Parceria entre Estocolmo e Kiev abre espaço para expansão do programa Gripen E/F e pode colocar o Brasil no centro das atenções industriais e diplomáticas do setor de defesa.
Por Redação DefesaNet
O recente acordo de intenções entre Suécia e Ucrânia para o fornecimento de até 150 caças Gripen E representa muito mais do que um contrato militar: trata-se de um movimento geopolítico e industrial de longo alcance, com implicações diretas para a Embraer e o complexo aeroespacial brasileiro.
Assinado em Linköping, sede da Saab AB, o memorando foi anunciado pelo primeiro-ministro sueco Ulf Kristersson e pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy. O documento projeta entregas graduais ao longo de 10 a 15 anos, com os primeiros caças previstos para 2026.
Embora ainda não haja fornecimento imediato, a dimensão do projeto coloca em evidência a capacidade industrial da Saab e seus parceiros internacionais — especialmente o Brasil, que hoje é co-desenvolvedor e coprodutor do Gripen E/F.
O programa Gripen e o elo brasileiro
O Gripen E/F é um caça multifunção de geração 4,5 projetado para alta interoperabilidade e baixo custo operacional, com destaque para sua aviônica avançada e integração de sistemas ocidentais.
No Brasil, o programa é conduzido pela Força Aérea Brasileira (FAB) e pela Embraer Defesa & Segurança, em cooperação direta com a Saab. O país é o único fora da Suécia a possuir uma linha de montagem final e centro de testes do Gripen, localizada em Gavião Peixoto (SP).
Essa estrutura faz do Brasil um polo industrial e tecnológico essencial para qualquer plano de expansão de produção da Saab — inclusive para atender a futuras demandas ucranianas.

O tripé brasileiro do Gripen: Embraer, Akaer e AEL Sistemas
O sucesso do programa no Brasil não se limita à Embraer. Ele repousa sobre um tripé industrial composto também pelas empresas Akaer Engenharia e AEL Sistemas, ambas referências tecnológicas no setor aeroespacial.
Embraer Defesa & Segurança (Gavião Peixoto/SP)
Responsável pela integração final, testes de voo e suporte logístico do Gripen F (versão biposto), a Embraer coordena toda a cadeia de parceiros nacionais e participa do desenvolvimento de sistemas de missão, simuladores e manutenção avançada.
Akaer Engenharia (São José dos Campos/SP)
Desde 2009, a Akaer colabora com a Saab no desenvolvimento de estruturas críticas da aeronave, como seções da fuselagem, asas e portas do trem de pouso principal.
A empresa recebeu transferência de tecnologia direta da Saab, com engenheiros brasileiros trabalhando na Suécia, e tornou-se referência em engenharia estrutural e materiais compostos na América Latina.
AEL Sistemas (Porto Alegre/RS)
Subsidiária da israelense Elbit Systems, a AEL é responsável por parte essencial da aviônica e da interface homem–máquina do Gripen E. Desenvolve o Wide Area Display (WAD) — o painel panorâmico de cockpit — e o capacete HMD (Helmet Mounted Display), que projeta informações diretamente na viseira do piloto.
Ambos os sistemas foram projetados e fabricados no Brasil, elevando significativamente o conteúdo tecnológico nacional do caça.


Capacidade industrial da Saab e a possível expansão
Com o acordo para 150 aeronaves, a Saab precisará ampliar sua capacidade produtiva, hoje estimada em algumas dezenas de caças por ano.
A existência de instalações industriais prontas no Brasil, com engenheiros treinados e domínio parcial do projeto, torna a Embraer e suas parceiras candidatas naturais à coprodução de parte das aeronaves ou subconjuntos destinados à Ucrânia.
Sem essa cooperação internacional, a Suécia enfrentaria dificuldades para produzir em massa no ritmo que o contrato exigiria — o que reforça o peso estratégico da estrutura já consolidada no Brasil.
O desafio político: Brasil, Suécia e a guerra na Ucrânia
A dimensão diplomática não é menos importante. Enquanto a Suécia consolida sua adesão à OTAN e se posiciona como fornecedora de defesa para o Leste Europeu, o governo brasileiro sob Luiz Inácio Lula da Silva mantém postura ambígua frente à guerra, com relações amistosas com Moscou no âmbito dos BRICS e críticas à estratégia ocidental.
Essa ambiguidade pode gerar tensões políticas sutis em futuras cooperações industriais, especialmente porque o Gripen E utiliza o motor General Electric F414-GE-39E, sujeito a licenças de exportação dos Estados Unidos.
Apesar disso, a Embraer e suas parceiras têm mantido total conformidade com normas internacionais e são reconhecidas como fornecedoras confiáveis. O fator determinante será a habilidade diplomática do governo brasileiro em manter diálogo aberto com a Europa e os EUA, preservando ao mesmo tempo sua autonomia política.

Riscos e oportunidades para o Brasil
Caso a Embraer, Akaer e AEL não participem da expansão do programa, o país perderá uma oportunidade estratégica de consolidação tecnológica e de geração de empregos qualificados.
Por outro lado, uma participação ativa poderia transformar o Brasil em polo regional de produção e manutenção do Gripen, reforçando sua presença nas cadeias globais de defesa e ampliando o retorno industrial de longo prazo.
A oportunidade é única: o Gripen E/F é o primeiro caça de alta tecnologia efetivamente co-produzido no Hemisfério Sul, e a continuidade dessa parceria pode posicionar o Brasil como exportador e integrador de soluções militares completas.
Conclusão
O acordo entre Suécia e Ucrânia marca um novo capítulo na reorganização da base industrial de defesa europeia, e coloca o Brasil diante de uma decisão estratégica: ser apenas observador ou protagonista.
Com Embraer, Akaer e AEL Sistemas, o país já detém infraestrutura, know-how e credibilidade internacional para participar ativamente da expansão do Gripen.
O que definirá o rumo dessa participação será a coerência entre política externa, diplomacia industrial e visão estratégica de longo prazo.
O Gripen E/F é mais do que um vetor de combate: é um instrumento de poder industrial, diplomático e tecnológico — e o Brasil tem em mãos a chance de mantê-lo como símbolo de soberania e parceria internacional inteligente.
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