Quem não precisa da geração elétrica nuclear?

Leonam dos Santos Guimarães

Engenheiro naval e nuclear com mestrado pela Universidade de Paris e doutorado pela Universidade de São Paulo. Atuou por 20 anos no Programa Nuclear da Marinha, tendo sido Coordenador do Programa de Propulsão Nuclear de 2001 a 2005. É assistente da presidência da Eletrobrás Eletronuclear e membro do grupo permanente de assessoria da Agência Internacional de Energia Atômica.


O consumo per capita de eletricidade no Brasil é cerca de 2 mil quilowatt por ano (kWh/ano), abaixo do patamar de 4 mil kWh/ano que caracteriza o consumo mínimo dos países desenvolvidos, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) igual ou superior a 0,9. Note-se que o IDH brasileiro é inferior a 0,8. Esse indicador nacional de 2 mil kWh/ano se encontra abaixo da média mundial e é inferior a menos da metade dos indicadores equivalentes para países que recentemente ascenderam ao nível de desenvolvido, como Portugal (4.500) e Espanha (5.600). Isso sem fazer comparações mais desfavoráveis, como Rússia (5.700), Coreia do Sul (6.400), França (7.200) e Japão (7.400). Por outro lado, quando se compara nosso indicador aos de China (1.300) e Índia (500), percebe-se a dimensão do desafio colocado a esses países, muito maior que o brasileiro.
 
Propor que essa demanda reprimida venha a ser atendida exclusivamente pelas fontes renováveis, sazonais e afastadas dos centros de consumo, é miragem bem-intencionada ou política de manutenção do status quo. Tal política pode ser adequada a países desenvolvidos, mas não o é para os emergentes.
 
Não há competição entre fontes, mas uma complementaridade para expandir a oferta a um custo mínimo
 
O sistema elétrico brasileiro é único no mundo pelo seu alto percentual (85%) de contribuição da "velha renovável", a hidroeletricidade (e sua inerente sazonalidade), alto grau de interligação (com grandes blocos de geração localizados longe dos centros de consumo) e dimensões continentais. Essas particularidades fazem com que seja indispensável associar ao parque renovável um parque térmico, fundamental para garantir a segurança de suprimento.
 
O papel da geração elétrica nuclear no Brasil é específico, não se sobrepondo ao papel nem da hidroeletricidade nem das "novas renováveis" (eólica, solar e biomassa) e nem mesmo dos combustíveis fósseis. Não há "competição" entre essas fontes, mas sim uma forte complementaridade no sentido de garantir a expansão da oferta com segurança de suprimento a mínimo custo.
 
No cenário de hoje, Angra 1 e Angra 2 contribuem para a gestão segura do risco hídrico do Sistema Interligado Nacional (SIN). O SIN vem requerendo mensalmente desde 2002 uma geração térmica mínima de 2 mil megawatt (MW) médios por mês, operando na base, além de mais 8.000 MW médios térmicos complementares no pico mensal de sua demanda.
 
O parque de geração térmica nacional, portanto, opera sob uma forte variação no seu fator capacidade demandado. Para fazer frente a essa variação a mínimo custo, torna-se necessário diversificar as fontes de geração térmica.
 
Isso requer combinar fontes de geração de baixo custo de investimento e de alto custo de combustível (gás natural, carvão, derivados de petróleo), para a parcela do parque que opera com fatores de capacidade inferiores a 75%, na complementação, com a alternativa nuclear, de alto custo de investimento e baixo custo de combustível para a parcela que opera com fatores de capacidade superiores, na base.
 
No horizonte 2020, essa contribuição se manterá com a operação de Angra 3, de forma a manter a principal componente da expansão da oferta baseada em novas hidrelétricas a fio d"água na Amazônia e na crescente geração eólica e de biomassa, fontes que sujeitam o SIN a sazonalidades mais acentuadas que as atuais e numa dinâmica mais rápida.
 
No horizonte 2035, essa contribuição térmica na base crescerá em importância, pois se somará ao contexto um potencial hidrelétrico cuja parcela técnica, econômica e socioambientalmente viável de ser aproveitada estará se esgotando (150-180 gigawatt – GW – de um total de 260 GW).
 
O que está em jogo ao nível global? Primeiramente, necessidades energéticas crescentes. A eficiência energética e as "novas renováveis" são um imperativo, mas elas não serão suficientes para atender à dinâmica da demanda com níveis de segurança de suprimento aceitáveis, em especial nos países ditos "emergentes".
 
Em seguida, os riscos: os relatórios da OMS sobre Fukushima (de maio/ 2012) e Chernobyl (de abril/ 2011), mostram que consequências dos acidentes nucleares severos para a saúde das populações afetadas estão aquém da percepção social que tem moldado o "senso comum". O acidente de Three Mile Island não causou vítima nem impacto ao meio ambiente.
 
Enfim, o clima: temos um limite para a emissão de CO2. A humanidade está chegando a esse limite. Limitar o reaquecimento do planeta a 2o C significa construir, cada ano, durante vinte anos, 100 GW de usinas sem emissões. Na França, onde o parque elétrico é mais de 90% hidráulico e nuclear, são emitidas menos de 7 toneladas de CO2 /habitante, contra mais de 11 toneladas na Dinamarca ou na Alemanha que contam com cerca de 50% de carvão.
 
Mudanças climáticas e proliferação de armas nucleares são os dois fatores que representam a maior ameaça à paz e à segurança internacional, senão à própria sobrevivência da civilização. Mas enquanto a ameaça das mudanças climáticas se coloca no longo prazo, as armas nucleares são uma ameaça que pode se concretizar a qualquer momento pelo uso proposital por países que as possuem, por terroristas que as desviem ou pela ocorrência de acidentes.
 
É impossível elaborar cenário para os próximos 50 anos no qual, juntamente com as renováveis, não haja uma participação da geração elétrica nuclear, conforme os cenários do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês). A alternativa a isso seria exaurir os combustíveis fósseis, aumentando a emissão de gases de efeito estufa, ou negar as aspirações de melhoria de qualidade de vida para bilhões de seres humanos que almejam efetiva inclusão social.
 
Infelizmente, esses aspectos nem mesmo foram debatidos na Rio+20. As gerações futuras nos cobrarão por essa omissão.

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