Governo russo classifica abate de caça como “provocação planejada”

O ministro do Exterior da Rússia, Sergei Lavrov, afirmou nesta quarta-feira (25/11) que o abatimento de um caça russo por parte da Força Aérea turca "parece ser uma provocação planejada", mas garantiu que a Rússia "não entrará em guerra" com a Turquia.

O chefe da diplomacia russa telefonou cerca de uma hora com seu homólogo turco, Mevlut Cavusoglu. Segundo Lavrov, o ministro turco "tentou justificar as decisões da Força Aérea turca" afirmando que a aeronave russa "voou um total de 17 segundos no espaço aéreo turco".

"Tenho sérias dúvidas de que se trate de um ato espontâneo, parece muito uma provocação planejada", disse Lavrov. "No entanto, não entraremos em guerra com a Turquia. As nossas relações com o povo turco não mudaram", garantiu, em coletiva de imprensa.

Momento antes, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, também havia declarado que seu país "não tem qualquer intenção de provocar um aumento de tensão após este incidente", no entanto, sem deixar de cutucar Moscou.

"Sejamos honestos. Apoiar alguém que pratica terrorismo de Estado… Se você confirma, se você aprova violência ou opressão, então você é um opressor", disse Erdogan, em aparente referência ao apoio russo ao presidente sírio, Bashar al-Assad.

Putin: Moscou reagirá de outra forma

À imprensa russa, o presidente do país, Vladimir Putin, assegurou que tomará todas as medidas necessárias para proteger o contingente aéreo que participa na operação antiterrorista na Síria. Depois de ter afirmado no dia do abatimento "terá graves consequências para as relações russo-turcas", Putin salientou, nesta quarta-feira, que Moscou reagirá de "outra forma" se houver novos incidentes com a Turquia.

Putin recomendou ainda aos cidadãos russos que não se desloquem à Turquia, um dos seus destinos turísticos favoritos. "Os nossos cidadãos que estão na Turquia podem correr um sério perigo", disse. Ano passado, cerca de 3 milhões de russos passaram suas férias na Turquia.

"Prontos para formação de Estado-maior comum"

Em Paris, apesar dos pouca cooperação aparente conquistada pelo presidente francês, François Hollande, durante sua turnê mundial, o embaixador russo na França, Alexander Orlov, afirmou que a Rússia "está pronta para formar um Estado-maior comum" contra o EI, apesar da tensão entre Ancara e Moscou.

"Estamos prontos para todas as formas de planejamento conjunto sobre as posições do 'Daesh' (acrônimo árabe do EI) e elaborar um Estado-maior comum com a França, com os EUA e com todos os países que quiserem entrar nesta coalizão", disse o diplomata, em entrevista à rádio francesa Europe1. Ele afirmou ainda que os turcos "serão bem-vindos" nesta aliança.

Após as conversações na Casa Branca entre Hollande e Barack Obama, na terça-feira, o presidente americano afirmou que seria "extremamente útil" se a Rússia trabalhasse juntamente com os EUA e com outros países para colocar um fim à guerra na Síria.

Moscou reforça presença militar em Latakia

Se no campo da política os avanços são moderados, em solo sírio houve mudanças imediatas. Moscou despachou um cruzador para ajudar a reforçar a defesa aérea em torno da base russa em Latakia, na Síria. Além disso, foram enviados também os sofisticados sistemas de mísseis antiaéreos S-400 e, a partir de agora, aeronaves russas serão protegidas durante bombardeios por caças de combate. A mensagem à Turquia e seus aliados é clara: não ouse tentar novamente.

Turquia divulga áudio com advertências a caça russo

Exército turco divulgou nesta quarta-feira (25/11) vários registros de áudio que, segundo Ancara, provam as advertências feitas ao piloto de um caça russo que foi abatido pela Força Aérea turca próximo à fronteira com a Síria.

"Esta é a Força Aérea turca falando em guarda. Você está se aproximando do espaço aéreo turco. Dirijam-se para sul imediatamente", indicou uma voz numa das gravações em inglês divulgadas e citadas por agências internacionais. A gravação mostra que a mensagem foi repetida várias vezes.

Em sua primeira entrevista após ser resgatado, o piloto russo Konstantin Murakhtin disse à mídia estatal russa que não houve nenhum aviso prévio ao abatimento de sua aeronave por caças turcos.

"Não houve nenhum aviso, nem por mensagem de rádio nem visualmente. Não houve nenhum contato", disse Murakhtin na base russa na Síria, em Latakia, de costas para as câmeras. O capitão negou ainda ter entrado em espaço aéreo turco "mesmo que por um único segundo".

Em telefonema com o ministro do Exterior da Rússia, Sergei Lavrov, seu homólogo turco, Mevlut Cavusoglu, afirmou que a aeronave russa "voou um total de 17 segundos no espaço aéreo turco". Lavrov afirmou que o incidente parece ser uma "provocação planejada" . Putin classificou o abate do caça SU-24 como uma "punhalada nas costas dada por cúmplices de terroristas".

Turquia deve resolver logo a crise com a Rússia, dizem especialistas

A tensão entre Ancara e Moscou se transformou numa verdadeira crise depois do abate de um avião militar russo pela Turquia, perto da fronteira com a Síria. O presidente Vladimir Putin afirmou que o incidente vai ter "consequências sérias" para a Turquia. Já o ministro russo do Exterior, Serguei Lavrov, cancelou sua visita ao país, programada para esta quarta-feira (25/11).

Especialistas consultados pela DW concordaram que uma crise histórica está se desenrolando nas relações entre os dois países, e Ancara não pode deixar de adotar um comportamento diplomático para tentar resolver essa crise.

Durante a última reunião de cúpula do G20 em Antália, ficou acertado o encontro, em Istambul, de um subgrupo do Conselho Rússia-Turquia de Cooperação de Alto Nível. Lavrov fora escalado para participar dessa reunião.

No entanto, depois de as Forças Armadas da Turquia declararem que seu espaço aéreo fora violado, e ao ficar claro que o caça abatido era russo, o cancelamento da viagem de Lavrov suscitou temores de que uma séria crise esteja se formando entre os dois países.

Já Lavrov afirmou que a ameaça de terrorismo na Turquia é tão elevada quanto no Egito, onde uma aeronave com cidadãos da Rússia foi bombardeada, em outubro.

Crise de longo ou curto prazo?

O argumento da Turquia de que avisou o caça russo pelo menos dez vezes, antes de derrubá-lo, não tem ajudado a abrandar a severa reação da Rússia. Ancara alega que estava apenas protegendo suas fronteiras e que não faz concessões quando o assunto é a violação de seu espaço aéreo.
 

Em meio à crise na Síria, o que significa o surgimento de uma outra crise, desta vez entre Rússia e Turquia? Será uma crise de longo ou curto prazo? Que mudanças se pode esperar no relacionamento entre os dois países?

"Ocorre uma crise histórica nessa relação. A Turquia precisa pensar em resolver essa crise imediatamente, do contrário não haverá volta", diz Hasan Ali Karasar, especialista em Rússia e professor de relações internacionais da Universidade Atilim, em Ancara.

Ao mesmo tempo, a Turquia precisa investigar o que aconteceu com os dois pilotos da aeronave abatida. Um deles salvou-se, segundo a Rússia, e o outro foi morto a tiros por rebeldes. "Se a Turquia não for sincera a esse respeito, os russos vão agir ainda mais severamente", opina Karasar.

Necessidade de uma solução

O pedido de Ancara de uma reunião com a Otan não deve ser interpretado como a preparação de uma guerra, diz Karasar. No entanto, além do abate do avião, também é preciso levar em consideração os ataques da Rússia à região turcomana da Síria.

"Neste ponto, uma tarefa de porte caiu nas mãos da diplomacia. Diplomatas de ambos os países precisam encontrar uma solução para acabar com essa crise. As próximas horas serão críticas", prevê o especialista.

De acordo com Serhat Erkmen, do Instituto Turquia Século 21, seu país deu um passo violento ao derrubar o avião russo. Ele antecipa que os próximos dias estarão "sob o signo da crise" na relação entre a Turquia e a Rússia.

"Sabemos que a Turquia é sensível na questão dos turcomanos. A Rússia estava ciente disso. A constante violação do espaço aéreo turco pela Rússia foi entendida como se a Turquia estivesse perdendo seu poder de dissuasão. Ela queria combater essa impressão, mas a reação foi excessiva. Num momento em que a sensibilidade a respeito dos turcomanos está aguçada, um avião russo foi abatido na primeira violação."

Nova frente na crise síria

O incidente não vai levar a Rússia a desistir de suas operações na Síria, acredita o especialista. "Os países aliados do Ocidente estão dizendo para a Turquia: 'Sim, você tem o direito de proteger suas fronteiras, mas não exagere'. É isso: uma nova frente se abre na crise síria, e Rússia e Turquia são forçadas a encará-la. Isso significa que um período tenso está a caminho."

Segundo Erkmen, o abate do avião russo representa uma "vitória moral" para a oposição síria. No entanto, ele afirma que a Rússia continuará com suas operações na região turcomana e tirará Aleppo das mãos dos rebeldes.

"Vai ser difícil parar a Rússia a esta altura. As relações entre o país e a Turquia estão sujeitas a uma crise, cujo desdobramento será determinado pelos anúncios procedentes do Ocidente."

Turquia depende da Rússia

Os especialistas também lembram que a Turquia é dependente da energia vinda da Rússia. "Metade do carvão consumido pelos turcos é importado, e 31% vem da Rússia", diz o especialista em energia Necdet Pamir. Ele acrescenta que a Turquia depende dos russos para 55% de seu gás natural e 16% de seu petróleo.

"A Turquia está construindo uma usina nuclear com a Rússia. Ela depende dos russos em termos de energia. Devido a uma política ruim na Síria, ela está se perguntando o que aconteceu e se vendo incapaz de sair da crise. Se a Rússia diz que consequências sérias virão após o abate do avião, então tais consequências são possíveis. O país pode cortar o fornecimento de gás natural quando quiser", afirma.

Para Osman Faruk Lo?o?lu, ex-embaixador turco nos Estados Unidos, seu país "tomou uma postura desnecessária frente à crise na Síria". "A Turquia tentou derrubar o regime e agravou a crise. Todo mundo sabe que a Rússia jamais admitiria perder sua posição na Síria e no Mediterrâneo Oriental. A Turquia se lançou numa crise e, na verdade, continua sozinha com a ameaça de guerra."

O diplomata aconselha a Turquia a atender aos pedidos de bom senso vindos do Ocidente, a fim de impedir que a crise com a Rússia se acirre ainda mais.

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