Tecnologia para manter as tropas bem alimentadas

Alimento seguro é a garantia do emprego operacional da tropa”. É com este lema que as Forças Armadas mantêm seus homens com moral elevados e sempre prontos para o combate. A questão da alimentação no meio militar sempre foi tratada como assunto de segurança. Quando foi criada em 2003, a Comissão de Estudos de Alimentação para as Forças Armadas (CEAFA), do Ministério da Defesa (MD), deu novos rumos para os padrões de rações de comida e alimentação da tropa, convencional ou operacional.

De acordo com o atual presidente da CEAFA, comandante Luís Campos, a comissão busca melhorias nos modelos de alimentação e das rações utilizadas pelas Forças Armadas por meio de parcerias intersetoriais, atuando junto a outros órgãos do governo e da iniciativa privada, como empresas, institutos de pesquisa e estabelecimentos de ensino.

Para o comandante Campos, a importância da alimentação militar deve levar em conta todas as fases da cadeia de produção – procedência, preparo, manipulação, distribuição e armazenamento. “Caso contrário, não há como assegurar a desejável eficácia no suporte ao emprego operacional da tropa”, disse.

Ração Operacional

Muita coisa mudou na alimentação do soldado brasileiro nas últimas décadas. A comida enlatada, usada desde as grandes guerras mundiais, deu espaço a novas tecnologias e maneiras de preparar a refeição do militar. 

A ração operacional é uma composição de itens desidratados (refrescos, bebidas quentes), liofilizados (macarrão instantâneo, risotos), termoprocessados (comida esterilizada, cozida, pronta para consumo) e outros complementos industrializados, como doces e biscoitos.

As Forças Armadas têm optado, na atualidade, por rações operacionais de perfil tecnológico termoprocessado, alimento pronto para o consumo, cozido, esterilizado em embalagens flexíveis, chamadas em inglês de pouchs. Esse tipo de comida é preparada a uma temperatura em torno de 120°C. Quatro camadas da embalagem protegem o alimento de microorganismos, luz, calor e poeira.

São quatro os tipos de ração de campanha. A de combate deve suprir as necessidades de um soldado por um período de 24 horas. É composta café, almoço, jantar e ceia. Já a de emergência destina-se para uma campanha de 12 horas, com duas refeições (café e almoço ou jantar e ceia).

Já a ração de adestramento, para exercícios de instrução de até 6 horas, contém apenas uma refeição (almoço ou jantar). Também pode ser usada em situações de resgate ou calamidade pública. Todas as rações são acompanhas por um kit com acessórios para aquecimento – mini fogareiro, combustível e fósforo.

A finalidade da ração operacional coletiva suprir a necessidade de um grupo. Tem duas ou três refeições principais, constituídas basicamente de alimentos termoprocessados e complementos (batata palha, farofa). Segundo a CEAFA, o alimento militar coletivo é uma das grandes tendências por atender demandas da defesa civil em catástrofes naturais e calamidade pública.

Esse tipo de mantimento foi utilizado, pela primeira vez, pelo 20º Batalhão Logístico do Rio de Janeiro (RJ), durante as eleições estaduais na chamada Operação Guanabara em 2010. À época, o batalhão desenvolveu o “Posto Cozinha Móvel” (instalação de campanha montada em container com módulos de aquecimento em banho-maria).

Outra tendência é o segmento de alimentos pré-preparados, que utilizam a tecnologia sous-vide (a vácuo), facilmente encontrados nas gôndolas dos supermercados e que dispensam refrigeração para conservação do produto.

Regionalismo

Além disso, as Forças têm se preocupado em adaptar seus cardápios às preferências regionais, de modo a satisfazer as tropas. Há menus como carne seca, rapadura, farinha de mandioca, feijoada, strogonoff, entre outros.

Está em estudo pela CAEFA um kit energético operacional com a finalidade de prover energia adicional ao combatente durante esforço físico prolongado, intenso e sob condições estressantes. Trata-se de uma fonte suplementar de carboidratos (380 a 500 Kcal), de fácil e rápida metabolização pelo organismo. O kit poderá ser composto por um carboidrato em gel, uma barra de cereal, um repositor hidroeletrolítico e água potável.

Cada Força tem suas particularidades em seus pedidos de alimentação: tipo de missão, duração e terreno da operação. Por exemplo, a ração de náufrago da Marinha é composta por um sachê de água, jujubas, e goma de mascar, com duração por até seis dias.

A Aeronáutica possui um módulo de alimentação transportável para locais desprovidos de apoio e capaz de alimentar 250 homens. O Mapre, como é conhecido, foi projetado para ser transportado em aeronave Hércules C-130. No módulo são servidos alimentos frescos in natura e do tipo cook-chill – refeição cozida, embalada e resfriada.

Segurança

A segurança alimentar é preocupação capital do Ministério da Defesa. Em 2005, a então Secretaria de Logística, Mobilização, Ciência e Tecnologia (SELOM) regulamentou as boas práticas nas organizações militares, desde a higiene, manipulação, armazenamento e até distribuição dos alimentos.

Por sua vez, o Exército Brasileiro estabeleceu, em 2010, o Programa de Auditoria de Segurança Alimentar (PASA). A iniciativa é uma estratégia pensada para conhecer, identificar e mitigar aspectos críticos nos serviços de alimentação das unidades da Força Terrestre. O PASA premia e certifica àquelas unidades com alto padrão de qualidade.

Em 2013, foram destinados recursos na ordem de R$ 46 milhões para a reforma das cozinhas das instalações militares e aquisições de novos equipamentos. Hoje, o Exército possui 469 ranchos; a Marinha, 156 em terra e 105 embarcados (navios); e a Força Aérea, 55 cozinhas.

Forças estrangeiras já tratam deste tema para além da segurança dos alimentos (Food Safety). Os Estados Unidos desenvolveram e trabalham com o conceito de Food Defense, que inclui medidas para prevenir a contaminação proposital da cadeia alimentar dentro de suas organizações militares.

Indústria

Um dos papéis da CEAFA é estimular a indústria e os centros de pesquisas para o desenvolvimento de novos produtos para as Forças Armadas. No Brasil, há diversas empresas habilitadas a fornecer rações operacionais.

Fundada em 1990, em Campinas (SP), a Cellier foi a pioneira e é a única, atualmente, a fabricar rações termoprocessadas para as Forças. A fábrica produz aproximadamente 430 mil rações, entre os tipos de combate (24 horas) e de emergência (12 horas). Para o Exército Brasileiro, a Cellier possui dez cardápios; para a Marinha do Brasil são cinco pratos; e para a Aeronáutica entrega seis opções de rações.

A Cellier forneceu produtos para o programa de pacificação, em 2002, no país africano de Angola. Também abasteceu a tropa brasileira na implantação da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), em 2004. O diretor José Luiz Favrin ressalta que os colaboradores da Cellier têm consciência que "não estão produzindo um saquinho de feijoada, por exemplo, mas o alimento que socorrerá o soldado numa situação hostil”.

Em 1995, um grupo de empresários paranaenses identificou uma boa oportunidade de negócios. O sistema de cozimento a vapor e embalagem a vácuo já era usado na França para conservar as batatas que não eram aproveitadas na época da colheita. Com essa ideia, os empresários fundaram a Vapza Alimentos S/A, no município de Castro (PR). O primeiro produto a sair da fábrica foi a Batata Vapza. Hoje, ela possui um portfólio com cerca de 40 itens. Por enquanto, a empresa não fabrica especialmente para as Forças Armadas.

A coordenadora de comunicação, Natasha Schaffer, enfatiza que os produtos estão adequados para o uso militar. “Nosso departamento de Pesquisa e Desenvolvimento está pronto para inovar e atender às diversas demandas do mercado.”

Fundada em 1953, a JBS S/A é considerada o maior frigorífico do setor de carne bovina do mundo. Os produtos da empresa podem ser utilizados tanto pelas organizações militares, como na alimentação coletiva civil. No entanto, a JBS ainda não guarnece às Forças brasileiras com refeições coletivas termoprocessadas.

Segundo o coordenador de vendas institucionais, Fábio Lucena Baptista, os produtos fabricados têm finalidade dual, ou seja, podem ser utilizados pelas Forças Armadas ou na alimentação coletiva civil. A empresa ainda não guarnece as organizações militares brasileiras com refeições coletivas termoprocessadas. “A JBS exporta seus produtos com tecnologia pouchpara as forças armadas da Grã Bretanha”, comenta Lucena.

Apesar de não fornecer mais rações para a Marinha, o Exército e a Aeronáutica, a Liotécnica, com três sedes em Embu (SP), é pioneira na tecnologia de liofilização de alimentos. A empresa faz parte da história da ração militar, alimentou as tropas brasileiras de 1964 a 2008.

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter