Corrupção é apontada como maior inimiga da polícia pacificadora no Rio

A ocupação policial na favela da Rocinha, a maior do rio de Janeiro, transmite uma mensagem eloquente: "Na medida em que se consegue ocupar e pacificar a Rocinha, o recado às demais comunidades e ao resto do mundo é que qualquer outra favela pode ser pacificada", disse em entrevista à Deutsche Welle o produtor musical Celso Athayde, um dos fundadores da Central Única de Favelas, Cufa, criada em 1996.

A ação "no grande quartel-general histórico dos traficantes de drogas da cidade", como pontua Athayde, com população estimada em até 200 mil pessoas, foi iniciada neste domingo (13/11) e contou com mais de 3 mil homens das forças de segurança. Depois de recuperar o território até então dominado por criminosos, o próximo passo das autoridades é instalar uma base da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

O "choque de paz", como o governo chama a estratégia, é elogiado pelo diretor da ONG Viva Rio, Rubem César Fernandes. "Nos últimos dois anos e meio, esse conceito de UPP começa a ganhar credibilidade. Acabou o entra-e-sai da força policial nas comunidades e a presença das autoridades é permanente." Fernandes esteve na Rocinha durante as operações e disse que o clima era de festa diante da nova realidade.

O que vem depois

A batalha não está ganha, ressalta Athayde. O produtor musical, que também morou na rua e viveu em diversas favelas, vê grandes desafios para as UPPs – como o de manter o estado de pacificação permanente, expandir essas ações e resolver a questão da corrupção. "Porque depois de a polícia ter assumido a Rocinha sem dar um tiro, descobre-se que uma série de policiais dava cobertura ao tráfico. Essa é a prova, na verdade, de que a corrupção é que permite toda essa anomalia", acrescenta.

O compromisso com a qualidade dos serviços é, para Fernandes, um ponto frágil. Segundo o diretor da Viva Rio, as UPPs cresceram muito rapidamente e exigem cada vez mais policiais. "O recrutamento com qualidade é importante, ter pessoas que queiram ir trabalhar nas favelas em vez de receber o trabalho como imposição,  ter treinamento adequado e uma supervisão bem feita para que não haja desvios", completa.

Nova vida para moradores

A Cufa atua há seis anos no Morro do Alemão, onde uma UPP foi instalada depois da ocupação policial em novembro de 2010. Mesmo com o fim do domínio do tráfico, a mudança de comportamento da comunidade não é imediata, diz o fundador da organização. "Existe um grande conflito interno, que é uma questão de educação das pessoas. Elas foram criadas, formadas dentro de uma sociedade paralela e têm dificuldade de se adaptar a um mundo formal, legal, do qual nunca fizeram parte."

Uma prova é a dificuldade que os moradores encontram para pagar as contas básicas, como luz e água. Junto com uma UPP, também instalam-se na comunidade os representantes dos serviços básicos. Ligações clandestinas que abasteciam as casas são legalizadas, e as contas começam a chegar para os consumidores. 

"Está certo que esses moradores cumpram com todas as obrigações de um cidadão comum. Mas aí eles descobrem que não têm estrutura financeira para pagar tudo. Porque o governo levou a paz para a favela, mas não mudou a vida dessas pessoas financeiramente", critica Athayde.

Em paz, mas com as drogas

A ação do governo do Rio de Janeiro é elogiosa, pontua Fernandes, mas não significa o fim do tráfico. "Você passa de um cenário onde o comércio de drogas era uma coisa ostensiva para um onde negócio que é feito escondido, como é nos outros países, como na Alemanha." O diretor da Viva Rio lembra, no entanto, que o fim do controle do território pelo crime organizado é "muito importante" para o Brasil e para a América Latina.

Na visão de Athayde, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, está no caminho certo. Quanto à presença do tráfico nas favelas, o ativista sentencia: "Enquanto houver demanda por drogas, o tráfico estará lá. E a favela é autosuficiente em consumo."

Histórico

A Rocinha, cercada pelos bairros mais ricos da zona sul do Rio de Janeiro, será a 19º favela a receber uma unidade pacificadora. A primeira foi o Morro da Dona Marta, em 2008. A comunidade que ficou famosa depois de ter virado título de filme, Cidade de Deus, ganhou uma UPP em fevereiro de 2009, que hoje conta com 326 soldados.

Esse modelo de segurança pública e de policiamento visa aproximar a população da polícia, em conjunto com políticas sociais. Segundo os cálculos oficiais, as atividades das UPPs beneficiam atualmente 280 mil moradores.

O governo do Rio de Janeiro declarou que está investindo 15 milhões de reais na qualificação de policiais. O objetivo é que 60 mil oficiais estejam prontos para atuar no estado até 2016 – ano dos Jogos Olímpicos no Brasil, que vão acontecer no Rio de Janeiro.

Até lá, diz Athayde, as favelas já poderiam fazer parte do passado. "Favela tem que acabar. Favela é um espaço de dejeto humano, de depressão. A ideia de que a favela é bonita é uma coisa para turista. Se o país colocou como meta o desenvolmento, então as favela têm que acabar."

Autora: Nádia Pontes
Revisão: Alexandre Schossler

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