Pesquisa científica em Ciências Militares: o problema do problema

Coronel Marcos Heleno Guerson de Oliveira Júnior

Um erro comum dos alunos que realizam pesquisa científica em Ciências Militares – normalmente como trabalho de conclusão de curso de especialização (o famoso TCC) – é não dar devida atenção ao problema da pesquisa. Na verdade, são muitas as circunstâncias em que o aluno deseja utilizar a monografia para demonstrar seu conhecimento.

Além de permanecer em sua área de conforto, o aluno imagina que terá menos trabalho se desenvolver um tema que domina. No entanto, é necessário lembrar que as escolas militares costumam ter como exigência do TCC o resultado de uma pesquisa científica e não a simples apresentação de uma monografia.

Não são poucos os militares que possuem boas experiências e que gostariam de divulgá-las. Contudo, o espaço para a divulgação não seria um TCC, mas a publicação de um ensaio ou artigo em uma revista. Necessitamos ter sempre em mente o objetivo de cada tipo de trabalho.

O idioma espanhol tem uma palavra interessante para pesquisa: investigación. Acredito que esse termo reforça a ideia de um mistério a ser desvendado, como nos romances policiais. Há algo que se desconhece e se quer conhecer. Há algo que o pesquisador não sabe. Querer mostrar o conhecimento que já possuiu não constitui uma investigação, mas uma exposição.

O que acontece na prática é que o aluno tem uma estrutura montada em sua mente e se vê diante do desafio de imaginar um problema para que sua monografia seja a resposta, invertendo a lógica de uma pesquisa.

A busca de um problema para uma resposta é coisa dificílima, que não costuma dar certo. O produto final resulta em um trabalho mal construído e sem estrutura lógica. Um trabalho com conhecimentos relevantes, mas de maneira nenhuma o resultado de uma pesquisa científica. O propósito principal do trabalho de iniciação à pesquisa é formar o pesquisador iniciante, o que deixa de ocorrer se este pesquisador não se propõe a realmente pesquisar.

Uma das causas dessa distorção, que identifiquei em minha experiência como instrutor na AMAN e ECEME, e de metodologia de pesquisa nessa última Escola, é o pouco tempo destinado para a elaboração do projeto de pesquisa. Equivocamo-nos ao confundir pesquisa científica com monografia. O trabalho escrito é um relatório da pesquisa realizada e não o trabalho em si.

Por causa desse entendimento, instrutores e alunos dedicam o máximo de tempo possível à redação do texto, sacrificando o projeto de pesquisa, que passa a ser uma etapa a ser superada o mais rápido possível. É comum que o tempo destinado ao TCC comece com uma semana de instruções sobre metodologia de pesquisa e prossiga com a apresentação do projeto de pesquisa concluído no final dessa mesma semana ou da próxima.

Um bom projeto de pesquisa necessita de um tempo para ser desenvolvido. É preciso encontrar o problema, o qual requer uma boa revisão bibliográfica do tema a ser estudado. Não bastam apenas leituras, é preciso organizar o conhecimento e maturar os possíveis questionamentos. Também é recomendável conversar com pessoas que tenham conhecimento do assunto. Creio que não se formule um bom projeto em menos de um mês.

Se o aluno tiver tempo para elaborar o projeto e confiar que precisa trabalhar em algo que desconhece, ou seja, que precisa encontrar um problema que realmente não saiba a resposta, terá feito meio caminho de seu trabalho. Ao invés de usar o conhecimento que já tem para apresentá-lo, deve usá-lo como fonte para uma investigação.

Não precisa temer não encontrar a solução, pois a ciência é também tentativa e erro. Chegar ao final sem a resposta também é um resultado válido. Há diversos motivos para não se conseguir responder a pergunta da pesquisa: a hipótese não se confirmou, há necessidade de maior aprofundamento, o caminho não foi adequado, foram encontrados obstáculos não previstos, entre outros.

Precisamos desfazer a confusão de pesquisa com monografia. A monografia é a conclusão da pesquisa. Portanto deve-se evitar começar por ela, como muitas vezes se faz. Elaborar 50 a 100 páginas de conhecimento, pois mais relevantes, não se constitui uma boa pesquisa, mas uma distorção que deve ser evitada tanto pelos alunos como por seus orientadores. É preciso entender que o problema que se quer resolver é absolutamente central para qualquer pesquisa e não uma exigência formal de um projeto de pesquisa.

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