Inspetor do Esquadrão Antibombas: ‘O farejador não pode errar’

O inspetor Ronaldo Jacques, de 50 anos, do Esquadrão Antibombas do Rio, subordinado à Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), teve o primeiro contato com cães farejadores de explosivos no Pan de 2007, apesar de treinar seus animais para guarda de forma amadora há anos. A partir daí, conta ter tentado, sem sucesso, convencer a chefia do canil da Core a implantar o trabalho. Até o momento, o canil só trabalha com farejadores de entorpecentes. Agora, atuando em uma seção da coordenadoria destinada à busca e desarmamento de explosivos, Jacques tem a oportunidade de colocar à prova os seus cães, que treinou e sustentou por conta própria na sua casa, em Teresópolis. O policial afirma: são eles que respondem por todas as varreduras com cachorros por bombas da Polícia Civil do Rio.

A proximidade de grandes eventos como Jogos Militares, que acontecem a partir do dia 16 deste mês, além da Copa das Confederações em 2013, a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, animam o treinador, formado para lidar com farejadores de explosivos em curso da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Jacques explica que achar um animal para essa tarefa é bem mais complicado do que um "caçador" de entorpecentes. Os treinados para trabalhar com bombas não podem tocar no objeto localizado, têm de sentar e aguardar o condutor. Já os que procuram por drogas são incentivados a raspar ou cavar, explicou o policial.

Os farejadores de entorpecentes são treinados com dois odores: maconha e cocaína. Com bombas, são seis bases, e ele treina não apenas com essas bases, mas com elas combinadas. Além disso, se passar meio quilo de cocaína, passou. E se passar meio quilo de explosivo? O cão para farejar bombas não pode errar", argumenta.

Por causa disso, encontrar o animal ideal é tarefa das mais complicadas. "Você aproveita um cachorro em 100 para farejar bombas. Para entorpecentes, 70% dos cães são usados. O treinamento dura cerca de um ano e ele precisa passar por várias etapas. Não pode ter fobias, não pode se assustar ou ficar nervoso com barulho, pessoas, carros, tem de ficar calmo em superfícies muito lisas. O cachorro tem de estar em constante exercício, tem de ser um atleta".
 

Ele contou já ter treinado seus cães até ao fazer as compras do mês no supermercado. Levava o "brinquedo" com o odor de explosivos usado no treinamento e escondia em carros no estacionamento, com autorização dos donos, e a brincadeira acabava se tornando atração. "Não havia a menor possibilidade de explosão, é claro, mas o pessoal ficava curioso, especialmente as crianças. Aquele cachorro que está roendo tudo, não para quieto, é que me interessa, que tem potencial. A primeira coisa no treinamento é praticamente criar uma obsessão do cachorro pelo brinquedo", explicou, acrescentando.

Durante os últimos 11 meses, Jacques compra três sacos de ração das mais caras do mercado, além de veterinários, vacinas, e todos os cuidados que os animais necessitam. "Ganhou" uma viatura, antes usada para transportar presos, que agora serve de transporte para os cães em treinamentos e varreduras. Comprou as caixas para acomodar os animais, adaptou um reservatório de água de caminhão para hidratá-los e o problema do calor foi amenizado com um ventilador automotivo improvisado. Ele tem feito, semanalmente, treinos ao lado dos Fuzileiros Navais, na Ilha das Flores, em Niterói.
 

Jacques busca um canil adequado com campo de treinamento na corporação para trabalhar, pois não diz não haver espaço suficiente no da Core, projetado apenas para os farejadores de drogas. Acredita que, pelo trabalho com cães ser uma exigência nos grandes eventos internacionais, o seu projeto enfim pode decolar. Apesar de conversar abertamente sobre os cães, o que é encontrado nas buscas é motivo de sigilo absoluto. Jacques se recusa a revelar qual foi o artefato mais perigoso que seus cães já acharam, mesmo sem identificar local ou data.

"Tenho formação militar. É complicado revelar esse tipo de coisa. O trabalho é muito reservado", explica o inspetor, que enviou ao iG uma reprodução de uma revista americana onde outro inspetor da Core, Tinoco, que morreu de câncer há alguns meses, fala sobre a questão dos artefatos explosivos no Rio. Na publicação especializada, o inspetor Tinoco afirma que são encontrados cerca de 2000 explosivos por ano, o que corresponderia a mais de cinco por dia, mas a grande maioria são ocorrências de pequena escala.

"O Tinoco era um grande perito em explosivos. Na verdade, ele é que veio com a ideia para o esquadrão, enquanto eu já treinava o meu pastor alemão, que morreu envenenado após comer um sapo. Quando ele falou isso por lá, juntou a fome com a vontade de comer. Apresentei o meu cachorro, ele se empolgou e passamos a procurar outro. O protocolo é que sempre se tenha no mínimo dois cães. O segundo faz uma espécie de contraprova na varredura", explicou.

As raças mais usadas por Jacques são o pastor alemão, o pastor belga malinois, o pastor alemão e o pastor holandês. Diz que o labrador também é altamente recomendado para o trabalho, mas prefere animais que possam executar funções de guarda. "O labrador é muito dócil", contou Jacques, enquanto arrumava o furgão com os quatro cães que tem atualmente para deixar a Academia de Polícia (Acadepol) no Rio.

Lá, fez a varredura do auditório e outras instalações para que o local recebesse o seminário sobre grandes eventos, que acontece até esta quinta-feira e conta com diversas autoridades da polícia do Rio, além de especialistas internacionais, executivos da organização da Copa do Mundo de 2014 e até os presidentes dos grandes clubes da cidade. Apesar da proximidade com pessoas que poderiam fazer o projeto sair do campo amador para um nível profissional, com material fornecido pela corporação, ele não se permite "vender" seu peixe em meio às autoridades.

"Como disse, tenho formação militar. Há uma hierarquia. Não posso, por exemplo, bater no ombro da doutora Marta Rocha e dizer: 'Olha aqui o meu projeto, a senhora vai gostar'. Mas em algum momento vão perceber a importância do trabalho, pois é um protocolo internacional o trabalho com cães. O próprio Tinoco, uma vez em que foi comprar equipamento na Alemanha, ouviu do vendedor: 'O meu equipamento é muito bom, mas nada se compara ao faro de um cão'. Então espero que, com esses eventos que estão chegando, o projeto possa continuar, comigo ou com alguém apto ao serviço", concluiu Jacques, que, além das varreduras para visitar presidenciais no ano passado, fez recentemente, uma busca nas instalações do teleférico.do Complexo do Alemão. 

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter