Bicheiros do Rio se unem a máfias russa e israelense

RIO – Para escapar da maré de azar imposta pela Polícia Federal, com suas ações de combate aos caça-níqueis, a cúpula da contravenção no Rio vem apostando suas fichas em cassinos no exterior. Investigações da PF apontam a suposta participação de bicheiros na exploração do jogo no Uruguai, na Argentina e no Equador, países da América do Sul onde a atividade não é proibida. A jogada, entretanto, não garante a legalidade do investimento, sustentado com recursos provenientes de bingos clandestinos. A globalização do bicho estaria associada a parcerias com máfias internacionais, responsáveis por operações de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e contrabando. Integrantes de organizações criminosas como a israelense Abergil e a russa Bratva são acusados, na Justiça, de fornecer placas eletrônicas (usadas em caça-níqueis) e até explosivo plástico a contraventores do Rio.

A expansão dos negócios da cúpula do bicho para países vizinhos veio à tona a partir de investigações da PF que resultaram nas operações Hurricane, Escambo (realizada pela Superintendência do Rio Grande do Norte) e Black Ops (a mais recente). Os indícios de envolvimento de contraventores do Rio com cassinos no exterior surgiram do cruzamento de dados relacionados a remessas de dinheiro para contas e empresas offshore, constituídas no Uruguai e no Panamá, ligadas a hotéis-cassinos na América do Sul. Na lista de bicheiros suspeitos figuram Aniz Abrahão David, Ailton Guimarães Jorge (o capitão Guimarães), Antônio Petrus Kalil (o Turcão), Luiz Pacheco Drumond e José Caruzzo Escafura (o Piruinha).

O GLOBO teve acesso ao conteúdo dos processos que tramitam na Justiça Federal do Rio e do Rio Grande do Norte — onde, em outubro de 2008, o bicheiro Aniz Abrahão teve a prisão decretada por suposto envolvimento na remessa de dinheiro ao exterior. O esquema desmontado pela Superintendência da PF no Rio Grande do Norte, em conjunto com a Receita Federal, era articulado por doleiros ligados a organizações criminosas internacionais. Na ocasião, um agente federal foi preso sob a acusação de transportar quantias acima de R$ 1 milhão pertencentes ao contraventor. Por meio de operações conhecidas como "dólar cabo", os valores eram remetidos para uma offshore, caracterizando os crimes de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e contra o sistema financeiro nacional.

Bloqueado patrimônio de R$ 500 milhões

A análise dos processos da Justiça Federal revela o cacife dos integrantes da cúpula do bicho. Com exceção de Luizinho Drumond, os demais chefões da contravenção no Rio tiveram bloqueado, nas ações, um patrimônio em torno de R$ 500 milhões, composto por dezenas de imóveis em Ipanema, Leblon, Copacabana, Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Icaraí. A lista é extensa e inclui ainda casas e apartamentos em Búzios, Angra dos Reis e cidades do Nordeste, além de salas comerciais, apart-hotéis, hotéis, haras, fazendas, carros e iates. Mesmo com todos esses bens tornados indisponíveis por determinação da Justiça, os bicheiros não perderam prestígio e influência, mantendo um elevado padrão de vida.

Os integrantes da cúpula da contravenção continuam atuando. São eles que decidem alianças e divisões de áreas quando um chefe morre ou é assassinado. Apesar de cada família ter independência em seu território, determinadas regras de convivência devem ser respeitadas, como revelam as investigações da PF. Por isso, alianças com integrantes das máfias israelense e russa — que exploram o jogo e a prostituição em países do Leste Europeu, entre eles Bulgária, Hungria e Romênia — seriam de conhecimento da cúpula.

A ligação com a Bratva e a Abergil teria sido feita pelo israelense Yoram El Al. Ligado à máfia de Israel, ele é apontado como principal elo entre os bicheiros do Rio e os mafiosos Meir Zloff, Tal Amir, Genrich Birman e Vitaly Okorov (russo de origem judaica). Todos têm extensas fichas criminais, que incluem envolvimento em contrabando de componentes eletrônicos e pedras preciosas, lavagem de dinheiro e até tráfico de mulheres para prostituição. Yoram foi o primeiro do grupo a chegar ao Brasil, em 2006. Já tinha contra si na época mandados de prisão expedidos nos Estados Unidos e no Uruguai, sob a acusação de operar ilegalmente remessas de dinheiro para contas off-shore.

A aliança dos estrangeiros com contraventores do Rio vem sendo monitorada há quase dois anos pela PF, que nesse período reuniu 21 mil gravações de telefonemas entre Yoram, Meir Zloff, Tal Amir e Haylton Carlos Escafura, filho de Piruinha, além de outras pessoas envolvidas no esquema. A investigação, iniciada a partir de um atentado a bomba sofrido pelo contraventor Rogério Andrade, em abril de 2010, indica que o explosivo plástico usado no crime — que resultou na morte do filho do bicheiro — foi trazido para o país por Tal Amir. A apuração do atentado foi transferida para a Divisão de Homicídios, da Polícia Civil. A partir daí, a PF concentrou sua investigação na aliança das quadrilhas israelense e russa com os contraventores do Rio.

O integrante mais importante da organização criminosa israelense em atividade no Rio era Yoram. Prova disso foi a vinda do adido de inteligência de Israel para a América do Sul, tenente-coronel Yarom ben David, à cidade entre 21 e 24 de novembro passado. O oficial esteve em Bangu 1, onde Yoram está preso, para oferecer um acordo e levá-lo de volta ao seu país de origem, onde poderia receber o benefício da delação premiada em troca de informações para desbaratar as atividades da Abergil em Israel.

 

As investigações da Polícia Federal comprovaram que a aliança com os estrangeiros tinha como objetivo a lavagem de dinheiro e o contrabando de componentes usados nas máquinas de jogo. Dentro da estrutura montada, Tal Amir, Meir Zloff, Vitaly Okorov e Genrich Birman eram responsáveis pela compra de placas eletrônicas e outras peças em Londres. O monitoramento da PF revelou que o grupo transferiu do Rio para uma conta no banco Loyds TSB a quantia de 1,2 milhão de libras esterlinas (cerca de R$ 3,6 milhões) para a compra dos equipamentos, que depois sofriam modificações que praticamente zeravam as chances de os apostadores ganharem. Os israelenses também usavam uma conta na Suíça para transferir recursos supostamente provenientes da aliança com a contravenção no Rio.

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