Um Projeto de Força – Aquisição dos CC Leopard 1A5Br

TC Marcelo Carvalho Ribeiro
 Comandante do Centro de Instrução de Blindados (C I Bld)
– Santa Maria/RS


O presente artigo, de caráter estritamente pessoal, tem por objetivo analisar os benefícios trazidos para o Exército Brasileiro (EB) com a recente aquisição das Viaturas Blindadas de Combate (VBC) Leopard 1 A5, atualizar o leitor sobre o andamento do projeto e sintetizar as principais lições aprendidas até a presente data.
 
1. INTRODUÇÃO
 
O Exército Brasileiro possui uma das mais notórias histórias relacionadas ao emprego, desenvolvimento e aquisição de veículos blindados no mundo.  Iniciada na década de 20 do século passado com a aquisição de uma Companhia de Carros de Assalto FT-17, o país empregou seus meios blindados nas revoluções e revoltas internas ocorridas durante o século XX, na Segunda Guerra Mundial, em Forças de Manutenção da Paz e em Operações de Garantia da Lei e da Ordem.

Sempre acompanhou de perto as inovações introduzidas nos meios blindados, seja na parte técnica, seja no emprego, desenvolvendo e estudando estas inovações e atualizando sua doutrina de emprego, enviando oficiais e praças ao exterior para intercambiar experiências com outros exércitos e divulgando os ensinamentos adquiridos. Sempre buscou incluir a indústria nacional na busca das demandas relacionadas aos blindados, seja por meio do financiamento de projetos, seja nas atividades de logística. Neste contexto, este artigo pretende  informar ao leitor sobre os benefícios e as experiências trazidas para a Força com a recente aquisição das VBC Leopard 1A5 do Exército da República Federal da Alemanha.
 
2. DESENVOLVIMENTO

a.  A complexidade do Carro de Combate Moderno
 
Antes de mais nada, é necessário que o leitor compreenda a complexidade de um blindado moderno. Os conflitos atuais deixaram de empregar este meio de modo massivo, exigindo seu emprego de modo pontual para resolver situações que exijam grande mobilidade, proteção blindada e poder de fogo. Como consequência, necessitou-se aumentar o aparato tecnológico embarcado, com meios que garantam a sua precisão, que aumentem a capacidade de resposta imediata, incluindo meios de C4ISR[1], e com uma blindagem que permita a sobrevivência da tripulação, caso atingido por minas, armas anti-carro ou IEDs[2].

Em resumo, um blindado moderno assemelha-se muito a um avião: quem vê de fora não faz idéia da complexidade dos sistemas que o compõem. Neste sentido, a aquisição das VBC Leoapard 1A5, mais que uma simples compra de material de emprego militar,  está aportando uma série de experiências que colocam o EB num rol muito seleto de países que conseguem manter um blindado moderno operando num conflito, com todas as demandas logísticas e operacionais que isto requer.
 
b. A Aquisição e suas inovações

Diferentemente de outras aquisições realizadas anteriormente, onde o material é subministrado diretamente de empresas produtoras, o EB contratou o Ministério de Defesa da República Federal da Alemanha para realizar a compra de empresas alemãs. Este fato foi decisivo para corrigir problemas vividos em aquisições anteriores quando, vencida a garantia do produto, a Força estava, de certa forma, à mercê de empresas fornecedoras. Foi empregada toda uma sistemática de aquisição, com uma garantia baseada em parâmetros de utilização do carro pelo Exército Alemão, que está aportando bastante conhecimento e experiência para o EB no gerenciamento de seu material. Algumas das principais inovações introduzidas são:
 
1)   Aquisição de uma “família de blindados”

Pela primeira vez, o EB adquire carros de combate dentro de um conceito mais amplo, incluindo não somente os carros de combate, mas também os veículos de apoio (sistemas operacionais logístico e mobilidade, contra-mobilidade e proteção) usando o mesmo chassi da viatura de combate.
 
2) Modificações na infra-estrutura

As características das viaturas impuseram às suas OM detentoras toda uma reestruturação para adequação de suas instalações às necessidades de manutenção e operação do carro, trabalho iniciado com o recebimento das VBC Leopard 1A1 oriundas da Bélgica e transferidas para aquartelamentos do Rio de Janeiro, posteriormente  para outros no Rio Grande do Sul e Paraná. O EB teve que investir na construção e adequação de instalações para viabilizar a manutenção e mesmo a circulação das viaturas.

Só para se ter uma idéia das dificuldades, a troca de óleo do motor das VBC Leopard só pode ser feita com o motor fora da viatura, o que requer a instalação de pontes rolantes com capacidade mínima de 7 toneladas e com oficinas que tenham um pé direito adequado à permitir a retirada do motor. Ademais, foram readequadas as garagens, rampas de lavagem e instalações de suprimento.
 
3) Aquisição de um Suporte Logístico Integrado (SLI)

Um dos principais gargalos enfrentados quando da aquisição de blindados é garantir um fluxo de suprimento que permita viabilizar seu funcionamento durante o tempo de garantia e que o mantenha funcionando durante toda a sua vida útil. Nesta compra, o EB não se limitou a adquirir o  material e o suprimento para o carro.

Adquiriu, junto com ele, um SLI, que é um conceito logístico bem mais amplo, envolvendo toda uma garantia de fornecimento dos suprimentos, percentuais de disponibilidade (que atualmente garante uma disponibilidade de 70 % dos meios) e tempo de fornecimento de ítens. Para viabilizá-lo, requereu a instalação de dois escritórios: um brasileiro, na empresa contratada (atualmente a KMW da Alemanha) e outro da empresa no Brasil, em funcionamento no Pq R Mnt/3, em Santa Maria-RS.

Instalou, ainda, um sistema de gerenciamento informatizado, onde o mecânico solicita o suprimento on-line, recebendo o ítem alguns dias depois. Os conceitos de depósito alfandegados, antes restrito à aviação, foram extendidos aos blindados. O leitor pode tentar inferir  bem o impacto destes novos conceitos num ambiente antes habituado a uma borocracia e uma espera sem fim por suprimentos, e o esforço que isto está requerendo dos operadores logísticos do EB, uma verdadeira revolução silenciosa, com capacidade de extensão a todas as demais aquisições futuras.

4) Mudanças na sistemática da manutenção

A sistemática de manutenção para manter a frota a 70% , juntamente com os conceitos do SLI tiveram que sofrer modificações interessantes. As definições precisas das tarefas que devem ser feitas em cada escalão, suas periodicidades e as competências que os operadores devem possuir para realizar sua tarefa ocasionaram uma intensificação no apoio direto. Frequentemente se vê, nas oficinas das unidades, operadores das empresas (apelidados pelos militares de homens de azul) trabalhando na manutenção dos veículos.

5) Capacitação dos recursos humanos

Outro avanço significativo desta compra foi o elevado investimento feito pelo EB na capacitação dos recursos humanos, tanto técnica como taticamente. A compra incluiu, além de cursos para a capacitação inicial dos operadores, uma série de outros meios: sistemas de simulação, fornecimento de manuais adequados, softwares de gerenciamento e oferta de cursos para a busca de um aperfeiçoamento e melhoria do conhecimento. De todos estes, a grande estrela do momento, sem dúvida, são os sistemas de simulação.

A capacitação em sistemas complexos e custosos tem na simulação virtual um importante aliado. Cada centavo investido neste ramo tem um retorno garantido, pois permite treinar o operador em situações normais e em situações extremas, que somente poderiam ser  vividas em situações reais e com risco ao operadores e ao equipamento.  Foram os seguintes os tipos de simuladores adquiridos pelo EB:

(a) De simulação virtual

– Treinador Sintético Portátil  – TSP – permite simular uma guarnição de carro de combate, e treinar os operadores em cada uma de suas funções, com exceção do municiador. Foi adquirido um conjunto para cada Regimento, além de mais 3 conjuntos para o Centro de Instrução de Blindados CIBld, totalizando 7)

– Treinador Sintético de Blindados -TSB – permite simular em ambiente confinado o comandante do carro e o atirador, e, no seu exterior, o motorista. Podem ser integradas aos TSP e simular o combate de até uma subunidade, com todos os seus apoios (apoio de fogo, engenharia, etc) contra um inimigo virtual, em um cenário bastante amplo com localidades, campo, rodovias, etc.

(b) De simulação construtiva

– Simulador de Procedimentos de Torre – SPT – foram adquiridos dois tipos de simuladores deste tipo: as  de manutenção, destinada a treinar os mecânicos ( uma para o Parque  Regional de Manutenção da 3ª Região Militar) e as de procedimentos (uma por Regimento e para o C I Bld, totalizando cinco) destinada a treinar a guarnição nos procedimentos mais habituais  da torre e panes.

– Simuladores de procedimentos para motoristas – destinados a treinar os motoristas nos procedimentos mais habituais ocorridos na cabine do motorista ( dois por Regimento  e uma para o C I Bld, totalizando nove ).

(c) De simulação viva

– Dispositivo de Simulação de Engajamento Tático – DSET – destinados a realizar treinamento de tiro contra um alvo ou contra outro blindado. Simulam, por meio de feixes laser, a trajetória da munição e acerto do impacto, permitindo o duelo entre blindados. Foram adquiridos um total de 42, todos no CI Bld, à disposição dos regimentos, para que estes realizem seus treinamentos e adestramento de tiro.
 
 
c. Lições Aprendidas

Obviamente, nem todo o previsto tem sido perfeitamente executado conforme o planejado. E isto também tem de ser entendido como um benefício: as correções de rumo e aperfeiçoamento das atividades têm sido uma constante durante o processo. Os problemas surgidos vêm sendo tratados por todos como desafios a vencer, e têm gerado benefícios para ambas as partes.

Os problemas passam pela administração de pessoal (disponibilidade de mecânicos, qualificação de especialistas, falta de conhecimento a respeito de componentes específicos, domínio de idiomas) e de material (deficiências de infra-estrutura, falta de ferramental, demora no recebimento de suprimentos, dificuldades de transporte).

As empresas alemãs, em especial a KMW, está ampliando  seus negócios no Brasil, e visa abranger um mercado bem mais amplo por meio de sua sucursal brasileira, a KMW do Brasil, com sede em Santa Maria-RS.

Tem, portanto, todo o interesse estratégico de que o contrato e a aquisição sejam bem sucedidos.  O EB, por sua parte, vêm buscando colher os ensinamentos e transformá-los em conhecimentos adquiridos, corrigindo os rumos e gerindo os problemas, de modo a anular eventuais danos causados. A experiência adquirida tem potencial de aplicação a  todos os materiais de emprego militar por ele  posteriormente utilizados.
 
3. CONCLUSÃO

A aquisição das VBC Leopard 1A5 pelo EB foi muito mais que a compra de um novo material de emprego militar: gerou mudanças relevantes no gerenciamento dos meios, na aquisição de suprimentos, na infra-estrutura de organizações militares, na qualificação de pessoal e na introdução de modernos meios de simulação.

Possibilitou um salto qualitativo nos meios e no adestramento da tropa blindada, colocando o EB em um grupo muito seleto de nações: as que são capazes de operar e manter um blindado moderno.

Por meio dela, ainda, o país aumentou consideravelmente seu poder de combate terrestre. Os Regimentos de Carros de Combate da Força Terrestre se tornaram quaternários, dotados de um carro de combate moderno, capacitado ao combate noturno e ao tiro em movimento e com aumento considerável de sua potência de fogo, pelo aumento do calibre de seus canhões de 90 mm para 105 mm. Ademais, passou a contar com carros de apoio e com um suporte logístico eficaz.

A experiência, que ainda vem sendo adquirida cada dia, está longe de terminar e ainda há muito o que fazer. Entretanto, a sua utilização para novas aquisições, como agora realiza o EB com a Nova Família de Blindados Sobre Rodas Guarani não pode ser desperdiçada. Ambas são atividades relevantes, que vão dotar o Exército Brasileiro, a médio prazo, das  competências necessárias para manter sua força blindada com altos níveis de operacionalidade, permitindo com que a nação faça uso dela quando necessário.

Aço!

[1]    Termo em inglês Command, Control, Communications, Computers, Intelligence, Surveillance and Reconnaissance. Se refere a equipamentos que viabilizem o  comando, o  controle, as comunicações, que interliguem e empreguem  computadores e trabalhem em proveito da inteligência, da vigilância e das ações de reconhecimento  em proveito de seus usuários.

[2]    Termo inglês Improvised Explosive Devices, Dispositivos Explosivos Improvisados.
 

DefesaNet

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