janeiro) pertencentes ao CCRI – Clube Cultural e Recreativo dos Internos a redigiram em outubro de 1987 e encaminharam a familiares e amigos.

 Cientes que a mensagem que queriam divulgar deveria alcançar mais pessoas, passaram a solicitar mais material de escritório. Por exemplo, somente em uma das cartas redigidas no segundo semestre de 1987, os integrantes do CCRI solicitavam o envio de 1000 folhas de papel ofício, uma caixa de papel carbono e dez caixas de fitas para máquina de escrever (tão como 100 lâmpadas, alegando problemas no sistema elétrico do presídio, o que os fazia ficar às escuras).

Quatro anos após a carta do “Clube Cultural”, os efeitos não somente já eram percebidos pela população: até o governo norte-americano advertia seus cidadãos sobre os riscos de visitar ou se hospedar no Rio de Janeiro. Estamos falando do ano de 1991.

Mas há um ponto que merece especial destaque: interferir no comportamento de toda uma sociedade e modificar valores sociais. Isso sim é problemático. Transcende a mudança de rotina, a imposição de governança não estatal e negar território ao próprio Estado (como se somente isso já não fosse extremamente grave).

Se os narcoterroristas do Rio de Janeiro colocam barricadas para evitar que o Estado entre em “seu território”, o que obrigou a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, em um único ano, remover o equivalente ao peso de uma Torre Eiffel em entulhos, via de regra, sob disparos de fuzis (ler DefesaNet – Se o Estado não chegar a eles, alguém chegará) outro problema também são as barricadas que os narcoterroristas derrubam, sendo a principal delas a barreira moral. Considerar cultura (na verdade narcocultura) músicas cujas letras enaltecem o crime e a violência (como exemplo meramente “hipotético”, que tal algo como “nós vai tacar fogo na cidade, só para ver se nós chama a atenção”), ir voluntariamente ouvir um repertório desse no mesmo ambiente onde estão criminosos armados e consumindo bebidas alcoólicas / drogas, ou mesmo defender essa forma de “expressão” como algo normal ou interessante, significa que a barreira moral de alguns foi colocada abaixo. Encerrou-se o limite entre a realidade e a reflexão sobre ato / conseqüência.

Rio de Janeiro, 1991 – um dos grandes impactos da ação de criminosos: a modificação do comportamento da sociedade, incluindo neste os valores.

De qualquer forma, os criminosos possuíam quem os apoiasse (ou mesmo se omitisse em relação ao que efetivamente eram) e passaram a colocar seus simpatizantes em associações de moradores. Quem era contrário, ou recebia ameaças ou acabava assassinado. Se poucos anos atrás, o então vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo – CONDEPE foi preso (e condenado) por estar na folha de pagamento do Primeiro Comando da Capital – PCC, imagine até onde penetrou o crime organizado nas entranhas do Estado, a partir da carta do Comando Vermelho de 1987. Não se trata somente do que ocorre em um Estado, mas do que é feito em todo território nacional.

Para quem não conhece o CONDEPE, sua existência é prevista na Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 110:

O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana será criado por lei com a finalidade de investigar as violações de direitos humanos no território do Estado, de encaminhar as denúncias a quem de direito e de propor soluções gerais a esses problemas.”

Foi até aí, em um órgão previsto na Constituição do Estado de São Paulo, que o crime organizado colocou um dos seus. Pronto para receber e encaminhar denúncias de violações dos direitos humanos. Desnecessário imaginar o desgaste que promovia, sendo remunerado pelo crime. Mas eles não param por aí. Fizeram antes, fizeram depois (quer seja recebendo pessoas chamadas pela mídia como “Dama do Tráfico” em eventos do Ministério da Justiça ou, mais recentemente, com altas autoridades do governo sendo recebidos por representantes de ONG, a exemplo do ocorrido da Favela do Moinho em São Paulo, onde podem ser lidas reportagens como “Ministério Público denuncia chefe da ONG do Moinho por ligação com o PCC” ou, sendo mais específico com o ambiente visitado pela comitiva, “PCC usava Favela do Moinho como quartel-general no Centro de SP para tráfico, lavagem e extorsão de moradores de até R$ 100 mil”) e certamente continuaram a fazer.

Se o crime é nefasto, decisões políticas (por ideologia pura ou tão somente com interesse na captação de votos) também são fatores de desestabilização da segurança pública, com impactos de longo prazo. Essa conclusão também chega por intermédio da leitura de relatório redigido em 21 de junho de 1991.

Percepção de 1991 a respeito do crime organizado no Rio de Janeiro: filosofia e estruturação empresariais voltadas para as atividades ilícitas. Também era percebido que ações dos órgãos de segurança eram dificultadas.

De uma carta redigida em um presídio a atuar em plena selva amazônica. Das celas (de onde deveriam permanecer presos por longo período) a garimpos ilegais em terras indígenas. Dos crimes cometidos nas ruas e demonstrações de poder ao imaginário popular. O preço alto é pago por quem não pode se defender. Do morador que é expulso aos funcionários de empresas que são ameaçados. Mais alto ainda, é o pago pelos policiais que enfrentam essa ameaça. Policiais que muitas vezes recebem ordens ou restrições de políticos sem a menor vivência na área e a conseqüência das decisões dos primeiros serão sentidas por décadas após o fim do mandato.

Notícias de 2025. Efeitos cujas respectivas causas remontam décadas.

De fato conseguiram duas coisas, algo facilmente constatável pelas notícias recentes: conforme o exemplo “hipotético” de música, realmente “tacaram” fogo na cidade e chamaram a atenção. Milhares de barreiras foram removidas, com muito custo e com muito risco, pela polícia. O problema é quando a barreira moral (que deveria separar muitos, particularmente aqueles com poder de decisão / influência, da barbárie promovida por narcoterroristas) é removida. Essa, muitas vezes demora anos para ser colocada em pé novamente.

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