Fábio C Pereira: “Ou o Brasil acaba com as corporações criminosas ou as corporações criminosas acabam com o Brasil!”

“Ou o Brasil acaba com as corporações criminosas ou as corporações criminosas acabam com o Brasil!”

 

Fábio Costa Pereira

Procurador de Justiça do RS

No alvorecer do ano de 2017, em apenas duas semanas, mais de cem presos foram massacrados, de forma bárbara e com indisfarçável crueldade, por outros presos, nos presídios de Alcaçuz (Rio Grande do Norte), na Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Roraima) e no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Amazonas).

As notícias que se seguiram, veiculadas na mídia nacional, deram conta de um triste e estarrecedor cenário: corporações criminosas, com ramificações nacionais e internacionais, entraram em guerra para eliminar, concretamente, a concorrência havida no tráfico e distribuição de drogas, tanto em território nacional quanto em diversos outros países da América do Sul.

Desveladas pela imprensa nacional, na sequência e como decorrência das execuções, informações ainda mais alarmantes: o número de organizações dedicadas à criminalidade violenta no país e o número de “colaboradores” (eufemismo que uso para me referir aos soldados das hostes criminosas) que cada uma destas corporações mantém em seus contingentes.

Calcula-se que nada menos do que vinte e sete (27) “facções” criminosas estejam em atuação no país, contando, no total, com milhares de soldados a sua disposição para realizar os mais diversos atos criminosos[1]. Apenas para se dimensionar o problema, o comando da Família do Norte (FDN), protagonista do massacre no Amazonas, jacta-se de possuir, em seus quadros, mais de duzentos mil (200.000) “associados”[2]. O Primeiro Comando da Capital (PCC), alvo dos ataques da FDN, por sua vez, possui mais de vinte e nove mil (29.000) “batizados” (membros acolhidos na organização) e o Comando Vermelho (CV), inimigo do PCC em nível nacional, somente fora do Rio de Janeiro, cidade em que surgiu, conta com mais de dezesseis mil (16.000) mil filiados[3].

Essas corporações criminosas, que nem de longe podem ser chamadas de facções, em razão de sua estruturação organizacional empresarial, representatividade nacional e número de “funcionários”, não temem o poder público e o aparato por este dedicado para proteger a sociedade.

O PCC, o CV e a FDN, sem falar nas demais “facções criminosas” com atuação no país, em inúmeras oportunidades demonstraram que desdenham do poder estatal. Recordemos, a título exemplificativo, que o PCC, no ano de 2006, por determinação de sua liderança, através de seus “batizados”, protagonizou uma série de ataques no Estado de São Paulo, direcionados, principalmente, contra policiais civis, militares e bombeiros, vitimando, na ocasião, mais de duas dezenas de agentes públicos. O CV, por sua vez, em 2016, protagonizou uma série de atentados em Rio Branco, no Acre, ateando fogo em transportes públicos[4]. A FDN, não ficando atrás das demais organizações em seu destemor, como detectado pelo Serviço de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, engendrou plano para eliminar o Secretário de Segurança daquele Estado, Sérgio Fontes, e o Promotor de Justiça, Lauro Tavares, utilizaria, para tanto, malas contendo explosivos, ao bom estilo terrorista[5].

A sociedade brasileira, atônita às revelações acerca do poder do crime organizado no país e diante dos reflexos das batalhas que se seguiram à guerra declarada, no interior e fora das cadeias, passou a pressionar, através das mídias sociais, o governo federal e o dos Estados, para que estes apresentassem soluções à criminalidade desenfreada que campeia no país.

O Presidente da República, Michel Temer, como uma de suas respostas aos reclames da população, anunciou, no dia 17 de janeiro, terça-feira passada, que autorizará às Forças Armadas a ingressar nas unidades prisionais de todo o país para realizar revistas e varreduras atrás de armas, drogas e outros bens ilícitos.

A decisão do governo federal marca importante ponto de inflexão no combate às corporações criminosas que, pela violência e ousadia de suas ações, atemorizam a população e desafiam, a todo o momento, as instituições encarregadas de impor o cumprimento das leis.

Às Forças Armadas, segundo o caput do artigo 142 da Constituição Federal, incumbe a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e a manutenção da lei e da ordem. Não é atribuição destas, salvo em regiões de fronteiras (inciso IV do artigo 17 A da Lei Complementar 97/99), atuar comezinhamente na área de Segurança Pública.

No país, de forma excepcional, tendo como pano de fundo a manutenção da Lei e da Ordem, as Forças Armadas têm sido empregadas para auxiliar na Segurança Pública, seja para garantir apoio a operações policiais ou conferir a necessária tranquilidade no desenvolvimento dos grandes eventos, tais como no caso da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, nos Jogos Olímpicos, na Copa do Mundo etc.

É correto afirmar, no entanto, que a atividade precípua das Forças Armadas é  defender a nação da ação de atores a ela adversos, estatais ou não, externos ou internos, que atentem contra a soberania do país, o seu território e a sua população, elementos que caracterizam os modernos Estados Nacionais desde a Paz de Vetsfália[6].

Muito embora o governo federal motive a utilização das Forças Armadas, para conter a escalada de violência nos presídios, na necessidade de manutenção da lei e da ordem, o que está subjacente é muito mais abrangente. A soberania e a integridade do território nacional se encontram em risco. A pátria amada e mãe gentil, para que não se desintegre, urgentemente precisa ser protegida. Daí decorre, na atual conjuntura, a real motivação para o emprego das Forças Armadas.

O perigo que as corporações criminosas significam para o país há muito deixou de ser de Segurança Pública, é de Defesa. Há parcelas do território nacional que estão sob o jugo das corporações criminosas, contando elas com grande número de soldados e armas de grosso calibre. São estas corporações, portanto, verdadeiras “forças de invasão” que, como tal, devem ser tratadas. Não mais podemos permitir que o exercício da plena soberania estatal sobre o seu território e população continue sendo desafiado por estas corporações.

Os números de mortes violentas que o país ostenta, alavancados pela atuação do crime organizado, aqui considerados apenas homicídios e latrocínios (roubo seguido de morte), superam, inclusive, os de países em guerra civil. De 2011 a 2015, o Brasil contabilizou 279.567 mortes violenta, enquanto a conflagrada Síria, onde em atuação o Estado Islâmico, 256.124[7]. Morremos nós, brasileiros, por conta da desmedida violência, muito mais que em países em guerra declarada.

No dia de ontem, ainda enquanto escrevia o presente artigo, duas novas e impactantes notícias, que dão o exato tom do nível de anomia em que o país está imerso, foram divulgadas pela imprensa e redes sociais: um avião comercial foi atingido por tiro de fuzil, quando ainda em pleno voo[8]; e uma série de ataques “terroristas”, consistentes na queima de transportes e prédios públicos, na cidade de Natal, capital do RN, foi levada a efeito por uma das tantas organizações criminosas que lá operam[9].

 

É mais do que chegada a hora de enfrentar, com todo o peso do Estado, aqui incluindo o seu poderio militar, as hordas criminosas que, em diversos torrões do país, criaram verdadeiros “proto-states[10], impondo, às populações ali residentes, draconianas regras de convívio social.

Assim, sintetizando o problema e parafraseando o naturalista francês Saint-Hilaire:Ou o Brasil acaba com as corporações criminosas ou as corporações criminosas acabam com o Brasil!”.E que Deus tenha piedade de todos nós!

 


[6]A Paz de Vestphalia (1648) é constituída por um conjunto de tratados que colocaram fim a Guerra dos Trinta Anos no continente europeu. Como uma de suas principais consequências, a Paz de Vetsfália trouxe a definição do atual modelo de Estados Nacionais.

 

[8] Disponível em: “http://veja.abril.com.br/brasil/aviao-da-latam-e-atingido-por-tiro-de-fuzil/”. Acesso em 19 de janeiro de 17.

 

[10] O termo “proto-state” tem sido empregado para definir grupos islâmicos, com atuação militar, em especial o Estado Islâmico, que, com o fruto de suas ações bélicas, logram o domínio sobre dado território, impondo à população local as suas próprias leis. No entanto, na ótica do autor, qualquer grupo militar, paramilitar ou criminoso que consiga o domínio sob parcela do território de dado país, negando-lhe soberania e igualmente impondo as suas regras de convívio social, trilha o mesmo caminho.

 

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