BSB – Capital das armas e das drogas


PAULA PIRES

Pela BR-060, rodovia que corta o Distrito Federal, a apenas 30 quilômetros do Congresso Nacional, circulam produtos contrabandeados ligados ao tráfico de drogas e armas — um arsenal que alimenta um mercado crescente de consumo de entorpecentes e ajuda a proliferar as ações das organizações criminosas na capital do país.

Só no primeiro trimestre do ano, mais de 1,3 tonelada de drogas foi apreendida no DF, de acordo com a Coordenação de Repressão às Drogas da Polícia Civil do DF. Muitas dessas apreensões ocorrem em ações rotineiras, como ontem, quando a Polícia Rodoviária Federal, com a ajuda de um cão farejador, localizou 34kg de maconha na bagagem de uma passageira de ônibus que seguia para Fortaleza.

Apontada também como entreposto na distribuição de armas para as principais cidades do Nordeste, a capital federal tem hoje criminosos perigosos. Dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do DF demonstram a onda crescente da criminalidade na capital do país. Só nos três primeiros meses de 2017, foram registrados 132 homicídios, 523 prisões por porte de drogas, 359 detenções por porte de armas e 168 casos de estupro. Recentemente, cenas de faroeste, com troca de tiros e morte, assustaram os moradores da Asa Norte e de Brazlândia.

A maior parte do material bélico e das drogas apreendidas em Brasília sai das cidades de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, e Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Nos relatórios dos investigadores da PF na capital, carregamentos de armas e drogas chegam pelas pistas clandestinas de fazendas em Goiás e pelas rodovias federais, onde os bandidos têm que percorrer mais de 1,4 mil km de estradas.

Segundo o delegado Kel Lúcio Nascimento de Souza, titular da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado do DF, as principais portas de entrada para o contrabando de armas e drogas do país estão nas fronteiras secas — que não contam com rios e canais cortando a região. “No DF, temos rodovias federais e até distritais utilizadas por criminosos. Por estar no centro do Brasil, transforma-se em ponto de passagem ou mesmo de destino dessas armas,” admite. De acordo com a inteligência da polícia, as drogas e as armas que circulam nas rodovias são, geralmente, escondidas em caminhões de carga.

ARSENAL

Como a demanda bélica dos criminosos é crescente, aumentam também as ofertas, estimulando a revenda de armamento pesado, como rifles semiautomáticos, fuzis AK-47 e AR-15, fuzis antiaéreos, dinamites, miras laser, equipamentos de visão noturna, explosivos C4, de uso exclusivo militar, dinamites e granadas. Kel Souza explica que alguns fuzis têm um elevado poder de impacto. “Com somente um disparo, muitas dessas armas causam morte imediata. No Brasil, enfrentamos uma realidade existente em países que estão em guerra, e é com esse tipo de criminoso que a polícia tem de lidar diariamente.”

O problema, segundo o delegado, é que as polícias estão mal equipadas, com armamento inadequado ou obsoleto. Como se não bastasse, um cartel internacional de drogas atua no Brasil. E o papel do DF é crucial, já que está localizado no centro do país. Para o jornalista investigativo Allan de Abreu, autor do livro Cocaína: a rota caipira, lançado este mês, pelo alto poder aquisitivo da população, o DF se torna um centro cada vez mais importante de distribuição de cocaína. “A cocaína é irmã siamesa da corrupção e da ganância, porque nenhuma outra mercadoria do planeta é tão lucrativa. Um quilo da droga sai dos países produtores por US$ 3 mil, chega ao Sudeste e Centro-Oeste por US$ 12 mil, e na Europa vale US$ 50 mil, em média.”

Segundo Allan, que investigou a fundo este mercado por mais de cinco anos para escrever o livro, o governo deveria investir em larga escala no combate ao narcotráfico, em vez de pequenos traficantes das cidades-satélite. “Isso se faz com inteligência policial, buscando sufocar as grandes organizações criminosas na sua parte mais sensível: a financeira. Bloqueio de bens na Justiça, arresto, investigação sobre os mecanismos de lavagem de dinheiro.”

O professor e pesquisador em Segurança Pública, membro do Centro de Estudos Interdisciplinares em Segurança Pública e Justiça Criminal, Nelson Gonçalves Souza, também critica as políticas públicas no país. “O que diferencia o mercado ilegal de armas no Brasil do resto do mundo é a intensidade com que as coisas acontecem por aqui. A proximidade com o Paraguai talvez explique.”

Ainda segundo o especialista, as instituições devem ser forte o bastante para não se corromper. “Também é essencial que o Estado brasileiro demonstre que é capaz de responsabilizar de forma dura e imediata aqueles que concorrerem para atividades ilícitas e crimes com uso de armas de fogo. Não basta ter leis duras. É preciso aplicá-las firme e prontamente, o que não vem ocorrendo em nosso país, cuja quase certeza do infrator é a impunidade.”

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