OPERAÇÕES MILITARES MULTIDOMÍNIO
PARTE I – A Evolução do Campo de Batalha
Jorgito Stocchero
Doutor em Computação pela UFRGS, com expertise em sistemas C4ISR.
Coronel da reserva do Exército, é Diretor de Negócios na AEL Sistemas,
com foco em Sensores e Guerra Eletrônica, com mais de
30 anos de experiência na área de defesa.
Série de três artigos
1 – PARTE I – A Evolução do Campo de Batalha – Publicado
2 – PARTE II – Operações Multidomínio: Integração e Sincronização – Publicado
3 – PARTE III – A Nuvem de Combate
A guerra moderna, moldada por mudanças sociais, avanços tecnológicos e hiperconectividade, ultrapassa fronteiras tradicionais e ocorre, simultaneamente, nos domínios terrestre, aéreo, marítimo, espacial e cibernético — de metrópoles densas a áreas remotas.
Nesse ambiente complexo, adversários e não combatentes coexistem, ampliando a incerteza. Conceitos como Operações Multi-Domínio (MDO) e Internet das Coisas de Batalha (IoBT) — com uma nova Rede de Batalha que integra, de forma disruptiva, humanos e máquinas — estão redefinindo estratégias, forças militares e a base industrial de defesa, criando oportunidades e riscos.
Esse ensaio trata dessas questões e está dividido em 3 partes. Aqui – A Evolução do Campo de Batalha – tratamos da reorganização do espaço de combate e o papel central de Comando e Controle no contexto MDO. Na segunda parte – Operações Multidomínio: Integração e Sincronização – trataremos dos princípios, mecanismos e exemplos práticos que caracterizam a MDO. Finalmente – A Nuvem de Combate – são tratadas as tecnologias habilitadoras para a rede de batalha e seus impactos nas Forças Militares.
Compreendendo o Campo de Batalha Moderno: Um Sistema Complexo

Campo de Batalha do Século XXI: Operações em múltiplos domínios
O campo de batalha não é mais uma arena estática confinada ao terreno físico; ele evoluiu para um sistema dinâmico e interconectado onde as operações militares integram tecnologia, elementos humanos e fatores ambientais. Em sua essência, o campo de batalha abriga uma gama de funções de combate projetadas para atingir objetivos estratégicos. Essas funções incluem:
- Movimento e manobra: A capacidade de forças para obter vantagem tática e controlar o terreno, potencializado pela integração homem-máquina: a colaboração entre tropas e sistemas não tripulados acelera as operações, viabiliza manobras distribuídas e sincronizadas, reduz a exposição das tropas e aumenta a precisão na seleção de alvos e na tomada de decisão.
- Fogo: Emprego de efeitos letais e não letais para neutralizar alvos, suprimir defesas e moldar o ambiente operacional, por meio de artilharia, ataques aéreos, mísseis e ações de guerra eletrônica e cibernética. A cooperação entre sistemas tripulados e não tripulados potencializa Manobra e Fogo (os atuadores do campo de batalha), ampliando alcance, precisão e ritmo de engajamento e multiplicando o poder de combate.
- Reconhecimento: Coleta de inteligência para entender as posições inimigas, o terreno, as ameaças e as oportunidades. Isso pode ser feito por meio de agentes humanos, drones, satélites ou sistemas de inteligência de sinais (SIGINT).
- Proteção: Salvaguardar pessoal, equipamento e informações contra danos. Isso abrange desde a blindagem de veículos e a defesa aérea até a segurança cibernética e a proteção de dados, bem como sofisticados sistemas de autoproteção contra mísseis, como o IRON DOME.
- Logística: Sustentar operações por meio de cadeias de suprimentos, manutenção, gestão de recursos e serviços de saúde. Uma logística eficiente é crucial para a persistência e o alcance das operações, inclusive pela escolha de parceiros estratégicos confiáveis para fornecer componentes críticos.
- Comando e Controle (C2): A função abrangente que orquestra todas as outras, garantindo que as ações sejam coordenadas e alinhadas com os objetivos estratégicos. Especialmente, O C2 é responsável por acelerar o ciclo sensor-atirador, aproximando as outras funções de combate para obtenção dos efeitos desejados contra as forças inimigas.
Considerando o campo de batalha como uma orquestra sinfônica, as funções de combate são os membros (instrumentos) da orquestra (p.e. violino para Manobra, percussão para Fogo) e o C2 é o maestro que garante harmonia e tempo; sem ele, a música vira ruído. O antigo arranjo hierárquico com pouca informação em tempo real deu lugar a um palco ampliado e volátil por satélites, drones e guerra eletrônica, enquanto urbanização, globalização e mídia transformaram a plateia em ator estratégico, acirrando a “guerra de narrativas”, sobretudo em ambientes urbanos contra forças irregulares, com zonas cinzentas e conflitos híbridos onde a percepção pública pesa tanto quanto o efeito militar.
Para reger esse concerto, o C2 deve integrar sensores e unidades distribuídas, processar grandes volumes de dados, compreender o ambiente humano, decidir com sensibilidade cultural e adaptar-se rapidamente ao ritmo acelerado das operações.
O Papel Pivotal do Comando e Controle (C2)
Comando e Controle (C2) é o núcleo das operações militares: planeja, dirige, coordena e controla forças do nível tático ao estratégico. Sua evolução foi impulsionada pela Guerra Centrada em Redes (GCR), surgida no fim dos anos 1990 como resposta à era da informação. Ao privilegiar comunicações em rede, a GCR cria consciência situacional compartilhada (Common Operational Picture – COP) via Rede de Batalha, o que melhora a coordenação, reduz tempos de resposta, otimiza a alocação de recursos, eleva letalidade e sobrevivência e aumenta a resiliência por meio de uma arquitetura de decisão distribuída (a falha de um nó não paralisa o sistema).
Em contrapartida, a Rede de Batalha amplia a superfície de ataque cibernético e a exposição à guerra eletrônica, exigindo investimentos robustos em treinamento, equipamentos e segurança. A dependência excessiva da tecnologia eleva o risco quando as redes ficam congestionadas, bloqueadas (jammed) ou invadidas, e o volume de dados pode gerar sobrecarga de informação, dificultando separar o sinal do ruído.
Redes de Batalha: Adaptando-se ao Caos

Rede de Batalha: Sincronizando domínios
As redes modernas de batalha devem ser inerentemente flexíveis e resilientes para lidar com a natureza imprevisível do combate. Desafios-chave incluem:
- Falta de infraestrutura: Operações em áreas remotas ou devastadas pela guerra frequentemente carecem de energia confiável ou linhas de comunicação, então as forças militares devem gerar sua própria infraestrutura através de redes ad hoc móveis (MANETs – Mobile Ad-hoc Networks).
- Equipamentos heterogêneos: As forças militares normalmente usam uma mistura de dispositivos de várias gerações tecnológicas, cada um com seus próprios protocolos e padrões. Isso exige soluções de interoperabilidade robustas e a adesão a padrões de comunicação abertos (e.g., NATO STANAGs, Link 16).
- Topologia Dinâmica: As redes mudam constantemente à medida que as unidades se movem, os equipamentos falham ou os ambientes se transformam (e.g., interferência urbana vs. terreno aberto). As redes precisam ser autoconfiguráveis e auto-curativas, utilizando protocolos de roteamento dinâmico e Software-Defined Networking (SDN) para adaptar-se rapidamente.
- Caos Inerente ao combate: Ações de Guerra Eletrônica para degradar as comunicações, condições climáticas extremas e outras ações inimigas imprevisíveis exigem resiliência a interferências e criptografia avançada para manter a capacidade de operar em um espectro eletromagnético manipulado por ações de guerra eletrônica. Uma rede do tipo “mesh”, com muitas rotas alternativas, como na figura, mantém as comunicações mesmo sob ataques eletrônicos.
No contexto brasileiro, o Link-BR2, datalink da Força Aérea Brasileira, é uma resposta a tais desafios. Integra voz, dados e vídeo em uma MANET criptografada com salto de frequência, garantindo comunicações em tempo real entre sensores (radares e optrônicos) e vetores aéreos. Iniciado no F-5, já está sendo integrado aos Gripen e, nos próximos anos, chegará ao E-99 (AEW&C) e aos drones RQ-900, multiplicando a capacidade de combate ao acelerar o ciclo sensor-atuador. Sua integração aos sistemas de artilharia antiaérea das três Forças ampliará a consciência situacional multidomínio e tornará as operações mais precisas e eficientes.

Link BR2: Interconectando a FAB em tempo real. Arte Defesanet (algumas plataformas ainda não integradas)
O Link-BR2 é o alicerce tecnológico de uma rede de combate que habilita as Forças Armadas brasileiras a operar de forma sincronizada em múltiplos domínios. No arcabouço de Operações Multidomínio, com o C2 como pivô e a rede de batalha como habilitador, modernizar vai muito além de adquirir equipamentos: é articular pilares — processos, pessoas e meios — para transformar tecnologia em efeito operacional. Na Parte II, exploraremos os pilares MDO com exemplos práticos.

















