CIA – A disputa de Fidel pelo Brasil

José Meirelles Passos

 

A notícia que décadas atrás foi desmentida com veemência pelo governo americano, e que desde então passou a ser tida por muitos como apenas um mito, praticamente uma invenção de Hollywood, foi ontem confirmada oficialmente pela sua própria fonte – a CIA, Agência Central de Inteligência dos EUA: ela chegou a utilizar um gângster da máfia para tentar assassinar Fidel Castro.

Essa revelação, repleta de detalhes, está em meio a aproximadamente 12 mil páginas de documentos secretos liberados para o público americano ontem pelo novo diretor da CIA, o general Michael V. Hayden, que também é historiador. Quase 700 são sobre ações polêmicas ou claramente ilegais, num pacote chamado Jóias da Família. Além destes documentos, foram divulgadas também outras 11 mil páginas.

– A CIA entende perfeitamente que tem uma obrigação de proteger os segredos da nação. Mas também entende que tem a responsabilidade de ser o mais aberta possível. Eu freqüentemente falo sobre o nosso contrato social com o povo americano, e a liberação de documentos históricos é uma parte importante desse esforço – disse Hayden.

A divulgação foi importante também para o Brasil. Três extensos documentos do pacote divulgado ontem contêm os bastidores de tentativas do líder cubano Fidel Castro de fomentar uma revolução à sua moda no Brasil; a disputa entre a União Soviética e a China por influência na América Latina – que acabou rachando o Partido Comunista do Brasil; assim como uma longa análise do comportamento da parcela progressista da Igreja brasileira diante da ditadura militar que se abateu sobre o país em 1964.

O CAPÍTULO BRASILEIRO

Pressão gerou confronto com Prestes
Presidente teria tentado convencer PCB a adotar revolução à cubana

 

WASHINGTON. Fidel Castro fez o possível para convencer a esquerda brasileira a implantar no país uma revolução aos moldes da cubana. Ele chegou mesmo a se confrontar com a União Soviética que, através de Luiz Carlos Prestes, o líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB), buscava justamente evitar um enfrentamento armado no Brasil.

Em julho de 1967, durante a Primeira Conferência de Solidariedade com os Povos da América Latina, em Havana, ao ouvir dirigentes do PC brasileiro dizerem que não tinham condições de lançar uma revolução, Fidel se irritou e berrou:

– Se eu fosse do Partido Comunista Brasileiro, o general Castelo Branco não estaria no poder hoje! – deflagrando o início de uma troca de socos e empurrões, com vários participantes dizendo a Fidel para se concentrar nos problemas econômicos de Cuba em vez se meter em assuntos de outros países.

Essa altercação e várias tentativas cubanas de exportar a sua revolução ao Brasil – antes mesmo do golpe militar de 1964 – constam de dois dos 147 documentos secretos sobre o comportamento da Rússia e da China, na época da Guerra Fria, divulgados ontem pela CIA. Segundo a agência, desde 1963 o governo soviético tentava fazer com que Fidel adotasse uma linha mais moderada em relação a uma revolução no Brasil, e usava Prestes como o seu principal intermediário com Havana.

De acordo com os documentos, em dezembro de 1962 Fidel Castro suspendeu temporariamente a ajuda financeira que dava a Francisco Julião, que comandava as ligas camponeses no Nordeste brasileiro, devido à apreensão no Brasil de um carregamento de armas enviado de Cuba para ele. Este voltou à Cuba dois meses depois e obteve promessa de nova ajuda: "Os planos revolucionários de Julião, e não a frente unida do PCB, representavam o método mais prático de assegurar a revolução no Brasil", concluiu a CIA, na época.

Segundo os informes americanos, como o PCB não se mexia como ele gostaria, Fidel passou então a insuflar o PC do B – facção que rompera com Moscou. "Castro incentivava os dissidentes brasileiros a organizar atividades de guerrilha o mais rapidamente possível, em coordenação com demonstrações em massa nas cidades", menciona um dos documentos.

Mais adiante ele registra que os comunistas chineses já haviam alertado os brasileiros do PC do B para que não esperassem uma revolução fácil no Brasil "e tivessem em mente que a própria revolução chinesa tinha levado 30 anos para acontecer". Eles disseram que a situação no Brasil era mais difícil do que acontecera em Cuba porque o PCB "estava colaborando com (João) Goulart e, portanto, adiando a revolução".

No entanto, em meados de 1965 Leonel Brizola pediu – e obteve – ajuda financeira da China, para começar operações de guerrilha no Sul do país. Mas o interesse chinês acabou seis meses depois e, segundo a CIA, Brizola passou a receber ajuda de Cuba. (José Meirelles Passos)

RELIGIOSOS

Igreja era motivo de apreensão
Casa Branca foi informada sobre risco de confronto entre progressistas e militares

WASHINGTON. O Brasil já vivia sob uma ditadura militar há cinco anos quando, após examinar informes de seus espiões e as avaliações de seus analistas, a Diretoria de Inteligência da CIA informou à Casa Branca que a situação no país era crítica. Em sua opinião, estava à beira de uma explosão.

"A situação brasileira, que tem aspectos de uma tragédia clássica, parece ser a mais séria na região. Os principais líderes da Igreja e do regime militar não querem um confronto Igreja-Estado. Porém, extremistas em ambos os lados têm tratado de provocar um. Sob as melhores circunstâncias, as metas contraditórias da Igreja Comprometida e do governo militar seriam capazes de causar um sério atrito", alertava o documento de setembro de 1969, que se tornou público ontem.

Igreja Comprometida era a formada por sacerdotes progressistas, segundo a CIA, que menciona dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, como "sua mais impressionante e amplamente conhecida figura. A Igreja Comprometida quer justiça social e liberdade pessoal sem restrições como prioridade; o regime militar coloca o desenvolvimento econômico em primeiro lugar, com justiça social mais tarde. A Igreja por muitos anos teve pouco impacto na política, e cooperou com todo o tipo de governo, e geralmente não tinha se preocupado com os problemas econômicos, políticos e sociais".

A CIA concluiu que foi por esse motivo que o regime militar passou a acusar de comunistas os sacerdotes que lutavam pela justiça social: "Possivelmente por causa da modificação do papel da Igreja, de um não-envolvimento para um compromisso real com a mudança ter vindo tão rapidamente, alguns membros do governo militar reagiram através da condenação da Igreja Comprometida como infiltrada pelos comunistas e enganadora, uma visão endossada por sacerdotes e leigos reacionários".

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