Gás lacrimôgeneo “made in Brazil” é usado na repressão no Bahrein

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JOSÉ ANTONIO LIMA E LIUCA YONAHA

Entre as várias críticas feitas aos Estados Unidos durante os levantes no mundo árabe em 2011 estava o fato de empresas americanas venderem equipamentos de repressão policial a governos autoritários. Aparentemente, os Estados Unidos não vão mais sofrer sozinhos essa crítica. Imagens divulgadas nesta sexta-feira (16) por ativistas do Bahrein, país cuja monarquia enfrenta protestos há dez meses, mostram bombas de gás lacrimogêneo “made in Brazil” que teriam sido usadas contra manifestantes em protestos nesta semana.

As imagens foram divulgadas inicialmente por usuários que se identificam no Twitter como “Zajil Delmon” e “Layla”. As fotos mostram artefatos metálicos prateados e com faixas azuis na extremidade. Há uma identificação do lote (a imagem está apagada, mas aparentemente é “BAU-E”) e a bandeira do Brasil, com a inscrição “Made in Brazil” embaixo. Consta também na imagem a data de fabricação do produto, maio de 2011. Naquele mês, o levante contra a monarquia sunita comandada pelo rei Hamad bin Isa Al Khalifa já estava em seu terceiro mês. As forças de segurança barenitas já haviam mostrado sua brutalidade no combate aos manifestantes, majoritariamente xiitas, e a Arábia Saudita já havia enviado tropas para o Bahrein para evitar que a Primavera Árabe derrubasse um de seus principais aliados.
 

Uma das fotos divulgada nesta sexta traz o logo do fabricante do produto, que aparentemente é o mesmo da Condor Tecnologias Não-Letais, uma empresa com sede em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense (RJ). Como diz o nome, a Condor é especializada na fabricação de equipamentos para conflitos urbanos que, se usados corretamente, não provocam morte. Não é possível ter certeza se as fotos foram tiradas nesta semana e no Bahrein. Em nota enviada a ÉPOCA, a Condor negou que tenha exportado para o Bahrein. "A empresa fornece hoje para mais de 35 países, inclusive nações árabes, mas nunca exportou para o Bahein. Por obrigações contratuais de confidencialidade, a Condor não pode informar detalhes dos seus fornecimentos. Entretanto, como é de conhecimento geral, tropas de pelo menos cinco países da região estão operando no Bahrein a pedido do governo daquele país", diz a empresa (confira a íntegra na nota ao fim do texto).  

Além do logo, outra indicação de que é mesmo o material da Condor que está sendo usado pelas forças de segurança do Bahrein é este vídeo publicado em 4 de setembro no YouTube com o título "Vídeo documentando os tipos de gás lacrimogêneo usados na repressão". Aos 2min12, aparece uma bomba semelhante à que está nas fotos divulgadas nesta sexta-feira. A imagem mostra o modelo do produto – GL 202 – numeração exatamente igual à usada pela Condor ao descrever seu "Projétil longo alcance lacrimogêneo", um armamento "desenvolvido para emprego em operações de controle de distúrbios e combate à criminalidade" e capaz de atingir alvos a mais de 120 metros.  No mesmo vídeo, aparecem dois outros materiais com numeração igual a de produtos da Condor. O primeiro é o AM-404, que carrega três balas esféricas de borracha, uma arma que tem "alto poder de intimidação psicológica" e provoca "hematomas e fortes dores". O terceiro é o GL-203/L, uma carga múltipla lacrimogênea que tem o "objetivo de desalojar pessoas e dissolver grupos de infratores pelo efeito do agente lacrimogêneo". Segundo o aviso que a Condor coloca em seu site, o GL-203/L não pode ser usado "diretamente contra pessoas, pois o tiro pode ser letal". 

O uso de material de repressão fabricado nos Estados Unidos provocou um efeito tão negativo para a imagem do país que, nesta quinta-feira (15), o Congresso dos Estados Unidos emitiu um documento pressionando o Departamento de Estado (equivalente ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil) a divulgar um relatório "detalhando qualquer item de controle de multidão, incluindo gás lacrimogêneo" que foi exportado para "forças de segurança que o Departamento de Estado tenha informação crível de que foi repetidamente usado para "reprimir dissidência pacífica, organizada e dentro da lei".

Confira abaixo a íntegra da nota enviada pela Condor:

A Condor fabrica há 26 anos exclusivamente materiais não-letais, projetados dentro do preceito preconizado pela ONU de uso propocional da força (VIII Congresso, realizado em Havana, 1990). As tecnologias não letais são alternativas às armas de fogo e têm como objetivo minimizar danos e preservar vidas.

A empresa fornece hoje para mais de 35 países, inclusive nações árabes, mas nunca exportou para o Bahein. Por obrigações contratuais de confidencialidade, a Condor não pode informar detalhes dos seus fornecimentos. Entretanto, como é de conhecimento geral, tropas de pelo menos cinco países da região estão operando no Bahrein a pedido do governo daquele país. 

Todos as nossas negociações são controladas e autorizadas pelo Ministério da Defesa e pelo Ministério das Relações Exteriores e seus órgãos correlatos.

Os produtos não letais são projetados especificamente para incapacitar temporariamente as pessoas, sem causar-lhes danos irreparáveis ou morte.

Os produtos fabricados pela CONDOR devem ser utilizados apenas e tão somente na forma indicada em seus manuais de instruções e fichas técnicas, sendo imperativo que sejam operados por pessoas treinadas e qualificadas.

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