Nada de novo na Venezuela

Ofelia Harms Arruti


Esse tipo de comemoração os venezuelanos já conhecem bem demais: "A tendência é irreversível", disse a chefe da autoridade eleitoral por volta das 22h, após quatro horas de espera. O altamente moderno e digitalizado sistema de votação, afirmou, deu 68% dos votos para Nicolás Maduro. O velho "presidente" é também o novo.

Um "recorde histórico", declarou o vencedor: nunca antes um candidato presidencial havia vencido com tão expressiva votação, uma distância de 47 pontos percentuais para o adversário. No discurso de vitória, também não perdeu a chance de, mais uma vez, atacar seu rival: o candidato opositor Henri Falcón vira, na boca de Maduro, "Falsón".

O estilo de Maduro não é novidade para ninguém. Ele não hesita em mandar outros chefes de Estado "ao inferno" e não se envergonha de responder a cartas críticas da população com obscenidade. Seu descaramento pode despertar um sorriso amarelo de quem assiste de longe, mas logo deixa de ser engraçado, quando se pisa em seu país: a Venezuela está desmoronando.

Se sob a terra estão as maiores reservas de petróleo do mundo, em cima crianças de três anos reviram lixeiras em busca de comida. A fome é tão grande, que elas roem restos de osso de pedaços de carne jogados fora. Crianças de oito a dez anos viajam até duas horas aos bairros riscos em busca de um lixo "melhor". Várias vezes por dia são expulsas pela polícia. Com um salário de um mês, aposentados mal conseguem comprar uma maçã ou um litro de leite.

Mesmo assim, muitos chavistas se gabam de supostos progressos do "socialismo do século 21": com o salário de um mês, podem abastecer o carro por um ano. Parece não lhes interessar que seus concidadãos famintos não podem comer a gasolina subvencionada. Argumentam que a crise em seu país é causada pelas sanções internacionais e pelos baixos preços do petróleo.

O aparato de propaganda do governo é tão poderoso, que consegue convencer os chavistas a aceitarem o resultado como se apresenta. Mesmo tendo eles mesmos notado o extremamente baixo comparecimento eleitoral, mesmo jamais tendo visto as zonas eleitorais tão vazias. Mas essa impressão foi rapidamente corrigida pelas autoridades eleitorais: assim, quem duvida logo fechará os olhos novamente. Pois, melhor que esse governo não reconhecido internacionalmente não há.

União Europeia, Estados Unidos e vários estados latino-americanos não vão reconhecer o resultado. Mas só resta a eles novas sanções como instrumento de pressão. E, se funcionarem, elas atingirão também o povo venezuelano. Isso significa: mais pobreza, mais fuga.

No romance Nada de novo no front, Erich Maria Remarques descreve a desesperança dos soldados nas trincheiras da Primeira Guerra. Assim devem se sentir os venezuelanos nesta segunda-feira (21/05) aos lerem as declarações de seu presidente.

Maduro é reeleito "presidente" da Venezuela

Nicolás Maduro foi "eleito" neste domingo (21/05) para mais seis anos de mandato na Venezuela, numa eleição com abstenção recorde, denúncias de fraude e que teve sua legitimidade questionada não só pela oposição, que boicotou o pleito, como por Estados Unidos, União Europeia e potências regionais.

Os dados oficiais colocam a participação eleitoral em 46%, mas fontes do governo citadas por agências de notícias garantem que a cifra não superou os 33%. Como comparação, 80% dos eleitores venezuelanos foram às urnas em 2013.

Maduro venceu com 68% dos votos, mas praticamente não teve adversários. Principal força antichavista,  a Frente Ampla Venezuela Livre, idealizada pela coalizão Mesa da Unidade Democrática (MUD), boicotou o pleito. E o único adversário de Maduro a participar, o dissidente chavista Henri Falcón, recebeu 21% dos votos.

Após a divulgação do resultado, Maduro apareceu no Palácio Miraflores, sede do governo, e falou numa "vitória popular permanente" do chavismo, ressaltando ter recebido 6 milhões de votos, contra pouco mais de 1 milhão de Falcón. Pela manhã, ao comparecer a sua seção eleitoral, havia dito: "Voto ou bala".

No centro da campanha eleitoral esteve a crise política, econômica e social que afeta o país, com todos os candidatos, inclusive Nicolás Maduro prometendo melhorar a economia. A campanha e a eleição transcorreram em meio a um clima tenso, e milhares de militares foram destacados para vigiar os mais de 14 mil centros eleitorais.

União Europeia, EUA, Canadá e inúmeros países vizinhos, entre eles o Brasil, pediram a suspensão das eleições por considerarem que não haveria condições para a realização de uma votação livre na Venezuela. Os presidentes da Argentina, Mauricio Macri, e da Colômbia, Juan Manuel Santos, declararam que não reconheceriam o vencedor.

Centro de votação, com a imagem de Hugo Chávez ao fundo

Denúncias de fraude

Políticos da oposição denunciaram a instalação dos chamados "pontos vermelhos", mecanismo usado pelo governo para controlar os votos da população. Os candidatos Henri Falcón e Javier Bertucci disseram ter recebido cerca de 350 denúncias de irregularidades ligadas a eles.

Os pontos vermelhos são tendas instaladas pelo governo durante as eleições muito perto das seções eleitorais. Simpatizantes dão orientações aos eleitores sobre como votar nos candidatos do chavismo.

De acordo com Bertucci, o governo tinha firmado um acordo para montar esses pontos vermelhos a 200 metros dos colégios eleitorais, mas muitos deles foram registrados a distâncias menores ou mesmo dentro dos locais de votação.

Segundo os políticos, os venezuelanos estão sendo coagidos a ir às urnas para votar em Maduro em troca de recompensas. Críticos alegam ainda que o governo estaria assustando a população fazendo-a acreditar que quem não votar poderá ficar sem as rações de comida.

A imprensa relatou que muitas dessas tendas acumularam filas de eleitores neste domingo. Ali, eles apresentavam aos voluntários seu chamado "cartão da pátria" – por meio do qual recebem os benefícios do governo, como alimentação –, na esperança de receber um bônus em dinheiro por ter votado.

A presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tibisay Lucena, desqualificou as denúncias da oposição neste domingo, afirmando que não são "nada" em comparação com outros processos de votação.

Condenação internacional

Vários países – incluindo União Europeia, EUA, Canadá e inúmeros Estados vizinhos, entre eles o Brasil – haviam pedido a suspensão das eleições por considerarem que não há condições para a realização de uma votação livre na Venezuela.

Os presidentes da Argentina, Mauricio Macri, e da Colômbia, Juan Manuel Santos, declararam que não reconhecerão o vencedor. O mesmo foi reafirmado neste domingo pelo governo americano.

O vice-secretário de Estado, John Sullivan, disse inclusive que os EUA estão considerando impor sanções ao petróleo da Venezuela. Segundo ele, uma resposta às eleições deste domingo será discutida na reunião do G20 em Buenos Aires na segunda-feira.

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, por sua vez, classificou a votação de "fraudulenta" e disse que ela "não mudará nada" no cenário do país latino-americano.

"Estou observando hoje [o que acontece na] Venezuela. As fraudulentas eleições não mudam nada. É preciso que o povo venezuelano comande este país… Uma nação com tanto a oferecer ao mundo", escreveu ele no Twitter.

 

 

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