MOUT – Exército da salvação?

 

ANTÔNIO WERNECK e VERA ARAÚJO

Esperança de dias melhores para a segurança pública de um estado castigado pela mais grave crise financeira de sua história, a atuação das Forças Armadas no Rio chega ao fim do ano com alto custo e eficácia questionada por especialistas. Apesar disso, o governo federal, que investiu aproximadamente R$ 10,5 milhões por mês na mobilização de militares, confirmou ontem a permanência da tropa na Região Metropolitana até dezembro de 2018.

Desde que o presidente Michel Temer assinou um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), em 28 de julho, foram realizadas 14 operações em apoio à PM e à Polícia Civil, mas os resultados não saltaram aos olhos. Estatísticas de crimes praticados de agosto a novembro mostram que houve um aumento de 25% nos registros de roubos de veículos em comparação com o mesmo período de 2016, enquanto índices de homicídios dolosos, roubos de cargas e de pedestres permaneceram em patamares elevados.

A União informou ontem que os gastos com o conjunto de operações "O Rio quer segurança e paz", realizadas pelo Exército, pela Marinha e pela Aeronáutica, chegaram a R$ 42,2 milhões, sendo que ainda podem bater o orçamento de R$ 47 milhões, já que parte das contas ainda não foram liquidadas.

Segundo o Ministério da Defesa, a renovação do acordo de colaboração com o estado já foi acertada – agora, só falta o governador Luiz Fernando Pezão oficializar, até domingo, um pedido para a permanência das Forças Armadas em território fluminense. Para o titular da pasta, Raul Jungmann, "o apoio às polícias do Rio vem sendo dado com êxito":

– O nosso papel, ao longo deste ano, tem sido cumprido, colaboramos com as forças de segurança pública do Rio. Já empregamos mais de 40 mil militares em 14 operações. Além disso, por meio de trabalhos de inteligência realizados em conjunto, conseguimos vitórias como as prisões de Rogério 157 (Rogério Avelino da Silva, chefe do tráfico da Rocinha) e Marcelo Piloto (Marcelo Fernando Pinheiro Veiga), que era o grande fornecedor de armas do Comando Vermelho.

Muitos outros bandidos foram identificados e já estão na cadeia. Vamos ficar no Rio em 2018, é uma determinação do presidente Michel Temer, e nossa expectativa é que as Forças Armadas continuarão contribuindo com as polícias do estado para elevar o nível da segurança.

'OS GOVERNOS GASTAM MUITO, MAS GASTAM MAL' Doutora em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Maria Isabel Couto discorda do ministro da Defesa. Ela diz que a atuação das Forças Armadas não surtiu o efeito esperado:

– Os indicadores da violência não melhoraram. Algumas comunidades que foram alvos de operações, como a Rocinha e o Morro do Juramento, ainda vivem em clima de guerra. Os governos federal e estadual gastam muito dinheiro com segurança, mas gastam mal, aplicam poucos recursos em ações preventivas e de inteligência.

José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, também questiona a eficácia das operações e destaca que os recursos gastos com a mobilização da tropa federal poderiam ter sido aplicados em melhorias para as polícias Militar e Civil.

– Está valendo a pena? A mobilização da tropa federal ajudou a reverter a crise da segurança do estado? O custo das operações, que pode chegar a R$ 47 milhões, seria suficiente para a compra de 800 viaturas. O que vimos foi mais um socorro político do que uma resposta efetiva, operacional, contra a violência espalhada pelas ruas e por comunidades dominadas por traficantes e milicianos – diz José Vicente.

O especialista também afirma que "40 mil militares não podem fazer o papel de quase 60 mil policiais":

– A presença da tropa no Rio não repara mazelas como a falta de integração entre as polícias Civil e Militar, o envolvimento de agentes da lei com criminosos, a precariedade no planejamento de ações ou a dificuldade do estado para colocar nas ruas boa parte dos 8 mil policiais que fugiram para órgãos estranhos à sua atividade fim, que se escondem na burocracia ou vigiam presos. Somente policiais podem cuidar com eficiência de afazeres que demandam conhecimento específico e experiência no combate ao crime, ingredientes que não fazem parte dos arsenais das Forças Armadas.

A tropa começou a atuar no Rio para baixar índices da violência, principalmente os roubos de cargas, crime que, de acordo com o Instituto de Segurança Pública do estado, cresceu 29,7% em julho – quando foi assinado o decreto presidencial de GLO – em relação ao mesmo mês de 2016. No entanto, apesar de uma redução de 15% em novembro deste ano (em comparação semelhante), os resultados ainda estão abaixo da expectativa.

No período em que as Forças Armadas passaram a atuar no estado (de agosto a novembro), os registros de roubos de veículos saltaram 25%, passando de 17.877 (no ano passado) para 22.346. Já os casos de homicídios dolosos subiram de 2.106 para 2.151. Roubos de cargas e de pedestres tiveram pequenas variações: a estatística do primeiro tipo de crime caiu de 4.397 para 4.265; do segundo, de 41.549 para 39.410.

Em nota, a Secretaria estadual de Segurança afirmou que "a participação, integração e a longa parceria com as Forças Armadas é valiosa no combate ao crime, especialmente em momento de escassos recursos humanos e materiais". Além disso, o órgão lembrou que, em parceria com o governo federal, foi criado o Grupo Integrado de Enfrentamento ao Roubo de Cargas, que permitiu a redução de casos no mês passado.

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