SP – Ficha criminal era verificada antes de mortes

Gustavo Uribe
e Marcelle Ribeiro


 
Às vésperas de ser substituído do cargo, o delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Marcos Carneiro de Lima, revelou ontem haver casos de vítimas da violência em São Paulo que tiveram os seus atestados de antecedentes criminais verificados no sistema da polícia antes de serem assassinados. Na cerimônia de posse do novo secretário da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, o atual chefe da Polícia Civil afirmou ter havido pelo menos um episódio, na atual onda de violência enfrentada pelo estado, de uma pessoa que foi morta na capital paulista após a sua ficha criminal ter sido consultada na Grande São Paulo.

O delegado-geral da Polícia Civil afirmou que tem trabalhado com todas as linhas de investigação, entre elas a de que policiais possam ter cometido assassinatos na periferia de São Paulo. A consulta à ficha criminal reforça a suspeita de que a morte de civis desde o início de outubro possa estar relacionada aos assassinatos de policiais, numa espécie de retaliação.

– Em crimes de homicídio no passado, nós detectamos que as vítimas, antes de serem mortas, tiveram os atestados de antecedentes criminais pesquisados pela polícia. Isso é muito emblemático, e havia uma grande dificuldade para descobrir quem pesquisou aquela vítima. Foi mandado verificar e nós constatamos isso – afirmou.

O atual chefe da Polícia Civil citou caso recente em que um egresso da prisão foi abordado e colocado em seu próprio carro por um policial, que assumiu posteriormente a direção do veículo. No mesmo dia, após uma simulação de troca de tiros, o dono do carro foi morto. O delegado-geral afirmou que há indícios de ações de extermínio em São Paulo, mas disse que ainda não é possível identificar os grupos responsáveis pelos assassinatos.

– Há um caso recente em que um cidadão foi abordado, colocado no próprio carro e um policial assumiu a direção. À noite, simularam uma troca de tiros. Só se chegou na autoria porque esse cidadão, egresso da cadeia, fotografou ele próprio em passeio dentro do carro, momentos antes – disse.

Ele avaliou que a própria sociedade tem estranhado alguns episódios de assassinatos recentes, nos quais há indícios de que não foram criminosos comuns que cometeram o crime.

– A própria sociedade, ao receber a informação de que oito homicídios aconteceram num curto espaço de tempo e num espaço geográfico pequeno, (percebe) que alguma coisa estranha está acontecendo. O criminoso é covarde, mata e foge do local. Ele não mata várias vezes, ele mata e recolhe os estojos (dos projéteis) para não fazer provas – disse.

O atual chefe da Polícia Civil criticou a postura de alguns setores da sociedade que acreditam que a morte de um morador da periferia elimina um provável criminoso. Segundo ele, essa visão é preconceituosa e tem de ser combatida. O delegado-geral defendeu punição rigorosa ao agente público que comete crimes "sob o manto da ação legítima".

– Há ainda uma parcela da sociedade que acha que matar pobre na periferia é matar o marginal de amanhã. Isso é uma visão preconceituosa da própria sociedade, que encarna que a ação de matar é legítima. Não é legítima, policial só mata para se defender – afirmou.

O delegado-geral reconheceu ter tido divergências com o ex-secretário de Segurança Pública Antonio Ferreira Pinto e defendeu a existência de uma corregedoria que seja somente subordinada à Polícia Civil. Ele criticou o fato de a Rota, tropa de elite da Polícia Militar, ter atuado na esfera da investigação durante a gestão passada. Em sua administração, o ex-secretário estadual utilizou a tropa de elite na busca de lideranças de facções criminosas, com informações do setor de inteligência da polícia. Em sua tentativa de acabar com a corrupção na esfera policial, criou desafetos e afastou o comando da Polícia Civil do governo estadual.

– Para a Rota, foram passadas informações que possibilitaram fazer prisões. Acontece que no mundo inteiro a polícia que patrulha não é a que investiga, mesmo sendo da mesma corporação. Essa divisão entre prevenção e investigação é um padrão internacional. Não adianta querer inventar terceira ou quarta polícias – disse.

O delegado-geral defendeu que, na nova administração, as polícias Militar e Civil atuem com mais sintonia, e considerou que, no Brasil, a Polícia Civil é desvalorizada. Ele lembrou que a Constituição federal prevê a existência de apenas duas forças policiais: uma que atue na investigação e outra que atue na prevenção.

Ontem, após a posse, o novo secretário da Segurança Pública começou a escalar a sua nova equipe de governo. Além de mudanças nos cargos da pasta, ele deve fazer substituições no alto escalão das Polícias Civil e Militar. Para o cargo de delegado-geral da Polícia Civil, são cotados o diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), Nelson Guimarães; o diretor do Departamento de Polícia Judiciária (Decap), Carlos José de Toledo; e o diretor do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo, Youssef Chahin.

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