Os radicais de rua e o anarquismo

Publicado  OESP 05 Agosto 2013

ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR
 Desembargador Aposentado do TJ de SP
ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM

É possível que o Estado brasileiro não esteja dedicando a necessária atenção aos grupos radicais que se especializaram em destruir prédios públicos, agências bancárias, lojas e agências de automóveis, aproveitando-se das passeatas legítimas de grupos que fazem postulações públicas de direitos. Destruir o patrimônio público e privado é crime, significando que não se poderá admitir que esses atos de violência continuem impunes.

Não se deseja que ocorra a violência como resposta do Estado. No entanto, o fingir que nada de grave acontece representaria um sério risco para o País, pelo exemplo perigoso, que se propaga, sem que se tenha notícia da punição efetiva dos infratores.

Um desses grupos radicais, praticando o que a duvidosa inteligência lhes permite, se autointitula anarquista e age aparentemente com o propósito de chamar a atenção, e com isso, quem sabe, agrupar mais pessoas iguais. O anarquismo é coisa tão fora de moda que talvez a maior parte das pessoas nem saiba o que significa.

Trata-se de uma filosofia meio preguiçosa, negadora dos valores sociais e políticos que prevalecem no mundo contemporâneo, tais como a ordem, a propriedade privada, a submissão à lei. A doutrina, de pouquíssima expressão na História da humanidade, é contrária a qualquer forma de governo e prega a ausência de coerção. Faz lembrar aquilo que se costuma dizer, jocosamente, de alguns espanhóis: "Si hay gobierno, soy contra".

É inacreditável que esses grupos radicais, nascidos recentemente, façam tanta baderna, livremente, e que o aparelho de Estado ainda não tenha encontrado a forma de impedir os prejuízos públicos e privados por eles causados. Os integrantes desses grupos se infiltram facilmente nas manifestações populares de reivindicações de direitos.

Com o rosto coberto por máscaras e bombas artesanais (coquetéis molotov) escondidas nas mochilas, passaram a cometer os ilícitos repetidamente. Com isso as passeatas de jovens tão bem-intencionados acabaram por se prestar a uma finalidade diversa da que pretendiam.

O exemplo desses radicais é pernicioso ao extremo, porque se traduz na ideia de impunidade. Eles perceberam que podem existir, alarmar, cometer tais crimes e desaparecer na multidão.

Sem nenhuma dúvida, essa conduta pode converter-se em grave problema de ordem pública e, pior, tornar-se endêmica caso o serviço de inteligência das Polícias Civis e Militares (PM) não encontre a fórmula certa para combatê-la.

As manifestações populares são previamente conhecidas das Polícias Civil e Militar e quase como regra nelas aparecem os baderneiros mascarados, prontos para a destruição de bens públicos e privados. Difícil é entender as razões por que não há o acompanhamento necessário de segurança para impedi-la.

O jurista italiano Giuseppe Chiovenda lançou em sua obra Dos Delitos e das Penas, quase cem anos atrás, uma afirmação que ainda hoje ecoa no mundo jurídico e é sempre repetida: o que faz diminuir a incidência dos delitos não é a crueldade das penas, mas a certeza da punição. Realmente, onde existe certeza da punição a criminalidade cai verticalmente.

Mas, alertava ele, sem a certeza da punição ocorre exatamente o contrário, ou seja, propaga-se a ideia de impunidade. Lamentavelmente isso vem ocorrendo no Brasil de nossos dias, porque os autores desses crimes cometidos na presença de centenas de pessoas não têm recebido a necessária punição.

Quando detidos pela Polícia Militar, são levados às delegacias de polícia para ser lavrada a ocorrência e, em seguida, libertados, pela convicção que prevalece de suas ações de vandalismo não se tratarem de delitos de grave potencial ofensivo. Existirá, contudo, algo que propague de forma mais direta a ideia de impunidade do que milhões de brasileiros assistirem, pela televisão, à prisão desses baderneiros seguida de sua libertação?

Sem o menor temor da polícia, e seguros de que não haverá punição severa, os grupos de infratores são estimulados a grudar nos grupos de pessoas que vão realizar manifestações em defesa de direitos.

Os primeiros protestos de junho, nascidos em São Paulo, serviram para tirar o Brasil de uma espécie de letargia que o dominava havia décadas. O jornal espanhol El País em diferentes ocasiões satirizou a acomodação do povo brasileiro, que se mostrava capaz de fazer passeatas a favor da maconha, paradas gay com até 1 milhão de manifestantes, mas tolerava de forma absurda a ocorrência incessante dos atos de corrupção.

A fase de tolerância pública, felizmente, ficou para trás. Sempre que um ciclo cultural chega ao fim, outro imediatamente tem início – e hoje todos vemos, com admiração, que a cobrança pública feita aos políticos começa a dar resultados e a deixar claro que essa nova dialética é proveitosa e poderá ser útil ao longo do tempo. Reclamar, exigir, discordar, isso foi aos poucos exibindo a nova cara do Brasil.

No dia em que foi realizada a primeira manifestação popular brasileira, em São Paulo, motivada pelo aumento na passagem de ônibus, trens e metrô, houve da parte da Polícia Militar certo exagero no controle dos grupos que se deslocavam pela cidade. A repercussão negativa foi tão grande que provocou resultado inverso: a PM passou simplesmente a acompanhar os manifestantes, tolerando os exageros. Ora, na presença de crime não pode haver omissão do Estado, sob pena de representar um estímulo à impunidade.

Cada vez que um crime é praticado na presença dos encarregados de manter a ordem, e estes não cumprem o seu papel, verifica-se praticamente a ocorrência de outro crime, isto é, deixar de cumprir a lei.

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