O que esperar do encontro entre Trump e Putin

Numa recente coletiva de imprensa, o embaixador de Washington na Rússia, Jon Huntsman, estava claramente tentando direcionar as expectativas sobre a ansiosamente aguardada cúpula entre os presidentes americano, Donald Trump, e russo, Vladimir Putin, marcada para esta segunda-feira (16/07) em Helsinque, na Finlândia.

Indagado se contava que o encontro resultasse em comprometimentos ou acordos concretos, ele rebateu: "Acho que o fato de estarmos tendo uma cúpula deste nível, neste momento da história, já é um resultado, em si."

Em seguida, o diplomata citou a recente reunião entre Trump e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, em Cingapura, como possível modelo para as próximas conversas entre os chefes da Casa Branca e do Kremlin.

O governo americano alega que aquilo que denomina "mudança de clima", após o encontro Trump-Kim, trouxe a possibilidade de uma redução das tensões com Pyongyang, o que deve ser visto como um sucesso. Entretanto, diversos observadores externos discordam de tal interpretação.

Críticos apontam ter sido o próprio Trump, com sua retórica belicosa, a exacerbar as tensões com a Coreia do Norte, apenas para organizar uma cúpula com o fim de dissipar a crise criada por ele mesmo.

Eles argumentam, ainda, que o tão aclamado encontro pouco mais produziu do que uma vaga declaração da parte de Kim, sem qualquer compromisso específico quanto à alardeada meta da administração Trump, de uma desnuclearização total daquele país asiático. Além disso, desde então Pyongyang absteve-se de qualquer comprometimento no sentido dessa meta.

Considerando resultados tão magros, o fato de a Casa Branca anunciar que o encontro de Cingapura possa servir de modelo para a reunião com Putin em Helsinque não desperta grande entusiasmo por um evento de tão alto nível, observa Christine Wormuth, que foi subsecretária de Política de Defesa do ex-presidente americano Barack Obama. "Não acho que seja exagerado esperar de um encontro assim resultados mais concretos do que apenas o próprio encontro."

Mais amigo de Putin que dos aliados

No entanto, a cúpula Putin-Trump enfrenta obstáculos ainda maiores do que a com o líder norte-coreano – alguns criados pelo próprio presidente dos EUA. Por isso, resultados palpáveis podem estar ainda mais distantes em Helsinque do que estavam em Cingapura.

O obstáculo mais imediato é que o americano acaba de vir de uma cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) extremamente áspera, na qual atacou sem cessar os aliados tradicionais dos Estados Unidos, enquanto elogiava repetidamente seu homólogo russo. 

"Não seria muito útil, a esta altura, ter um encontro muito caloroso, em que Trump e Putin ficassem trocando queixas sobre os países da OTAN, por exemplo", comenta Wormuth. "Acho que o timing desta cúpula é menos do que ideal, especialmente vindo logo após a conferência da OTAN, em que o clima foi bem ruim."

Contudo, à parte o fato de ser possível, talvez até provável que o presidente dos EUA venha a ter uma reunião mais amistosa com o líder russo do que com os aliados de seu país na Europa, diversas questões complicadas tornam difícil, senão impossível, um avanço entre Moscou e Washington. As principais são: a suposta ingerência da Rússia no pleito que elegeu Trump, o papel do país na Síria, a anexação ilegal da península da Crimeia e a intervenção na Ucrânia.

Espaço de manobra restrito para Trump

Sem dúvida, o instinto de Trump em todas essas questões é arranjar-se com Moscou ou fechar o que ele considera uma grande barganha com o Kremlin, de forma a estabelecer laços melhores com a Rússia em geral e com Putin pessoalmente. Esse tem sido um dos poucos padrões centrais e consistentes na agenda do americano, desde o começo de sua campanha presidencial.

Obviamente nunca se pode descartar que Trump venha a fazer concessões de peso a Putin, tais como aceitar a anexação da Crimeia – sobretudo durante a sessão em Helsinque, em que ambos terão encontros privados, com a presença apenas de intérpretes. E é justamente isso o que temem numerosos observadores dos dois líderes, nos EUA e na Europa.

Por outro lado, a Rússia é possivelmente a única área em que o Congresso americano, dominado pelos republicanos, tem assumido a sério seu papel de regulador da presidência. Assim, tudo indica que estará limitada a capacidade de Trump de alterar rápida e unilateralmente pontos-chave da política externa de seu país.

Prova disso é o fato de que, apesar dos repetidos avanços presidenciais em direção a Putin, os EUA reforçaram seu comprometimento militar no flanco oriental da OTAN e intensificaram as sanções relativas à Rússia. Washington também fechou o consulado russo em Seattle e expulsou 60 diplomatas do país – mais do que todos os países europeus juntos – em represália ao envenenamento do ex-espião russo Serguei Skripal e sua filha Yulia, em março último, na Inglaterra.

Dado que os parlamentares americanos não só prestarão atenção extrema às conversas de Trump com Putin, mas parecem prontos a frustrar por meios legislativos quaisquer concessões concretas que ele se proponha a fazer em questões cruciais, como a Crimeia ou a Síria, o espaço de manobra do presidente em Helsinque parece um tanto restrito.

Tratado nuclear

Não que isso vá necessariamente impressionar o bilionário republicano, em geral mais interessado no visual dos encontros do que em seus resultados, mas, para um presidente que se considera mestre da arte do deal, há nesta cúpula um acordo praticamente ao alcance da mão.

Trump e Putin poderiam concordar em prorrogar o tratado New START, que reduziu dramaticamente o arsenal estratégico nuclear de ambos os países. Tendo entrado em vigor em 2011, ele expira em 2021.

"Minha prioridade máxima seria tirar o ponto te interrogação e dizer: 'OK, vamos estender o New START por mais cinco anos", aconselha Frank von Hippel, destacado especialista em segurança nuclear da Universidade de Princeton.

Wormuth confirma: "O tratado New START fornece transparência para ambos os lados. Limitando o número de ogivas, veículos de lançamento, etc., ele também limita os recursos que os dois países podem empregar. Acho que ambos se beneficiariam de uma prorrogação."

Como disse Huntsman a repórteres, o tratado de redução de armas estratégicas estará na pauta de Helsinque. Pois EUA e Rússia cumpriram "um marco muito importante, em 5 de fevereiro último", data em que "deveriam manter as metas internas de não mais do que 1.550 ogivas estratégicas estacionadas": "E ambos cumpriram essa meta", ostentou o embaixador.

Tanto Von Hippel quanto Wormuth acreditam que concordar quanto a uma prorrogação seria uma jogada relativamente fácil para Putin e Trump. "Acho que a prorrogação do New START é uma área em que se poderia fazer mais progresso do que em outras, por ser claramente do interesse dos dois países."

Entretanto, enquanto Putin teria expressado interesse em prorrogar o tratado, no passado Trump manifestou descontentamento, classificando-o como "um deal ruim" negociado pela administração Obama. Ainda assim, Von Hippel não descarta que se possa chegar a esse acordo, para benefício dos EUA, da Rússia e do resto do mundo.

Alemães têm mais medo de Trump que de Putin

Questionados sobre qual líder mundial representa uma ameaça maior para a segurança global, 64% dos alemães escolheram o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e não o o presidente russo, Vladimir Putin, segundo uma pesquisa do instituto britânico YouGov publicada no domingo (15/07), véspera do encontro de ambos em Helsinki.

A antipatia dos alemães em relação a Trump não acaba aí: 56% dos entrevistados acham que Putin é mais competente que Trump, que obteve apenas 5% da preferência nesse quesito. E ainda: 36% dos alemães gostam mais de Putin do que de Trump, enquanto 6% dizem o contrário – apesar de muitos entrevistados terem se recusado a indicar alguma predileção nessa questão.

O dado talvez mais surpreendente da pesquisa é que 44% dos alemães disseram que Putin tem mais poder que Trump, comparado a apenas 29% que disseram que o presidente dos Estados Unidos tem mais poder.

Os conservadores alemães partilham da aversão a Trump manifestada pelos cidadãos do país em geral. Em níveis similares aos dos entrevistados como um todo, os eleitores que votaram no partido CDU, da chanceler federal Angela Merkel nas últimas eleições legislativas (setembro de 2017), também consideram Putin mais simpático, competente e poderoso do que o presidente dos Estados Unidos. Na verdade, eleitores conservadores tinham uma tendência levemente mais alta (66%) de classificar Trump como mais ameaçador do que o total dos entrevistados (64%).

Numa entrevista concedida à edição dominical  do tabloide alemão Bild, o ministro alemão do Exterior, Heiko Maas, incluiu um alerta ao presidente americano.

"Diálogo requer  clareza, e no sistema de coordenadas de Trump essa clareza é ausente", afirmou Maas. "Qualquer um que esnobe seus parceiros corre o risco de sair perdendo no final. Acordos unilaterais em detrimento dos parceiros dos americanos também acabam prejudicando os Estados Unidos", acrescentou. "Se esse encontro produzir alguns impulsos para o desarmamento nuclear, seria um passo para a frente", considerou Maas.

Por um lado, os alemães temem que as tendências de "macho alfa" de Trump e Putin possam colidir durante a reunião em Helsinki, aumentando as tensões entre as duas maiores potências militares mundiais. Por outro, talvez eles tenham ainda mais medo de qeu Trump e Putin concordem demais.

"Os dois homens mais poderosos do mundo têm uma coisa em comum", diz o texto da principal matéria do Bild, publicada no domingo. "Eles querem enfraquecer a Europa."

Esse ponto de vista é amplamente difundido na Alemanha, onde muitos temem que as hostilidades ocasionais contra a aliança militar atlântica OTAN, por exemplo, beneficie o objetivo estratégico de Putin de dividir o Ocidente e aumentar a influência internacional da Rússia.

"Donald Trump está se encontrando com Vladimir Putin, o homem que ele admira – e que se tornou o adversário do Ocidente", diz o texto principal da revista semanal Der Spiegel. "Se a cúpula de Helsinki se tornar um encontro de dois [líderes] que pensam igual, isso poderia abalar [profundamente] a Europa."

Uma das maiores preocupações dos alemães é a crença de que o homem de negócios e ex-estrela de TV Donald Trump pode estar extremamente abaixo do nível de um político veterano como Putin. "O presidente americano está tropeçando para dentro de uma cúpula com um ex-agente da KGB, o extinto serviço secreto soviético, que se manteve no poder por 18 anos, oprimiu a oposição, manipulou eleições democráticas e não tem escrúpulos em usar de violência", relata o Spiegel. "[Putin é] Alguém que sabe exatamente o que quer", descreve ainda o texto da revista.

A desconfiança das motivações e da capacidade de liderança de Trump fica evidente em como os alemães veem os EUA como um todo. Numa pesquisa do YouGov publicada no início de julho, os alemães foram questionados se tinham uma visão geralmente positiva ou negativa dos Estados Unidos: 59% disseram ver os EUA de forma negativa, comparados com apenas 29% que assinalaram a opção positiva.

A diferença entre a perspectiva negativa e positiva na França foi de 56% para 36%, respectivamente, enquanto mais entrevistados no Reino Unido disseram ver os Estados Unidos de forma positiva (48%) do que negativa (39%). Porém, a visita de Trump ao país na semana passada pode ter alterado esses números.

Os motivos para a antipatia dos alemães em relação a Trump são mais complexos do que a resposta visceral ao estilo de liderança abrasivo do presidente americano. Os alemães simplesmente têm prioridades diferentes.

Num estudo recente realizado pelo instituto de pesquisas de opinião Emnid para o diário Bild, perguntou-se aos entrevistados quais assuntos políticos eles consideravam os mais importantes. O aumento de despesas com o setor da Defesa, uma das prioridades de Trump, ficou em último lugar, com apenas 16%.

Segundo a pesquisa, os alemães também não estão particularmente preocupados com o aumento da imigração na Europa: apenas 38% dizem que priorizariam "limitar a imigração". O que parece preocupar mais os alemães é a pobreza na velhice, a manutenção de oportunidades de educação iguais para todos e a melhoria de seu sistema de saúde.

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