Interesses econômicos e políticos regem acordo nuclear entre Brasil e Alemanha

A Alemanha decide nesta quinta-feira (06/11) sobre o destino do acordo nuclear com o Brasil, que completa 40 anos em 2015. Mas o resultado da parceria, que deveria vigorar inicialmente por 15 anos, foi bem diferente do previsto, e muitas propostas acabaram ficando somente no papel e na imaginação de seus idealizadores.

No dia 18 de novembro de 1975 entrava em vigor o acordo assinado por Alemanha e Brasil para cooperação bilateral na utilização pacífica de energia nuclear. Pelo acordo, na teoria, o Brasil se comprometia a desenvolver um programa com empresas alemãs para a construção de oito usinas nucleares, além do desenvolvimento de uma indústria teuto-brasileira para a fabricação de componentes e combustível para os reatores. Além disso, o país tinha interesse no repasse da tecnologia para poder dominar o ciclo de enriquecimento de urânio.

Mas na prática muito pouco saiu como o assinado. Com o acordo, o Brasil pôde trocar o até então parceiro nesse setor, Estados Unidos, pela Alemanha. Em 1974, o governo americano, com quem o país tinha um acordo de desenvolvimento de energia atômica desde 1955, suspendeu o fornecimento de urânio enriquecido para laboratórios de pesquisa no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.
 

Bomba atômica brasileira

Com essa suspensão, o governo brasileiro, comandado por Ernesto Geisel e com orientação desenvolvimentista e nacionalista, resolveu mudar sua política para o setor e viu a possibilidade de firmar alianças para alcançar a autonomia na área nuclear. E assim se firmar com potência regional, ao obter tecnologia e conhecimento para a fabricação de uma bomba atômica.

"Um país não tem autonomia no cenário internacional se depende totalmente de conhecimento tecnológico externo. A ala nacionalista dentro do governo Geisel desenhava um projeto de 'Brasil Grande Potência', e para isso teria que desenvolver tecnologia na área nuclear com a possibilidade de fabricação da bomba atômica", afirma a historiadora Albene Miriam Menezes Klemi, da UnB.

Perante a possibilidade de fazer grandes negócios e estreitar a aliança com país em pleno desenvolvimento, o governo da antiga Alemanha Ocidental, que desde 1969 era comandado por uma coalizão entre o Partido Social Democrata (SPD) e o Partido Liberal Democrático (FDP), pareceu não se importar em assinar um acordo com um país governado por uma ditadura militar.

"Para a Alemanha, o acordo se inseria dentro de uma lógica de estender alianças políticas no mundo ocidental dentro do cenário da Guerra Fria. Além disso, havia o interesse principalmente econômico, porque a economia alemã vivia da exportação de alta tecnologia. Portanto, a exportação da tecnologia nuclear, muito cara e de grande valor agregado, era muito interessante", afirma o diretor da Fundação Heinrich Böll no Brasil, Dawid Bartelt.

Parceria natural

Assim, o acordo nuclear estreitava ainda mais os laços alemães com um país que acaba de passar por um milagre econômico. "Isso foi de significado maior para o governo alemão, que fechou os olhos para a realidade política brasileira sob a ditadura, mesmo que na época o governo alemão estivesse oficialmente comprometido com os direitos humanos", completa Bartelt.

A parceira entre Brasil e Alemanha no setor também era natural. Os dois países já trabalhavam juntos em outras aéreas e possuíam um acordo de cooperação científica e tecnológica, assinado em 1969.

Além disso, esse não foi o primeiro acordo nuclear entre os países. Segundo a historiadora Klemi, na década de 1950 foi assinado um acordo secreto, no qual a Alemanha venderia reatores para o Brasil, com a possibilidade desenvolver essa tecnologia em território brasileiro, o que não podia fazer em seu próprio país devido às restrições que sofreu após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a venda dos reatores foi descoberta pelo serviço secreto britânico, e os Estados Unidos impediram o envio do material ao Brasil.

Com o acordo de 1975, o Brasil via novamente a chance de ganhar conhecimento e poder no setor, já que a proposta previa o repasse de tecnologia. A Alemanha também tinha a possibilidade de ampliar seu conhecimento na área e, além disso, teria acesso ao urânio para seus reatores. "A Alemanha ainda não dominava algumas das tecnologias nucleares e poderia vir a desenvolver no Brasil, onde havia matéria prima", reforça Klemi.
 

Acordo falho

No entanto, devido à pressão americana, às críticas internacionais e à crise econômica que atingiu o Brasil, o acordo começou a fracassar já nos primeiros anos. Descontente com os rumos da situação, quatro anos após o início da parceria, o governo brasileiro começou a desenvolver um programa nuclear paralelo, que visava ao total conhecimento do ciclo de enriquecimento de urânio, o que possibilitaria a fabricação da bomba atômica.

A crise econômica da década de 1980 também levou ao cancelamento dos planos de construção de usinas nucleares. Somente duas saíram do papel: Angra 1 e Angra 2.

Mas apesar das mudanças de planos, após seu prazo inicial de 15 anos para expirar, o acordo foi renovado por mais cinco vezes. Em 2004, ele esteve prestes a ser encerrado, segundo o ministro alemão de Meio Ambiente da época, Jürgen Trittin.

O ex-ministro e político do Partido Verde afirmou que os ministérios do Meio Ambiente dos dois países estavam negociando o fim da parceria, mas a então ministra brasileira de Minas e Energia, Dilma Rousseff, pediu a renovação.

Atualmente, no âmbito do acordo, são realizados encontros anuais entre representantes da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e da Sociedade Alemã para a Segurança de Usinas e Reatores Nucleares (GRS), para a troca de informações e experiências, além de workshops e cursos.

Para Bartelt, os interesses de ambos os países de preservar o acordo ainda são os mesmos de 1970 . "O governo alemão querer continuar porque sua economia depende vitalmente da exportação de alta tecnologia, e governo brasileiro continua e, mais do que nunca, querendo melhorar sua posição geopolítica", completa.

 

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