Presidente da Agência Espacial pede R$ 1 bi por ano

Virgínia Silveira

O programa espacial brasileiro (PEB) está diante de um dilema: ou vira uma prioridade do governo, com direito a um orçamento mais de duas vezes superior aos R$ 300 milhões atuais, ou vai continuar pequeno e incapaz de atender as necessidades brasileiras na área de defesa, vigilância, comunicações, meteorologia e proteção ambiental. Sem recursos humanos qualificados e uma gestão organizada, o programa, como está sendo desenvolvido hoje, também não permitirá a criação de uma indústria fornecedora competitiva e inovadora.Ampliar imagem

Essa é a avaliação do novo presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Marco Antônio Raupp, que está propondo ao governo federal diversas mudanças na condução do programa. Para começar, Raupp defende uma alteração na estrutura de poder e comando do segmento, com a criação de um Conselho Nacional de Política Espacial, que seria constituído pela presidente da República e pelos ministros das áreas de interesse do setor, e a transformação da agência que preside em um órgão executivo das políticas emanadas desse conselho. A AEB continuaria vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), mas ganharia mais poder para a execução do programa espacial."O conselho definiria a política espacial e a AEB a executaria, contratando os órgãos e as empresas para participarem dos projetos, além de fazer o acompanhamento dos contratos", explicou. A agência hoje, na opinião de Raupp, é apenas um órgão coordenador, mas sem capacidade de governança.

Raupp informa que a primeira previsão para o orçamento do programa espacial este ano foi R$ 320 milhões, mas com as restrições orçamentárias, o valor caiu para R$ 270 milhões, sendo R$ 50 milhões relativos ao compromisso assumido pelo Brasil na integralização do capital da empresa Alcantara Cyclone Space (ACS).

A ACS é uma empresa pública binacional de capital brasileiro e ucraniano, que tem o objetivo de comercializar e lançar satélites utilizando o foguete ucraniano Cyclone-4 a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. O investimento total aplicado no programa espacial desde 1980 soma R$ 5,2 bilhões.

Na Índia, segundo Raupp, os investimentos na área espacial já superaram a cifra de US$ 1 bilhão por ano e a China aplica cerca de US$ 2 bilhões anuais em seu programa espacial. "Isso sem citar os Estados Unidos e a Europa, que não dá para comparar. Estou olhando apenas para o Bric [grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China] e ainda assim nós estamos atrás de todos eles", disse.

Em qualquer país do mundo, segundo Raupp, o programa espacial também serve para estimular uma indústria inovadora e competitiva. "De 2005 para cá 25% dos recursos destinados ao PEB vão para a indústria. Nos países com programa espacial avançado essa participação é de 66%. Isso significa que temos ainda um longo caminho pela frente", afirmou.

De acordo com Raupp, existem demandas hoje que nunca foram atendidas pelo programa espacial e com as restrições orçamentárias as dificuldades são ainda maiores. "Temos de estabelecer prioridades. Por exemplo: não temos nenhum satélite meteorológico ou de comunicação estratégica militar. Isso é fundamental e crítico no nosso programa espacial."

O presidente da AEB acredita que o projeto de um satélite geoestacionário brasileiro (SGB) poderia se tornar viável por intermédio de um arranjo empresarial que envolva empresas internacionais e nacionais, além da participação dos institutos de pesquisa.

Segundo Raupp, foi feito um estudo de viabilidade para o projeto do SGB, que previa uma parceria público privada (PPP) e a empresa Oi aparece como uma das interessadas. "A Embraer Defesa e Segurança é uma empresa que poderia se candidatar a um arranjo desses. Outras empresas brasileiras que estão se capacitando na área de defesa também devem ser consideradas nesse projeto", disse.

Raupp lembra que o Programa Nacional de Banda Larga, que está sendo desenvolvido pelo Ministério das Comunicações, prevê a utilização de satélites para prover internet em áreas remotas do país. "Nesse caso, o próprio programa de banda larga, através da Telebras, usando os fundos de telecomunicações, poderia ser uma alternativa de financiamento ao projeto do SGB", explicou.

A proposta de criação do Conselho, segundo o presidente da AEB, está sendo discutida com o governo e a comunidade científica, mas os órgãos executores do programa espacial (Inpe e DCTA) já se posicionaram a favor. "A resistência diz respeito somente à proposta de fusão do Inpe com a AEB, mas eu não vou mais brigar por causa disso. A criação do conselho, no entanto, é fundamental", disse.

A proposta de fusão fazia parte do processo de reestruturação do programa espacial brasileiro, liderado pela AEB, mas foi descartada depois que o diretor do Inpe, Gilberto Câmara, se colocou contrário à ideia. O diretor do Inpe decidiu reavaliar sua posição temendo que a fusão interferisse na integridade da instituição e também que o nome do Inpe fosse alterado.

Segundo Raupp, houve um mal entendido, pois ao contrário do que se pensou, não havia a intenção de transformar o Inpe numa agência. "Um instituto de pesquisa não pode ser uma agência espacial. Ele tem que olhar para si mesmo e a agência tem que estar aberta para as empresas e para outros institutos tecnológicos", afirmou.

Em agosto o diretor do Inpe anunciou que deixaria o cargo em dezembro, dois anos antes do prazo previsto para o fim do seu mandato. Em carta que enviou ao jornal "Folha de S. Paulo", Câmara disse que sua saída estava relacionada "à exaustão causada pela luta diária com uma legislação e estruturas institucionais totalmente inadequadas a instituições de ciência e tecnologia", além de se sentir frustrado pela falta de renovação dos quadros do Inpe.

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