Energia nuclear já é a segunda fonte de geração elétrica

Nota DefesaNet – Matérias publicadas na Cobertura PROSUB devido ao emprego nuclear na MB


Revista BRASIL NUCLEAR ANO 12, NÚMERO 3

Othon Pinheiro é uma das referências do setor nuclear brasileiro. Com reconhecida competência técnica e um perfil empreendedor, ele deslanchou o programa nuclear da Marinha, que entre outros frutos assegurou ao país o domínio da tecnologia de enriquecimento de urânio. Após deixar o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), atuou como consultor e, há cerca de um ano, assumiu a presidência da Eletronuclear. O desafio de conduzir uma grande empresa geradora de nergia, no entanto, não diminuiu seu entusiasmo pela tecnologia. E foi justamente esse entusiasmo, aliado ao bom relacionamento que mantém com os engenheiros da empresa, que lhe permitiu dar uma importante contribuição para solucionar um problema técnico em um gerador. Inovadora, a solução está sendo apresentada em um congresso internacional e sua aplicação está sendo considerada por duas usinas nucleares americanas. Nesta entrevista a Vera Dantas e Fábio Aranha, da Brasil Nuclear, o presidente da Eletronuclear fala dos planos da empresa e do futuro energético do país que, a seu ver, já não pode mais prescindir da energia nuclear. “No ano passado, ela foi a segunda forma de geração elétrica do sistema interligado. Isso significa que energia nuclear não é mais coisa do futuro, é coisa do presente”, afirma.

RBN – O parque gerador de energia no Brasil é majoritariamente hidrelétrico e as demais fontes têm uma participação pequena. Esse modelo deve ser mantido?
A geração de energia elétrica é um consumível, que precisa ser produzido, estocado, transportado e distribuído. No Brasil, essa questão foi equacionada com base na hidroeletricidade, que podemos conceituar como a melhor forma de gerar energia elétrica. A região Sudeste, responsável pela maior parte do consumo, é pródiga em rios com desníveis – o que permitia a construção de barragens para estocar a água -, o transporte é relativamente curto e o adensamento da humanidade nas cidades facilitou a distribuição. Mas, há 20 anos, nós aumentamos a capacidade de nossas hidrelétricas, enquanto que o volume de água permaneceu constante. Ou seja, nós aumentamos a produção sem aumentar os estoques de matéria prima. Com isso, qualquer flutuação no fornecimento da matéria prima, em função do aumento do consumo, impacta no estoque. Portanto, o que ocorreu no apagão foi um problema de estocagem. Como o parque hidrelétrico depende da flutuação dos afluentes dos rios, das variações de vazão e das mudanças do regime pluviométrico, é preciso haver uma complementação através de outras fontes energéticas. E é nesse momento que as térmicas assumem importância, funcionando como uma espécie de estoque virtual de energia. Sua participação, embora minoritária, é fundamental para o equilíbrio do sistema. As usinas térmicas hoje disponíveis são baseadas em cinco tipos de combustível: urânio (nucleares), carvão, óleo, gás e biomassa.

RBN – Qual é a fonte energética que apresenta mais vantagens?
Não existe uma energia melhor que a outra. Todas são boas. É preciso formar uma cesta de fontes energéticas que garanta o melhor preço médio para a sociedade e, ao mesmo tempo, com o menor impacto ambiental possível. Isso faz com que a gerência do estoque necessário ao suprimento de energia no país seja bastante complexa. A biomassa, por exemplo, ainda apresenta problema na estocagem: é preciso levar a cana aos centros que produzem energia e se a distância é muito grande, gasta-se muito dinheiro em transporte. Já a energia nuclear não tem esse problema. Pelo contrário, sua grande vantagem é ter um custo de estocagem muito baixo. É imbatível, quando comparado com o das demais térmicas.

RBN – O que faz com que isso aconteça?
O urânio, estocado na forma de óxido, o UO2, ou mesmo sob a forma de yellow cake, gera uma quantidade de energia muito grande. Uma central de 1000 MW, funcionando o ano todo, consome o equivalente a 225 toneladas de yellow cake. Ora, nenhum outro combustível produz tanta energia com um volume tão pequeno. Além disso, a quantidade de rejeito produzido é muito pouca, cerca de 25 metros cúbicos por ano. Ou seja, a estocagem do combustível é simples e o volume de rejeitos produzidos é muito pequeno. Temos, então, duas vantagens difíceis de serem batidas por outras fontes térmicas.

RBN – Mas, apesar disso, o país deixou de investir na energia nuclear. Por que isso aconteceu?
As decisões para a área nuclear foram tomadas, no passado, dentro de uma visão estratégica das autoridades de então. Sabia-se que ela seria necessária, embora na época não fosse economicamente competitiva frente à energia hidrelétrica, uma vez que era possível construir barragens com acumulação e próximas dos centros consumidores. Mas, com o esgotamento das opções de aproveitamento dos rios nas regiões mais próximas e, também, com o aumento do preço dos combustíveis fósseis, o cenário mudou. A energia nuclear, hoje em dia, é muito competitiva. Uma prova disso é que, no ano passado, ela foi a segunda forma de geração elétrica do país. Este é um dado muito importante. No sistema interligado, 91,9% da energia produzida foi hidrelétrica; em segundo lugar, com 3,3%, ficou a energia nuclear. Isso significa que, no ano passado, a energia nuclear gerou mais do que todas as usinas a gás juntas, mais do que todas as usinas a carvão juntas, ou seja, o insumo que mais gerou energia elétrica, depois da água, foi o urânio. Então, a energia nuclear não é mais coisa do futuro, é coisa do presente.

RBN – Esse crescimento da participação da energia nuclear no sistema interligado significa que já está em curso uma mudança na matriz energética?
O sistema interligado brasileiro sempre foi baseado basicamente na hidroeletricidade. A geração térmica era empregada em sistemas isolados como em Manaus, por exemplo. Mas a virada do século caracteriza uma mudança no sistema interligado, que está se tornando paulatinamente um sistema hidrotérmico. A participação térmica continuará crescendo e, com ela, a energia nuclear. Todas as fontes térmicas são importantes, mas não há como prescindir da participação da energia nuclear, principalmente porque temos uma reserva de urânio muito grande. Se computarmos apenas as reservas conhecidas e estimadas, temos uma quantidade de urânio equivalente a algo entre 40 e 50 bilhões de barris de petróleo. É, de fato, algo muito importante.

RBN – Depois de muitos anos, o país voltou a ter um planejamento energético. Qual é a participação da energia nuclear nesse programa de longo prazo?
Existem duas incertezas no horizonte. Uma delas, que os outros países também enfrentam, é o crescimento econômico. O crescimento depende de uma série de fatores, internos e externos, que devem ser levados em conta numa previsão. Embora seja uma equação eminentemente técnica, há sempre um pouco de exercício de futurologia. A segunda incerteza é o quanto do potencial hidrelétrico poderemos aproveitar, com condições ambientais adequadas. Devido a essas duas incertezas, o governo, através da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) elaborou vários cenários econômicos e, para cada um eles, montou uma cesta de fontes energéticas. No caso da energia nuclear, um cenário de crescimento relativamente conservador demanda a implantação de apenas quatro centrais de 1000 MW até 2030; já num cenário de um crescimento um pouco maior ou de menor aproveitamento do sistema hidrelétrico serão necessárias oito centrais até 2030. Isso significa que deverão ser construídas entre quatro e oito centrais até 2030, sendo que existem condições da primeira estar operando em 2017. É importante ressaltar que essas novas unidades serão construídas além de Angra 3. Ela é a primeira etapa de uma caminhada que virá porque, em primeiro lugar, o sistema energético precisa e, também, porque é uma boa opção em termos ambientais.

RBN – Mas uma das críticas que se faz à energia nuclear é que ela gera rejeitos que são perigosos para as pessoas e o meio-ambiente…
Existe uma diferença fundamental entre os rejeitos gerados pela energia nuclear e os demais: nós não convivemos com os rejeitos nucleares. Nós convivemos com a fumaça dos nossos automóveis, que produz o CO2 e outros componentes químicos, alguns deles bastante agressivos; nós convivemos com a creolina, um desinfetante que, embora sendo um forte agente cancerígeno, ainda não está proibido no Brasil; convivemos com metais pesados… Um exemplo recente é que, em Jacareí (RJ), há cerca de cinco meses foi detectado em amostras de leite materno um teor de metais pesados muito maior do que seria admissível. Ou seja, nós convivemos com uma quantidade enorme de rejeitos, mas nenhum de nós convive com rejeito nuclear. Não obstante, pessoas mal informadas satanizam o rejeito nuclear e fecham os olhos para os demais.

RBN – Como está situado o Brasil no que concerne ao domínio da tecnologia nuclear?
O Brasil encontra-se em uma posição privilegiada. Ele é um dos três únicos países, ao lado dos Estados Unidos e Rússia, que possuem reservas de urânio e detêm a tecnologia do ciclo do combustível. Os demais possuem matéria-prima mas não dominam a tecnologia, ou vice-versa: o Canadá e a Austrália são ricos em urânio mas não têm a tecnologia do enriquecimento; no caso oposto estão a China, cujas reservas de urânio são muito pequenas, e a França, a Alemanha e o Japão, que não têm reservas. Temos, portanto, uma vantagem diferencial muito grande, da qual não podemos abrir mão.

RBN – Nossas reservas permitem atender o consumo interno e exportar?
Se formos construir Angra 3 e, após 2017, uma usina de 1000 MW a cada ano e meio, continuando além de 2030 com uma usina por ano até atingirmos uma capacidade instalada igual à França, as nossas reservas medidas seriam suficientes para chegar a 2050, mesmo exportando anualmente três mil toneladas de concentrado, que é 1/3 do que a França usa por ano. Essa exportação, sem tirar qualquer recurso do Tesouro, é suficiente para custear todas as usinas do ciclo, com folga. Quando se diz que Angra 3 custará cerca de R$ 7 bilhões, não é mencionado que será um empreendimento comercial normal: os recursos virão através de empréstimo com o BNDES e serão pagos com a tarifa de energia gerada, uma tarifa mais baixa que outra forma de energia. O dinheiro de Angra 3 não será tirado do Tesouro, trata-se de um empreendimento comercial como outro qualquer, que é pago por si mesmo. As instalações do ciclo podem ser pagas com essa pequena quantidade de concentrado exportada e as centrais serão pagas com o dinheiro da tarifa, evitando que esta seja mais alta. Se o brasileiro não quiser pagar mais por eletricidade e conviver com rejeitos, ele tem que optar pela energia nuclear.

RBN – Uma das possibilidades discutidas durante a elaboração do Programa Nuclear é a construção de pequenas centrais nucleares, utilizando tecnologia desenvolvida no CTMSP. Qual sua opinião sobre essa proposta?
Eu tenho, hoje, dúvidas sobre a economicidade das pequenas centrais. Isso porque o custo operacional de uma usina, abaixo de uma certa potência, é fixo. Depois de realizar muitos estudos concluímos que, depois de Angra 3, deveremos nos fixar em usinas de 1000 MW, reunidas em centrais com cinco unidades. Com isso, conseguiremos num mesmo local ter um bom aproveitamento da mão-de-obra – por exemplo, quando há uma parada para troca de combustível -, ter um só almoxarifado de peças, o que otimiza e reduz o custo de estocagem. É uma estratégia muito lógica trabalhar com centrais, que devem estar sempre economicamente próximas do sistema interligado.

RBN – Uma possibilidade que vem sendo levantada é a construção de usinas no Nordeste.
O Nordeste é o candidato natural por uma razão muito simples: é onde o potencial hidrelétrico se esgota primeiro. Outro motivo é que a empresa propõe que sejam feitas parcerias com as outras estatais geradoras locais. A estratégia é padronizarmos ao máximo, pois a padronização permite diminuir custos.

RBN – Existe algum candidato natural? Há algum plano mais específico para Sergipe?
Um candidato natural é o Vale do São Francisco. Agora, se é Sergipe ou Alagoas, ainda não sabemos.

RBN – Por que o Vale do São Francisco?
O Vale tem várias vantagens, sendo as principais estar próximo do sistema interligado e ser uma região geologicamente muito estável, com água doce para refrigeração. Por outro lado, é importante contribuir para o desenvolvimento econômico e social daquela região.

RBN – Uma das críticas que se faz ao projeto de Angra 3 é ter uma tecnologia ultrapassada. Ela tem algum fundamento?
Quando Angra 3 foi adquirida, foram fornecidas primeiramente as peças mais pesadas, ou seja, a parte mecânica; já a parte de instrumentação e controle, que é a que mais evoluiu, não foi fornecida. Isso faz com que Angra 3, embora estocada há mais de vinte anos, seja tecnologicamente compatível com todas as instalações que estão sendo construídas no mundo. Ela terá o sistema de instrumentação e controle mais moderno existente. E, além disso, alguns componentes que já demonstraram, pelo uso em Angra 2, que poderiam ser melhores serão aprimorados, transformando Angra 3 numa central muito boa. E as outras que vêm depois dela, melhores ainda.

RBN – Sua experiência à frente do projeto do CTMSP trouxe alguma contribuição para o seu trabalho na Eletronuclear?
O fato de ter trabalhado por muitos anos no setor me dá uma certa tranqüilidade, a capacidade de diagnose fica aguçada. Essa experiência também é importante no relacionamento e diálogo com o excelente quadro técnico da empresa. Além disso, por ter prestado uma consultoria anterior para a Eletronuclear, já conhecia e admirava vários
engenheiros que aqui trabalham. Embora não caiba ao presidente dar palpites técnicos, eu adoro essa área. Um motivo de orgulho para mim foi ter recebido, no ano passado, um dos prêmios internos de engenharia, por ter diagnosticado um problema de ressonância no gerador elétrico de Angra 1. Uma equipe excelente, coordenada pelo engenheiro Lúcio Dias Ferrari, modelou e, em apenas um dia, nós fizemos essa correção no equipamento, que estava parado há mais de um mês, além de termos economizado cerca de US$ 1 milhão de custo de consultoria para resolver o problema. A solução vai ser apresentada pelo Ferrari no Congresso Internacional SMiRT (Structural Mechanics in Reactor Tecnology ) e sua aplicação já está sendo considerada por centrais nucleares americanas.

RBN – Como foi a sua experiência à frente do projeto nuclear da Marinha?
Foram 14 anos de trabalho, em que enfrentei muitos desafios. Quando cheguei, tinha zero de orçamento, zero funcionários; ao sair, o projeto contava com 1690 funcionários, o ciclo do combustível tinha sido dominado e um reator havia sido projetado, o Labgene. Ele é exatamente uma pequena Angra 3. Mas está encaixotado, o que é uma pena.

RBN – O projeto foi suspenso?
Sim, mas felizmente, o governo decidiu retomá-lo. Essa decisão eu ouvi do próprio Presidente da República. Eu disse a ele: “Presidente, para os meus ouvidos, isto soa como uma música finíssima”. Como ex-funcionário do CTMSP, eu fico muito satisfeito com essa decisão. Também considero formidável a sensibilidade do presidente, que viu a importância do projeto. Esse reator vai ajudar no treinamento dos futuros operadores das novas centrais. Ele poderá ser empregado numa primeira fase, que antecede o treino no simulador. Eu acho que o setor nuclear está vivendo uma fase boa. Uma prova disso é que já há planos de se construir um reator de testes de materiais. O país está assumindo sua grandeza nessa área.

RBN – A construção de Angra 3 acaba de ser aprovada. Em quanto tempo as obras serão iniciadas e qual o prazo total previsto para a entrada em operação da usina?
Estamos com garfo, faca e guardanapo no pescoço. Dentro dois a três meses, as obras já estarão a pleno vapor. A usina será construída em 66 meses. Podemos reduzir três, quatro meses, até seis meses, mas não mais do que isso.

RBN – E o licenciamento ambiental?
O processo de licenciamento está correndo de forma independente da aprovação da obra. As audiências públicas já foram realizadas. Ou seja, a licença vem logo, não há porque esperar. O processo é mais rápido porque já existem duas usinas operando no local. No caso de uma usina hidrelétrica, não existem duas barragens no mesmo local, cada evento é um evento diferente. Em Angra, nós já temos uma usina que é irmã gêmea da que será construída. É um empreendimento praticamente sem incertezas.

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