UERGS e CEITEC: incompreensões e equívocos.

Nota DefesaNet

Tecnologia e ideologia são excludentes. Ou você tem uma ou outra. A mistura das duas como tentado em especial no projeto CEITEC é um caminho direto ao fracasso.

O Editor

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Renato de Oliveira 
Relator da comissão responsável pelo projeto da UERGS,
presidente do Conselho de Administração do Projeto CEITEC no período 2001-2002, e  ex-Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia do RS


Na semana que passou, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, RS, publicou duas matérias cujos temas, embora não relacionados pelo jornal, guardam profunda relação: "Não decolou: falta de investimentos afasta alunos da UERGS" (edição de 22/04/2013), sobre a crise agônica da Universidade Estadual do RS, e "CEITEC rumo à privatização: chega ao fim sonho do chip estatal" (ed. de 28/04/2013), sobre a inviabilização do Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada.

Esses projetos, iniciados no Governo Olívio Dutra (1999-2002), tinham a ambição de mudar o perfil da cultura e da economia rio-grandenses. Seus fracassos deveriam levar à reflexão sobre a capacidade das lideranças políticas gaúchas, partidos e tendências ideológicas confundidos, de tirar o RS do marasmo. Além disso, o fracasso do CEITEC é uma excelente síntese das confusões e equívocos na gestão da ciência, tecnologia e inovação no país.

O projeto conceitual da UERGS previa uma universidade tecnológica voltada à inovação e ao desenvolvimento regional que atuasse em sinergia com as universidades comunitárias gaúchas. Em certa medida, deveria ser uma estrutura articuladora de políticas comuns entre essas universidades, estimulando sua inovação pedagógica e concentrando investimentos em áreas para as quais elas não tivessem recursos

As universidades comunitárias do RS possuem legitimidade histórica para pleitear apoio do Estado. Elas são a resposta da sociedade gaúcha à omissão do poder público, que entregou sua universidade – a então Universidade do Rio Grande do Sul, hoje UFRGS – ao Poder Executivo Federal ainda nos anos 1950, iniciando uma trajetória de negligência em relaçãoà questão universitária – e, consequentemente, de desqualificação de suas elites políticas a esse respeito – que perdura até hoje. Assim, enquanto os governos de outros estadosda Federação constituíam suas próprias universidades, no RS foram as comunidades locais que, com as limitações culturais e de recursos econômicos que as circunstâncias impunham, tiveram que enfrentar esse desafio. Nada mais justo que, se quisesse resgatar sua dívida histórica, o Estado do RS deveria partir das próprias instituições comunitárias, reconhecendo nelas a sua universidade e aprofundando seu caráter público.

Não foi o que aconteceu. Respondendo a motivações que só podemos afirmar não guardarem qualquer relação com o projeto inicial nem com qualquer conceito plausível de Universidade, sua implantação açodada criou uma estrutura impensável (mais de duas dezenas de campi!), desarticulada, com um doutrinarismo populista fazendo as vezes de projeto pedagógico, e, em alguns casos, emfranca competição com as instituições comunitárias. Era demasiado óbvio que, assim, o Estado jamais teria recursos suficientes para criar uma instituição de qualidade. Uma vez feito o estrago, as tentativas posteriores de recuperar a concepção original foram frustradas, esbarrando, ainda, no estigma partidário que lhe foi impresso desde o início.

O caso do Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada revela a mesma incompreensão dos propósitos e da complexidade do projeto. Jamais se pensou em um "chip estatal". O Centro foi formulado para ser um laboratório de P&D que fizesse a ponte entre a capacidade acadêmica e a base industrial do setor de informática e microeletrônica.

No RS, a capacidade acadêmica e a competência industrial no setor surgiram juntas, a partir do Departamento de Informática da Escola de Engenharia da UFRGS, hoje Instituto de Informática, que articulou as pesquisas que já se realizavam no Instituto de Física com a perspectiva de desenvolvimento tecnológico aplicado, dando origem a várias empresas do setor. No entanto,ambas as competências evoluíram separadamente, com prejuízo para a indústria, que ficou dependente de insumos e tecnologia importados. Para reconstituir esse elo, respeitando as dinâmicas próprias da academia e da indústria, seria necessária uma terceira instituição, capaz de se apropriar da pesquisa acadêmica e transformá-la em protótipos passíveis de serem absorvidos pela indústria. Para isto foi pensado o CEITEC.

 

Seu projeto original não o limitava ao RS nem ao Brasil. Buscou-se transformá-lo em laboratório de P&D aberto ao Mercosul. Seu órgão de articulação de políticas comuns de ciência e tecnologia, RECyT, declarou-o de interesse estratégico para a Região, e a Universidade da República do Uruguai ingressou no seu Conselho Administrativo com o mesmo status das universidades gaúchas. A presença de universidades argentinas foi impossibilitada, na época, pela crise do governo Fernando de laRúa. Finalmente, tentou-se aproximá-lo da Comunidade Andina das Nações, através da Corporación Andina de Fomento, que se interessou em financiar a participação de universidades da Região no CEITEC, e comprometeu-se com a realização de um seminário técnico para desenhar as prioridades para o desenvolvimento da microeletrônica no sub-continentesulamericano.

No entanto, motivações alheias à natureza desse setor tecnológico, bem comoda perspectiva de integração latinoamericana, transformaram-no numa empresa estatal! Fez-se o impensável: uma instituição que deveria interagir com empresas e universidades num setor em inovação permanente, foi vestida com o figurino burocrático-estatal dos anos 1950, como se estivéssemos tratando da proteção de recursos naturais estratégicos numa perspectiva de economia estatal! Ausente dessas decisões, a elite política gaúcha (que, partidos e correntes ideológicas confundidos, certamente orgulham-se em exibir seus smartphones, tabletse quetais) privou o RS de tornar-se o epicentro do desenvolvimento tecnológico industrial sul-americano no setor.Já sobre os gênios que adotaram essa política, a História já está falando. Oxalá alguém escute.

Assim, ao falarmos em UERGS e CEITEC não devemos falar em fracasso dos respectivos projetos. Devemos, sim, buscar as razões – políticas, ideológicas, culturais – que impediram sua efetivação.

 

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