Passaporte para o perigo

Elenilce Bottari e Renan Rodrigues


O assassinato da espanhola María Esperanza Jimenez Ruiz, de 67 anos, baleada no pescoço por um policial militar após um passeio pela Rocinha, expôs a falta de regulação e fiscalização da sexta atividade econômica mais rentável da cidade.

De acordo com o governo do estado, o município do Rio tem 3.720 empresas de turismo, mas um levantamento feito pelo GLOBO aponta que 32% delas não têm o registro federal obrigatório (Cadastur). No Ministério do Turismo, estão cadastradas apenas 2.503.

A falta de controle é percebida na checagem de documentos e também nas ruas. Ontem, um dia após a tragédia, o clima continuava tenso na Rocinha, mas isso não impediu que guias levassem grupos de turistas para a favela.

Pela manhã, um jipe com passageiros estrangeiros circulou pela comunidade, e, à tarde, um casal de australianos visitou a pé a mesma área onde María Esperanza foi morta. — Parece que houve uma fatalidade. Não percebemos uma situação de perigo aqui — disse Megan Vonles ao deixar a favela que, desde o dia 17 de setembro, é cenário de uma guerra do tráfico que já deixou pelo menos nove mortos.

Delegada critica agência e guia

Para Valéria Aragão, titular da Delegacia Especial de Apoio ao Turismo (Deat), empresas que organizam passeios em favelas vêm colocando a vida de seus clientes em risco. Responsável pelo inquérito que apura a responsabilidade da Rio Carioca Tour e da guia Rosângela Reñones Cunha na tragédia ocorrida anteontem, ela afirmou que a falta de bom senso precisa ser punida.

A delegada disse que vai indiciar a empresa e a profissional pela Lei do Consumidor, pois tinham a obrigação de checar condições de segurança para prestar o serviço. E ela estuda a possibilidade de adotar uma segunda medida, mais dura: indiciar Rosângela, o motorista do carro que levava os turistas, Carlo Zaninetta, e o dono da Rio Carioca Tour, Gian Luca Fabris, por homicídio.

A delegada defendeu um controle maior da atividade. Segundo ela, em algumas comunidades, Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) deveriam ser previamente informadas sobre a chegada de turistas. Ontem, o governador Luiz Fernando Pezão manifestou uma opinião semelhante. Ele afirmou que o Palácio Guanabara começou a estudar formas de controlar o acesso de agências de turismo às favelas da cidade ocupadas pela polícia ou pelas Forças Armadas.

No entanto, ele não quis adiantar que medidas poderá tomar nesse sentido. O prefeito Marcelo Crivella também disse que é necessária uma regulação, mas frisou que que apoia as atividades turísticas em favelas. A Riotur, empresa de turismo do município, convocou para hoje um debate sobre o assunto. Foram convidados representantes da Deat, do Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas (BPTur), da Secretaria municipal de Ordem Pública, da Comissão de Turismo da OAB/RJ e de entidades do setor, como a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) e o Sindicato dos Guias de Turismo. Para o presidente da ABIH no Rio, Alfredo Lopes, tão importante quanto uma regulação é a sinalização das áreas de risco:

— Não podemos mais aceitar que turistas brasileiros e estrangeiros continuem entrando por engano em locais conflagrados e sejam baleados quando uma simples placa poderia evitar tragédias. Recentemente, uma turista foi baleada metralhada numa comunidade em Angra dos Reis. No caso da Rocinha, realmente faltou bom senso. Vale lembrar que, poucas horas antes do grupo de espanhóis iniciarem o passeio, dois policiais foram baleados na favela. Para a presidente da Associação de Guias de Turismo Motorizado, Laís Tammela, o caso agrava ainda mais a situação do setor. Ela também cobrou um maior controle da atividade:

— Se a regulação já existisse, o carro que levou os turistas à Rocinha poderia estar identificado de forma diferente. Autor de um projeto de lei que estabelece uma identificação específica para veículos de guias turísticas, o deputado federal Otavio Leite (PSDB) afirmou que o poder público demorou a perceber a importância do tema. A proposta, elaborada em 2010, foi aprovada na Câmara e, agora, aguarda avaliação da Comissão de Justiça do Senado.

— O que aconteceu na Rocinha foi uma “tempestade perfeita”. De um lado, a imprudência de levar turistas a um lugar conflagrado; do outro, a postura inepta de um tenente, que atirou no veículo. Precisamos reconhecer que a atividade turística nas comunidades do Rio tem muito demanda, gera emprego e renda e ajuda a unir morro e asfalto — destacou Leite.

Segundo o secretário estadual de Turismo, Nilo Sérgio Félix, a agência e a guia que organizaram o passeio na Rocinha cometeram um erro gravíssimo, e justifica sua opinião com uma pergunta: — Você faria um sobrevoo de asa-delta numa tempestade apenas para atender a um pedido de um turista?

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter