Mulheres – Seduzidas pelo terror

Rodrigo Craveiro

Correio Braziliense

No inverno passado, Valerya (nome fictício), 13 anos, entrou em contato com um jihadista, por meio do site de relacionamentos russo VKontakte. “Ele começou a falar com fé, me enviou grande quantidade de material, mostrando quem é o seu Deus. Depois, convidou-me a viajar à Síria e me enviou um bilhete aéreo”, contou ao Correio.

Foi salva pelo namorado de ser recrutada pelo Estado Islâmico (EI). “Ele descobriu, contou aos meus pais e eles tomaram providências”, acrescentou a russa. Valerya admite que, no período em que esteve radicalizada, compartilhou propaganda jihadista no ambiente on-line. Um estudo intitulado “Conectividade das mulheres em redes extremas”, feito por cientistas da Universidade de Miami, ofereceu um vislumbre sobre o protagonismo das mulheres no estabelecimento de conexões com outros militantes do EI e na facilitação da disseminação de material extremista.

O fenômeno é abastecido pela sensação de não pertencimento à sociedade ocidental e de alienação, além de restrições às práticas religiosas, com o uso do niqab (véu islâmico).

 

Autor da pesquisa e professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Miami, Stefan Wuchty explicou à reportagem que, com a ajuda da equipe, analisou a topologia da Vkontakte a partir de grupos de seguidores do EI. “Nós descobrimos que as mulheres se conectaram mais, umas com as outras, em grupos relacionados ao EI; ou seja, detinham uma alta centralidade de intermediação.

Um fórum de discussão prevaleceu durante mais tempo no VKontakte quando mais mulheres o seguiam.” Wuchty e os colegas entraram em contato com simpatizantes da facção jihadista e, ao considerarem o registro de tempo da informação on-line, mediram o impacto de homens e de mulheres nas redes extremistas. Segundo Wuchty, os nós com alta centralidade de intermediação são fundamentais para a integridade de uma rede.

Em tese, se as mulheres deixarem de exercer o atual papel nos ambientes jihadistas virtuais, a rede pode se partir em pedaços. Os especialistas acreditam que entender a função delas em grupos relacionados ao EI pode revelar meios de enfraquecer o extremismo on-line.

“Uma das coisas mais surpreendentes para nós foi o fato de que as mulheres atuam como uma cola bem mais forte do que os homens, no sentido de manter coesa a rede de propagação de material jihadista, mesmo quando se encontram em minoria”, afirmou ao Correio o colombiano Pedro David Manrique, pós-doutorando do Departamento de Física da Universidade de Miami e coautor da pesquisa.

 

Estereótipo

 

“Nosso estudo olha para a dinâmica das redes on-line e offline, por meio do prisma de análises de rede”, comentou Manrique. No caso do EI, as chamadas centralidades foram esmiuçadas para investigar a rede de indivíduos que compartilham material pró-jihasistas. A análise forneceu informações sobre a conectividade e ofereceu insights sobre o benefício em potencial de um ator ou grupo de atores para a rede.

De acordo com o coautor, as conclusões da pesquisa derrubam, em parte, o estereótipo segundo o qual, à medida que a situação se torna mais perigosa e agressiva, os homens se sobressaem. “Em redes operando sob condições extremas, acreditava-se que os homens manteriam todo o processo coeso. Nós descobrimos a tendência oposta”, disse. Além das redes online pró-EI no VKontakte, os cientistas monitoraram redes offlline de insurgentes associados ao Exército Republicano Irlandês Provisório (PIRA), que se autoproclama herdeiro do IRA. E constaram que, assim como no site russo, a conectividades das mulheres era superior àquela desempenhada pelos homens.

Magnus Ranstorp, especialista em terrorismo pelo Colégio de Defesa Nacional da Suécia, lembra ao Correio que há dois tipos de mulheres recrutadas pelo EI: as jovens, que acabam se casando com militantes; e as mais velhas, cuja função é a de alistar outras mulheres. “Elas fornecem apoio em trabalhos administrativos, são as responsáveis pela manutenção das redes sociais, mas também atuam como donas de casa”, observa.

“As mulheres quase sempre têm uma noção utópica e romântica de viver no chamado califado islâmico. Elas apoiam os mujahedine (guerrilheiros islâmicos) ao dar suporte à família jihadista. Quando os homens vão para o front, elas vivem com outras mulheres. As viúvas, por sua vez, costumam se mudar para Manbij, uma cidade ao norte de Raqqa, agora sob controle das forças anti-EI.”

 

No ambiente virtual, inclusive no VKontakte, as mulheres produzem campanhas publicitárias controladas pelo EI e iniciativas de recrutamento. “Elas também traduzem páginas da mídia, como as revistas Dabiq e Dar-ul-Islam, uma publicação em francês”, afirmou Ranstorp.

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