A cara do jovem pesquisador brasileiro

Alessandra Duarte, Cleide Carvalho e Naira Hofmeister

RIO, SÃO PAULO e PORTO ALEGRE. No último dia 15, 85 alunos prestaram juramento na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) para exercer a profissão de enfermeiro. Entre eles, Talita de Oliveira Melo, de 23 anos, que, nos últimos anos do curso, foi bolsista de iniciação científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nascida em Miracatu (SP), a jovem sempre estudou em escola pública e, por falta de condições financeiras, não foi a nenhum evento de sua área fora do estado de São Paulo durante a faculdade.

Segundo estudo feito este ano com cerca de 2,6 mil universitários brasileiros que participam de algum projeto de pesquisa, com ou bolsa de estudos, a maioria dos alunos de iniciação científica no país estudou em colégio público e tem pais cuja escolaridade não chega ao nível superior.

Desenvolvida pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior de São Paulo (Semesp), que realiza estudos sobre educação superior no país, a pesquisa revela que a maior parte dos alunos vem de famílias em que a escolaridade máxima dos pais só vai até o ensino médio: 53,8%, no caso dos universitários da rede pública; e 60,4%, entre os estudantes da rede privada.

"A única forma de conseguir algum dinheiro é obter bolsa"

Intitulada "Perfil do aluno de iniciação científica no Brasil", a pesquisa também perguntou em seu questionário (distribuído a alunos participantes da 11ª edição do Congresso Nacional de Iniciação Científica, realizado pelo Semesp) o tipo de escola na qual o aluno fez o ensino médio. Cerca de metade (52%) dos estudantes de universidade pública cursou o antigo 2º grau em escola pública. No caso dos universitários da rede privada, o percentual subiu para 60%.

– Resolvemos fazer essa pesquisa porque vimos que não havia estudo do tipo sobre as características desse aluno, que é o jovem pesquisador do país. E, pelos dados sobre tipo da escola de onde veio e o nível de estudo da família, vemos que ele é, geralmente, de classe de renda mais baixa. Até porque, em muitos casos, se ele realiza a iniciação científica com bolsa, ela é um auxílio aos estudos. O aluno de renda mais alta, se formos pensar, não precisa desse auxílio – afirma Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp.

Para Talita Melo, que, na iniciação científica na USP, estudou o impacto da informatização dos procedimentos de enfermagem, pesaram no bolso os R$700 para tradução para o inglês do seu trabalho de pesquisa, necessária para que ele fosse publicado em revistas científicas:

– O curso é em período integral, e a única forma de conseguir algum dinheiro é obter bolsa. Só a partir do 4º ano é possível fazer estágio, mas, em geral, eles não são remunerados.

Sem muita opção para obter renda, Talita dependia da ajuda do pai, pequeno comerciante em Miracatu, ou da irmã mais velha, recém-formada em Farmácia. Para fazer a pesquisa, recorreu ao Hospital Universitário, usando o mínimo de material possível – papel, caneta e um gravador para as entrevistas com os profissionais.

– A iniciação científica é uma forma de ter alguma experiência e, mais tarde, dar continuidade à pesquisa, com o mestrado ou o doutorado – diz a jovem, que não pretende seguir com os estudos agora; decidir primeiro conseguir um trabalho, para evitar dar mais despesas à família.

Outro ponto que Capelato destaca é o fato de o estudo da entidade ter detectado a grande participação de alunos de faculdades privadas em iniciação científica, "ao contrário da crítica que se faz à rede privada, de que, com exceção de instituições de maior porte, muitas delas não fariam pesquisa acadêmica".

– Como boa parte dos alunos de faculdades particulares tem renda menor do que aqueles de universidades públicas, e como muitos precisam trabalhar para pagar a faculdade, a iniciação científica funciona também para manter esse aluno na faculdade, porque ele fica mais envolvido com os estudos e se compromete mais. Na edição deste ano do Congresso de Iniciação Científica, lembro de um aluno do Amazonas, de uma faculdade privada de lá, que estava no congresso; ele contou que era de uma família de 18 irmãos e tinha ido de carona num avião da FAB para poder chegar a São Paulo e estar no evento.

Para Capelato, justamente pelo fato de a iniciação científica poder servir como estímulo para que o aluno de baixa renda não abandone o curso universitário, ela deveria ser mais incentivada por instituições e governos:

– Há instituições privadas que dão desconto ou algum outro auxílio para quem faz iniciação científica. Mas as bolsas do CNPq, por exemplo, são para a rede pública, onde a maior parte dos alunos tem melhor renda. O CNPq poderia ampliá-las para a rede privada, utilizando como critério, por exemplo, o aluno participar do Fies (Financiamento Estudantil). O aluno poderia ter abatimento do Fies, caso fizesse iniciação científica, e, mais tarde, continuasse na pesquisa, fazendo mestrado ou doutorado. Além disso, há ainda o fato de que o próprio valor da bolsa é baixo. Isso também poderia ser melhorado.

De 2010 a 2011, CNPq distribuiu 23,9 mil bolsas

Hoje, o valor da bolsa do CNPq é de R$360 mensais, com vigência de agosto até julho do ano seguinte. Segundo o CNPq, de agosto de 2010 a julho de 2011, foram concedidas 23.958 bolsas, totalizando R$101.878.560.

Segundo CNPq, que é ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, há ainda mais 800 bolsas de iniciação científica, no mesmo valor, na modalidade Ações Afirmativas, para universitários que entraram por cota, por exemplo. De 2010 a 2011, elas somaram outros R$3,4 milhões.

De acordo com o CNPq, as bolsas para o período 2011-2012 também têm mesmo valor e quantidade. Só para o período 2012-2013, haveria possibilidade de algum aumento, ainda em estudo.

De Ijuí (RS), João Guilherme Paiva Knebel mora em Porto Alegre há três anos, desde que conseguiu uma vaga na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi aprovado no primeiro vestibular, aos 17 anos, após cursar o ensino médio em uma escola pública no interior. É aluno cotista da UFRGS.

João Guilherme não tem nenhuma renda, apesar de ser pesquisador de iniciação científica em Oncologia no Hospital de Clínicas, da universidade. A pesquisa que faz é como voluntário – ele espera há quase dois anos por uma bolsa do CNPq:

– No meu grupo de estudos, todos os alunos de graduação são voluntários.

O professor da UFRGS e cirurgião oncológico Luis Fernando Moreira, coordenador do núcleo ao qual João Guilherme pertence, explica que é comum que graduandos de Medicina candidatem-se a vagas nos programas de iniciação científica, mais do que para poder realizar pesquisas, apenas para terem uma vantagem na seleção para o período de residência obrigatório, após a conclusão do curso.

No caso de João Guilherme, ele diz fazer pesquisa porque gosta. Mas o trabalho não é glamouroso: o aluno não fica em laboratórios e, sequer, precisa estar de guarda-pó.

– Temos de revisar literatura, buscar artigos, cruzar informações teóricas. A maioria se decepciona porque, além de tudo, é complicado conciliar essa atividade com os estudos – relata o rapaz, que passa horas na internet lendo e tomando nota de edições on-line de prestigiadas revistas científicas.

Agora, o jovem pesquisador espera pela bolsa do CNPq. Mas ressalva:

– Mesmo quem tem bolsa pode se considerar um voluntário. É muito pouco

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